O ex-presidente do Montepio Tomás Correia disse esta terça-feira, em Santarém, ter assistido ao final do julgamento do recurso à coima que lhe foi aplicada pelo Banco de Portugal (BdP) com “grande desgosto e, ao mesmo tempo, alívio”.
António Tomás Correia pediu à juíza Mariana Gomes Machado para prestar declarações depois de o seu mandatário, Alexandre Mota Pinto, ter concluído as alegações finais no julgamento dos recursos apresentados por si, pela Caixa Económica Montepio Geral (CEMG) e pelos ex-administradores Barros Luís e João Neves, às coimas aplicadas pelo Banco de Portugal por incumprimentos nos investimentos em dívida da PT Finance.
A “caminho dos 80 anos”, Tomás Correia lembrou os 55 anos de “dedicação” e “lealdade” ao sistema financeiro e declarou o “sentimento de injustiça”, gerado pelo processo que lhe foi movido pelo supervisor, e, ao mesmo tempo, de “alívio” por saber que não voltará a ser confrontado por novos processos.
Nas suas alegações, Alexandre Mota Pinto frisou que, desde a saída de Tomás Correia do Montepio, não existiu mais nenhum processo visando o banco.
Os problemas acabaram”, pois “o objetivo pretendido foi atingido”, afirmou.
Tomás Correia referiu os momentos de “sofrimento intenso” que se seguiram às declarações do Governador do Banco de Portugal, quando, em 2014, à saída do parlamento, afirmou que havia mais processos além do do BES, começando o nome do Montepio “a ser badalado, num ataque à sua reputação”.
Seguiu-se a perda de muita liquidez, em agosto, setembro e outubro, de que o banco recuperou até meados de março de 2015, quando surgiram “mais um conjunto de notícias com ataques à reputação” do Montepio, declarou.
“Tivemos que defender a instituição”, que mostrar que era “sólida” e que “eram dificuldades próprias do momento”, disse, salientando a dedicação e o empenho de dirigentes e funcionários.
Tomás Correia afirmou que recebe mensagens e telefonemas que lhe dão conta de como as mulheres e homens que trabalham no banco se sentem “magoadas”, de como se sentem “angustiadas” e “frustradas”, por saberem que “trabalharam bem e souberam defender a instituição, os clientes, os associados e o país”.
O Montepio é uma instituição legal, transparente, de pessoas dedicadas, que não merece mais notícias da comunicação social que ataquem a sua reputação”, afirmou.
Mota Pinto repetiu nas suas alegações que, por ser um dos três bancos que podiam conceder crédito à habitação, o Montepio teve de enfrentar as dificuldades que se seguiram à crise de 2008, com muitas famílias a não conseguirem pagar os empréstimos, e “foi o único que não pediu dinheiro aos contribuintes”.
Tomás Correia afirmou que, quando assumiu a presidência do banco, em 2008, este não possuía direção de risco nem direção financeira, tendo contado com o “grande apoio” de Jorge Barros Luís e de João Neves, pessoas qualificadas e capazes, contratadas na sua gestão para ajudarem na modernização e na resposta às exigências regulatórias que se colocaram à banca.
Nas suas alegações, em que procurou refutar cada uma das quatro infrações imputadas a Tomás Correia, Alexandre Mota Pinto invocou o facto de o ex-presidente do Montepio ter sido já condenado num outro processo, que deverá transitar em julgado em breve, pelo mesmo ilícito, relacionado com a ausência de controlo interno, sistema que considerou ter ficado provado ter sido reforçado durante os seus mandatos.
Pedindo a absolvição do seu cliente, Mota Pinto lembrou que Tomás Correia foi administrador do Montepio “num período muito difícil” e que “deu sempre o seu melhor”.
O advogado salientou que em causa no processo estão investimentos na PT num momento em que esta era “uma das empresas mais saudáveis”, nada fazendo suspeitar o que iria acontecer, e que Tomás Correia só tomou conhecimento nos autos, “cinco anos depois”, do erro cometido pela Direção Financeira no registo da operação.
Em outubro de 2021, o Banco de Portugal multou a CEMG em 475.000 euros, por sete infrações a título doloso, António Tomás Correia em 70.000 euros, por quatro infrações (três a título negligente e um doloso) e os ex-administradores Jorge Barros Luís (50.000 euros por três contraordenações a título negligente) e João Neves (25.000 euros por uma a título negligente).
No processo está em causa o investimento em duas obrigações ‘Credit Linked Notes’ (CLN) emitidas, uma pelo Crédit Agricole e outra pela Morgan Stanley, sobre a Portugal Telecom International Finance (PTIF), no montante total de 75 milhões de euros, às quais estavam agregados contratos de ‘swaps’ de risco de incumprimento (Credit Default Swap, CDS), no mesmo valor, em que a CEMG assumia a proteção da emitente.
Na sua decisão, o BdP considerou, nomeadamente, que o investimento nas duas CLN gerou uma exposição elevada ao risco de crédito dos emitentes e à PTIF, no montante de 75 milhões de euros, e que as características muito particulares destas operações exigiam dos diversos intervenientes um cuidado diferenciado.
Mariana Gomes Machado marcou a leitura da sentença para o próximo dia 10 de novembro.