Parte da opinião pública chinesa vê a invasão da Ucrânia como uma ação legítima por parte da Rússia, face à rivalidade comum contra o “hegemonismo ocidental”, encabeçado pelos Estados Unidos, e ao paralelismo com Taiwan.
Na visão dos chineses que defendem a invasão russa, os intitulados grandes países têm o direito a desfrutar de segurança nas suas fronteiras.
“O povo ucraniano devia culpar sobretudo os seus líderes por terem provocado a Rússia ao aproximarem-se dos Estados Unidos”, aponta Weiwei, agente imobiliária em Nanning, cidade do sudoeste da China, em declarações à Lusa.
Para o taxista Wang Tao, também ouvido pela Lusa, Moscovo teve que agir, perante a “iminência” de a Ucrânia ser armada por Washington para “lançar um ataque” contra a Rússia.
De acordo com uma sondagem publicada pelo Carter Center, organização sem fins lucrativos fundada pelo ex-Presidente dos Estados Unidos Jimmy Carter, 75% dos entrevistados chineses concordam que apoiar a Rússia é do interesse nacional da China. Cerca de 60% dos entrevistados esperam, no entanto, que a China desempenhe um papel na mediação do fim da guerra.
Pequim recusou condenar a Rússia pela invasão da Ucrânia e criticou a imposição de sanções contra Moscovo. A China considera a parceria com o país vizinho fundamental para contrapor a ordem democrática liberal, liderada pelos Estados Unidos.
Em causa está também o paralelismo entre o conflito na Ucrânia e a questão de Taiwan, que Pequim considera ser uma “província rebelde” que deve ser reunificada, e não uma entidade política soberana.
“O conflito entre Rússia e Ucrânia é o ‘contra-ataque’ de [Presidente russo, Vladimir] Putin contra o plano do Ocidente, liderado pelos Estados Unidos da América (EUA), de desmembrar a Rússia”, apontou Qiu Wenping, da Academia de Ciências Sociais de Xangai, um grupo de reflexão (‘think tank’) do governo, durante um debate televisivo.
“A posição da China é comparável à da Rússia. Os EUA estão claramente a manipular a questão de Taiwan e constantemente a atiçar as chamas para desmembrar a China, através da criação de uma Ucrânia do Oriente”, acusou Qiu Wenping.
China e Taiwan vivem como dois territórios autónomos desde 1949, altura em que o antigo governo nacionalista chinês se refugiou na ilha, após a derrota na guerra civil frente aos comunistas. Pequim considera Taiwan parte do seu território e ameaça a reunificação através da força, caso a ilha declare formalmente a independência.
As visitas de políticos norte-americanos à ilha tornaram-se frequentes nos últimos dois anos, levando o Exército chinês a lançar exercícios militares em larga escala.
Pequim vê as visitas de alto nível ao território como uma interferência nos seus assuntos e um reconhecimento de facto da soberania de Taiwan.
A imagem do líder russo, Vladimir Putin, como um “durão”, é também bastante apreciada na China, onde o regime autoritário privilegia líderes “fortes”.
“Putin é um homem a sério, que não hesita em agir”, confidencia, ainda em declarações à Lusa, a agente imobiliária Weiwei.
Dezenas de biografias e ensaios sobre Putin estão disponíveis nas livrarias chinesas, numa distinção rara para um estadista estrangeiro.
“Putin: Ele Nasceu para a Rússia”, “O Punho de Ferro de Putin”, “Putin: O Homem Perfeito aos Olhos das Mulheres” e “O Charme do Rei Putin” são alguns dos títulos expostos nas livrarias do país asiático.
“Putin tornou-se um ícone político, duro e implacável, na resistência à hegemonia do Ocidente”, afirmou à Lusa um estudante chinês de 26 anos, formado em Relações Internacionais.
“Ele é um grande estadista, que renovou as esperanças e a fé do povo russo após a desintegração da União Soviética”, acrescentou o estudante, que preferiu não ser identificado.
A ofensiva militar lançada a 24 de fevereiro pela Rússia na Ucrânia causou já a fuga de quase 13 milhões de pessoas — mais de seis milhões de deslocados internos e quase sete milhões para os países vizinhos -, de acordo com os mais recentes dados da ONU, que classifica esta crise de refugiados como a pior na Europa desde a Segunda Guerra Mundial (1939-1945).
A invasão russa — justificada pelo Presidente russo, Vladimir Putin, com a necessidade de “desnazificar” e desmilitarizar a Ucrânia para segurança da Rússia – foi condenada pela generalidade da comunidade internacional, que tem respondido com envio de armamento para a Ucrânia e imposição à Rússia de sanções em todos os setores, da banca à energia e ao desporto.