Em momentos formais, com o protocolo a ditar as escolhas mais previsíveis, ou em ambiente descontraído, com uma qualquer atividade desportiva a dar o tom para a casualidade. Em qualquer dos cenários, dir-se-á que o herdeiro que ascenderia ao trono em 8 de setembro de 2022 nunca se desviou de um estilo marcadamente clássico. Os fatos de corte impecável da Anderson & Sheppard, as camisas da Turnbull & Asser, o intemporal xadrez dos kilts que tantas vezes desfilou no refúgio de Balmoral e ainda uma série de outras peças Barbour ou Burberry, etiquetas de eleição para compor um figurino “chique rural” perfeito, são presença assídua no guarda-roupa de Carlos III.

Desengane-se, no entanto, se pensa que a aparente previsibilidade dos looks é impermeável às tendências do futuro. Esta é a imagem de um gentleman inglês por excelência mas aquele que vive com intensidade a função de fundador e patrono da The Campaign for Wool, por exemplo. Sim, as conhecidas preocupações ambientais do soberano que sucedeu a Isabel II chegam ao vestuário e acessórios e Carlos tem ativamente promovido o uso da lã enquanto fibra sustentável. A Tatler recorda a propósito deste compromisso a colaboração com marcas emblemáticos como a Johnston of Elgin ou as instalações artísticas em larga escala, com este material, em Dumfries House. Para não falar do incentivo à economia circular através de iniciativas como a Sustainable Markets. Vendo bem, numa altura em que reciclar opções, comprar menos e de forma mais sensata, são tendências advogadas, parece que o então ainda príncipe de Gales já se especializava nessa fórmula. Não por acaso, Carlos tem um par de sobretudos que usa de forma insistente desde os anos 80.

The Prince's Countryside Fund Raceday

O sobretudo em castanho terracota é uma das peças recorrentes no guarda-roupa de inverno do agora rei Carlos III © Getty Images

Em 2020, para a edição britânica da revista Vogue, falava com Edward Enninful sobre a sua relação com a moda e o seu estilo em particular. Quando o diretor criativo lhe perguntou de onde vem, Carlos ironiza: “Pensava que eu era como um relógio avariado — acerta duas vezes por dia. Mas… fico muito contente que pense que tenho estilo. Preocupo-me com os pormenores e com a combinação das cores. Tenho a sorte de encontrar artesãos maravilhosos, que me permitem prolongar a vida das peças. Sou uma daquelas pessoas que põe os sapatos a consertar, ou outra peça qualquer, em vez de os atirar logo para o lixo. Do ponto de vista económico, acho mesmo que há uma oportunidade enorme para pequenos negócios envolvidos em arranjos e conservação”, defendeu o então ainda príncipe. “O meu estilo volta a estar na moda a cada 25 anos”, chegou a dizer.

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Sustentável, portanto, e elegante. As opções no que toca os vestuário não terão sido ao longo das últimas décadas o principal tópico de conversa quando o assunto era Carlos mas com o tempo as páginas das revistas masculinas renderam-se: sem dar por isso, uma série de essenciais e acessórios não só se tornaram obrigatórios para o filho mais velho de Isabel II como de forma discreta terão feito escola e inspirado contemporâneos. As botas de montar, o trench coat (que chegou a usar em Portugal, durante a visita que fez em 1987), as golas, os fatos bege, os casacos de tweed, os óculos escuros, ou as camisas de manga curta que exibia nas férias, ajudaram a consolidar esse retrato imaculado, fosse num jogo de polo — modalidade de eleição nos tempos de juventude — na caça, a esquiar, a fazer windsurf, ou num exclusivo serão. É difícil escolher o look mais irreverente mas se rapidamente nos lembramos da célebre camisola com ovelhas de Diana, talvez a alternativa amarela da Hermès que usou num jogo de polo em Windsor esteja ao mesmo nível.

