Aaaaah, o primeiro amor. Por mais anos que passem, ninguém esquece. E quando, décadas mais tarde, esse antigo amor da adolescência nos convida para tomar um copo e rememorar os velhos tempos, a experiência pode ser uma de duas: um grande balde de água fria, ao descobrirmos que o Rúben Miguel agora é barrigudo e ainda se veste como quando tinha 14 anos; ou uma noite que nos deixa de sorriso no rosto por nos termos voltado a sentir vivos como não acontecia há muito tempo.
A chegada ao concerto dos Backstreet Boys — o antigo primeiro amor que já leva 29 anos de existência e que continua a prometer que está aí para as curvas —, marcado para esta segunda-feira na Altice Arena, não prometia o segundo cenário. A abertura, assegurada pelo nativo de Las Vegas de estonteante nome KnowleDJ, pareceu um regresso ao liceu marcado pelas características mais embaraçosas.
Os presentes, na sua maioria trintões e quarentões (entre os quais se inclui a autora deste texto), pareciam sedentos de um regresso à juventude, mesmo que por apenas algumas horas. KnowleDJ, acompanhado de duas bailarinas em azul brilhante integral, começou a farra perguntando “Good evening, Lisboa! Who’s ready to party tonight?”. Mas quando seguiu para a música e atirou o hit “Danza Kuduro”, de Don Omar, seguido de “Pepas” de Farruko (“En la discotecaaaa” talvez ajude a identificar), pensámos por momentos: este regresso ao passado pode ter sido má ideia.
Era tudo, porém, falso alarme. O DJ rapidamente corrigiu o tom e seguiu-se êxito atrás de êxito para alegrar as gerações que cresceram nas décadas de 1990 e 2000: “Wannabe” (Spice Girls), “Baby, one more time” (Britney Spears), passando por “Mambo Nº5” (Lou Bega) e “Barbie Girl” (Aqua), tudo receita de sucesso calibrada para o público-alvo que fazia a multidão vibrar. “Afinal, talvez esta noite possa ser apenas divertida”, pensámos, sem depositar demasiada expectativa no ex do liceu, mas assumindo que ele ainda é capaz de nos fazer rir como antes.
Eis que, menos de uma hora depois, ele chega e vem com tudo. No ecrã gigante, os nomes dos álbuns dos Boys aparecem em letras douradas: Backstreet’s Back, Millenium, Black & Blue e por aí fora. Depois, é a vez de Brian, Kevin, Howie, Nick e AJ, os cinco rapazes que se conheceram e juntaram na Florida, aparecerem um a um no ecrã gigante, com fatos negros futuristas como se fossem super heróis. Por momentos, o coração pára: será que com o tempo passámos a achá-los… Foleiros? Terão os Backstreet Boys ficado presos no início da década de 2000, enquanto nós avançámos para coisas melhores?
A dúvida permanece ao longo das duas primeiras canções, mas basta AJ McLean começar a entoar os primeiros versos de “The Call” para voltar a nascer aquele sorriso que só aparece quando alguém nos conta uma piada privada dos tempos do passado. É o primeiro momento alto do concerto, como se vê pelo entusiasmo no final — nunca expressado em palmas, antes em gritos intensos da multidão, na maioria feminina (com exceção de uns quantos namorados claramente arrastados para ali). Brian Littrell agradece e, entre vários “Obrigado” a Lisboa e Portugal, finge que limpa uma lágrima, provocando nova onda de gritos.
Seguem-se outros momentos altos como em “Get Down”, acompanhados de coreografia com movimentos pélvicos intensos, e a multidão parece estar com o entusiasmo em ponto de caramelo. Aquando da primeira balada, protagonizada por Howie Dorough (“Chateau”), uma mulher ao nosso lado lança um atrevido pedido: “Trinca-me o pescoço!” Não recebe tanto, mas é brindada com a famosa “Show Me the Meaning of Being Lonely”. O que, para uma fã de Backstreet Boys, não é coisa pouca.
Parabéns pelos 51 anos de Kevin, boxers atirados à multidão e a máquina que prova porque os Backstreet Boys são mais do que uma boyband
Foi um daqueles momentos que nos faz recordar porque é que ouvíamos aqueles discos em loop, tentando decorar as letras que saíam na revista Bravo, enquanto mordiscávamos distraidamente uma madeixa de cabelo ou tentávamos espremer uma borbulha do acne que teimava em não desaparecer. “Não consigo acreditar no que os meus olhos veem. Isto é real?”, pergunta Nick Carter, lembrando que a boyband norte-americana está à beira de completar 30 anos perante uma Altice Arena quase esgotada.
Olhando para ele, percebemos que se passaram três décadas — mas, quando abre a boca para cantar, o timbre agudo parece o mesmo dos tempos de pré-adolescente, da mesma maneira que se mantêm inalterados a ginga de AJ e o maxilar firme de Brian. Eles já não são os mesmos, mas ainda são os mesmos, como comprovam as coreografias ensaiadas ao milímetro, as vozes afinadas e até as muitas mudanças de roupa ao longo do espetáculo (já vamos em três, se a memória não nos falha). “Acho que conhecem esta canção”, avisa Brian em modo mestre de cerimónias, antes de tocarem os primeiros acordes de “Shape of My Heart”. “Baby, please try to forgive me”, implora ele com a sua voz delicodoce e lá vamos nós outra vez, como se tivéssemos voltado a ter 14 anos e as pernas nos tremessem quando ele nos dirige a palavra.
