Tudo terá começado em Fujian. Depois de ter surgido num relatório do Conselho de Estado chinês por ser um importante berço de “criminosos que vão para fora do país por fraude”, esta província situada nas montanhas no sudeste chinês, famosa pelas cidades costeiras voltadas para Taiwan, foi palco de uma conferência para lançar uma operação de “combate aos mafiosos e vigaristas que vão para fora da área de onde são”.

Todas as autoridades da província de Fujian receberam ordens para levarem a cabo cinco medidas contra quaisquer suspeitos de cometerem fraudes na China: demolir as suas propriedades construídas com dinheiro ilícito (e tentar recuperar esse dinheiro), impedir os seus filhos de frequentarem a escola, confiscar todos os passaportes e suspender quaisquer seguros de saúde dos visados, banir os mesmos de utilizar transportes públicos ou de se instalarem em hotéis e impedir o seu acesso a candidaturas para subsídios.

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Nem as críticas tecidas internamente a este pacote de cinco medidas, que deveria ser aplicado mesmo que os casos de fraude não tivessem sido ainda completamente comprovados pela justiça, e os processos transitado em julgado, travaram depois o segundo capítulo desta operação: a perseguição aos suspeitos de fraude e as fraudes em telecomunicações no estrangeiro. O Conselho de Segurança Público chinês ter-se-á unido a equipas de propagandistas e às chefias policiais e distribuído 70 operacionais por brigadas espalhadas por todo o mundo para “persuadir” chineses emigrantes a regressarem ao país de origem a fim de serem julgados. E Portugal terá sido um dos destinos dessas brigadas.

É isto que alega o relatório que o deputado João Cotrim de Figueiredo, presidente da Iniciativa Liberal, apresentou esta quinta-feira no debate bimensal no Parlamento. O documento, publicado este mês de setembro, foi redigido pela organização não-governamental (ONG) Safeguard Defenders, sediada em Madrid, e descreve aquela que é também é chamada “Operação 110 Overseas” — assim batizada por Pequim, porque “110” é o número de emergência nacional na China. Segundo a descrição da ONG, Portugal terá três desta brigadas informais chinesas, em Lisboa, no Porto e na Madeira.

Os três métodos das brigadas

A retirada dos cidadãos chineses e o seu regresso à China será feito à margem da atividade das autoridades oficiais dos países onde estas brigadas funcionam, afirma o relatório. Para isso, a China terá instituído “estações de serviço policiais além-fronteiras” para detetar esses cidadãos e intimidá-los a regressar ao país, para enfrentarem as acusações que lhes são apontadas. As “estações de serviço” serão implementadas com o apoio de associações com ligações ao Partido Comunista Chinês no estrangeiro e serão geridas na prática pelas autoridades policiais de duas cidades: Fuzhou e Qingtian.

O relatório especifica que as brigadas informais sediadas no Porto e na Madeira estarão sob controlo da polícia de Fuzhou, enquanto a “estação de serviço” em Lisboa será gerida pelas autoridades em Qingtian. Mas não fornece a localização exata destas estações de serviço, nem avança quantos dos 230 mil chineses no estrangeiro intimidados a regressar ao país à luz desta operação, para enfrentarem julgamentos por suspeitas de fraude e de fraude em telecomunicações, terão sido intercetados em Portugal. O número total terá sido avançado pelo vice-ministro da Segurança Pública, Du Hangwei, a 14 de abril deste ano.

Os agentes destas brigadas, segundo a descrição do relatório, têm três modos de atuação. O mais comum é identificarem os familiares das vítimas e assediá-los ou mesmo detê-los para que pressionem os alvos a regressar à China. O segundo passa por abordar diretamente as vítimas, ora presencialmente, ora através das redes sociais (e muitas vezes em anonimato e sem se identificarem como membros ao serviço do governo chinês) e ameaçá-las para que regressem “voluntariamente” ao país. O terceiro, mais violento, passa pelo rapto, mas a organização não tem registo de qualquer caso de “persuasão para regressar” — assim lhe chamam as brigadas —  através desta estratégia.

Além de Portugal, a organização não-governamental já identificou brigadas chinesas em busca de cidadãos para extraditar de modo ilícito noutros 15 países europeus: Irlanda (1), Países Baixos (2), Rep. Checa (2), Hungria (2), Eslováquia (1), Alemanha (1), Itália (4), França (3), Espanha (9), Reino Unido (3), Grécia (1), Suécia (1), Áustria (1), Ucrânia (1) e Sérvia (1). Muitas destas brigadas estão associadas ao Departamento de Trabalho da Frente Unida, uma organização de lobby ao serviço do Comité Central do Partido Comunista Chinês.

Mas não é assim em todos os casos. “As associações de cidades no exterior, embora muitas vezes forneçam serviços genuínos à comunidade, agora foram dominadas pelas organizações da Frente Unida, que buscam controlar cada vez mais a diáspora chinesa”, acusa a ONG. Em troca desta fidelidade, os líderes de associações locais são recompensados ​​com encontros com funcionários do partido, adesão a eventos exclusivos e nomeações para cargos dentro do PCC — desde que perpetuem a propaganda de Pequim e apoiem, por exemplo, o controlo de Taiwan.

Fora da Europa, as autoridades chinesas dizem ter identificado também nove países, agora considerados “proibidos”, onde esse tipo de crimes é cometido com mais incidência: Turquia, Emirados Árabes Unidos, Myanmar, Tailândia, Malásia, Laos, Camboja, Filipinas e Indonésia. Os chineses que não têm “necessidade estrita” ou “razão de emergência” para viajar ou permanecer nestes países devem regressar à China “o mais rapidamente possível”.