Prova provada de que nunca foi de modas, há algo que claramente está ausente do seu vocabulário e gavetas: a ganga. “A coisa mais incrível sobre ele é o facto de não seguir tendências e conseguir estar sempre estiloso. Carlos continuou a usar casacos assertoados quando toda a gente deixou de os usar. Foi um passo corajoso, talvez inconsciente, mas que compensou porque aquilo tornou-se a sua imagem de marca”, defendeu Jeremy Hackett, da conhecida marca Hackett, citado pela Esquire, que em 2007 sentenciou que Carlos era o elemento real com mais estilo, o homem cujo “guarda-roupa nunca saiu de moda porque, para começar, nunca esteve na moda”.

Ainda de acordo com a publicação, o novo monarca terá a seu favor alguns aspetos quando falamos de estilo. Por um lado, a estrutura física herdada do pai, por outro a inspiração aristocrata de certa forma decalcada do anterior príncipe de Gales, Eduardo, o duque de Windsor, um ícone dos anos 20 e 30 do século passado no capítulo da moda.

Charles Countryman

Em contexto rural, uma das suas imagens de marca © Getty Images

Seja os sapatos, quase sempre John Lobb, ou as criações saídas de Saville Row (com os blazers de abertura dupla atrás entre os preferidos), Carlos aposta em fazer durar, admitindo em tempos que ainda usa um casaco de 1969. O seu fato de dia é um modelo cinzento complementado com detalhes dandy, enquanto a variante escura eleita para o final das jornadas é mantida há pelo menos três décadas. O fato que escolheu para o dia do seu casamento com Camilla, em 2005, foi feito sete anos antes — e em 2018, na boda do filho mais novo com Meghan Markle, apresentou-se com um fato com 36 anos. É oficial: Carlos já dominava a tão em voga arte de ir ao baú da moda muito antes sequer da expressão “archive” ter sido cunhada, o que não significa que permita que a monotonia se instale. Segundo a Esquire, chega a mudar de roupa cinco vezes por dia e recorre a quatro ou cinco empregados para garantir o estado de perfeição da indumentária — diz-se, aliás, que tem uma pessoa incumbida especialmente de zelar pelo estado impecável dos seus atacadores, um espelho fiel da sua obsessão com os pormenores.

“Sempre que ele sai de um carro, verifica os botões, verifica os bolsos e, em seguida, acena. [É] o mesmo movimento todas as vezes.”, descreveu Josh O’Connor, o ator que deu vida a Carlos na popular série da Netflix The Crown, citado pela GQ.

Charles In Fiji

Nas Fiji, em 1974

Se no contexto doméstico nunca se deixou levar pela efemeridade de tendências, fora de portas, em representação do seu reino, cultivou uma outra imagem icónica. Carlos vai ao Texas? Veste-se como um legítimo texano. Receita idêntica foi seguida em inúmeros outros destinos ao longo dos anos, da Arábia Saudita ao Afeganistão, com o então príncipe a protagonizar não raras vezes muitos momentos caricatos. Para a história passam imagens de Carlos com turbantes, inesperados acessórios com penas na cabeça ou chapéus de cowboy — como aquele registo saído dos anos 70, no Canadá, quando elegeu um fato rosa milennial.

A relação com o vestuário, e respetivos códigos, manifestou-se ainda em mais um passo inédito quando pensamos num elemento destacado da família real. Em 2020, o conhecido ambientalista Carlos lançaria a sua própria coleção cápsula de roupa, naquela que foi uma colaboração entre a sua fundação e o retalhista online YOOX. Trendsetter? Talvez não tanto. “O príncipe Carlos esteve sempre naquela fronteira entre o hype e ser quadrado”, descreveu Patrick Grant, da Norton & Co, no artigo da bíblia do bom gosto The Rake que resume as lições de estilo do agora monarca. “O Príncipe Carlos não é um trendsetter, já que não vemos outros homens a imitar o seu estilo. […] Ele ainda usa o tipo de roupa que o seu pai, o Duque de Edimburgo, usava, assim como os outros membros masculinos da Família Real: inteligente, convencional e apropriado para o seu papel e fase na vida, mas acima de tudo o melhor que os alfaiates britânicos podem produzir.”, sentencia o biógrafo real Hugo Vickers.