Já não há volta a dar. Depois daquele momento, aceitamos tudo. Rimos nervosamente quando AJ termina uma canção fazendo o sinal de rock’n’roll com a mão, embora isto seja pop puro, porque voltámos a achá-lo tremendamente cool. Cantamos a plenos pulmões os parabéns a Kevin Richardson, que festeja o aniversário em palco com direito a bolo e tudo, muito embora ele esteja a assinalar uns respeitáveis 51 anos. E por momentos até consideramos correr para mais perto do palco quando ele e AJ trocam de roupa atrás de uns biombos (“Estamos demasiado velhos para isto”, desabafa Kevin, antes de entrar no jogo obviamente previamente encenado) e atiram a roupa interior para as fãs, para “retribuir o favor” que têm recebido ao longo dos anos.
Mais do que isso: cantamos a plenos pulmões a balada alegre “Quit Playing Games (With My Heart)” (como esquecer aquele videoclip num campo de basquetebol?) e o clássico “As Long as You Love Me”. Não somos os únicos: muitos dos homens que se sentiram a mais aquando da troca de roupa em palco já esqueceram por momentos os ciúmes e juntam-se ao coro que berra não querer saber quem é a moça, de onde ela é ou o que fez, desde que ela os ame.
O single “No Place”, do último álbum DNA, é tolerado por uma multidão sedenta dos antigos sucessos por ser acompanhado de um vídeo dos boys com as respetivas famílias — e talvez agora, por instantes, sejam as mulheres que se sentem aqui a mais. “Esta é uma música sobre a família”, explica Kevin. “Vejo que alguns de vocês trouxeram os mais pequenos, temos aqui três gerações. Obrigada por fazerem parte da nossa família”. Sim, os Backstreet Boys ainda cantam e dançam como antes, mas querem provar-nos que amadureceram.
“Somos a única boy band que nunca parou”, acrescenta AJ, fazendo aspas invisíveis em torno do termo boy band, como quem tenta indicar que são muito mais do que isso. O volume a que sobem os gritos parece indiciar, contudo, que a sala está cheia de adolescentes, mas elas contam-se pelos dedos das mãos. E basta olhar em volta para ver todos os presentes a viver o momento — até o homem feito de 50 anos que veio acompanhar a mulher e que há pouco dizia “Eu odiava essa porra quando tinha 16 anos!” não consegue resistir a um beijo apaixonado ao som de “Don’t Wanna Lose You Now”.
Também não resiste ao grave que anuncia “Everybody”. “Mas há alguém que tenha a coragem de não dançar isto?”, interrogamo-nos. É a máquina do showbizz americano no seu melhor: a batida infalível dos melhores produtores, harmonias afinadas de cinco cantores, um refrão que todos conseguem acompanhar e até uma frase com coreografia provocante (mas inocente qb) a acompanhar, quando os boys nos perguntam “Am I sexual?”. Segue-se o crescendo e o drop em que todos saltam. O ambiente de festa continua com “We’ve Got It Goin’ On” e já não há pés no chão da Altice Arena, as inibições ficaram todas à porta e os quarentões dançam como se tivessem 16 anos outra vez. Ou, talvez, como nunca dançaram aos 16.
O final do momento mais frenético dá-se com “The One” e acabamos todos a prometer que seremos “A Tal” enquanto confessamos, sem margem para dúvidas, que sim, são eles a boy band, a única que interessa, a única que não esqueceremos como fizemos com praticamente todos os sucessos de uns tais ‘N SYNC, Boyzone e Westlife que vieram depois, mas nunca nos encheram as medidas como estes.
Tudo termina exatamente como deve ser. A balada icónica “I Want It That Way” é cantada pelo grupo vestido de branco, como na capa do icónico Millenium e em tantas outras vezes que suspirámos por eles com as camisolas de alças que nunca mais deixámos nenhum outro usar à nossa frente. O momento parece ser final, mas é claro que há encore (e com direito a mudança de roupa em velocidade supersónica). “Don’t Go Breaking My Heart” faz a transição perfeita para terminar com o hino “Larger Than Life” e encerrar com a impressão de que não se está a cantar apenas uma cantiga de amor, mas algo mais do que isso.
Foi 1h50 de espetáculo, cronometrada ao pormenor, sem um detalhe fora do lugar. Saímos com a sensação de que vimos uma máquina bem oleada a repetir o espetáculo que monta todas as noites para outros.
Mas é como quando voltamos a encontrar aquele ex-namorado da adolescência e, em vez de um balde de água fria, corre tudo bem. Quando ele faz aquele sorriso maroto que o deixa de covinha na bochecha (e a nós com borboletas na barriga) e nos canta ao ouvido “No matter the distance, I want you to know you’re deep down inside of me” sabemos que naquele momento — pelo menos naquele momento — não queríamos estar em mais nenhum outro lugar. Seja com 14, 32 ou 44 anos.