O Prémio Nobel da Paz foi atribuído ao ativista bielorrusso Ales Bialiatski; e a duas organizações: Memorial, uma organização de direitos humanos russa, e ao Centro pelas Liberdades Civis, uma organização ucraniana. A decisão do Comité Nobel Norueguês, composto por cinco membros nomeados pelo Parlamento da Noruega, foi anunciada esta sexta-feira, 7 de outubro, por volta das 10h de Lisboa, numa cerimónia em Oslo.

O Comité do Nobel considerou que estes laureados “representam a sociedade civil nos seus países de origem“: “Por muitos anos promoveram o direito a criticar o poder e proteger os direitos fundamentais dos cidadãos. Fizeram esforços excecionais para documentar crimes de guerra, abusos de direitos humanos e abusos de poder. Juntos demonstram o significado da sociedade civil para a paz e democracia”.

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Ales Bialiatski está preso desde julho de 2021 acusado de evasão fiscal pelo regime bielorrusso, aliado do Presidente russo Vladimir Putin. Fundou em 1996 a organização Viasna (que significa “Primavera”), que documentou e protestou contra o uso da tortura pelas autoridades contra presos políticos.

“As autoridades governamentais tentaram repetidamente silenciar Ales Bialiatski“, sublinhou o comité do Nobel: “Desde 2020, ele ainda está detido sem julgamento. Apesar das enormes dificuldades pessoais, Bialiatski não cedeu um centímetro na sua luta pelos direitos humanos e pela democracia na Bielorrússia”.

Enquanto resistem, não esperam surpresas

O Nobel da Paz também foi atribuído à organização Memorial, criado em 1987 por ativistas de direitos humanos da antiga União Soviética para conservar a memória das vítimas da opressão do regime comunista — porque defende que “enfrentar crimes passados é essencial para prevenir novos”.

A organização também combate o militarismo, promove os direitos humanos e defende um governo baseado em Estado de Direito. Durante a guerra na Chechénia, a Memorial “reuniu e verificou informações sobre abusos e crimes de guerra perpetrados contra a população por forças russas e pró-russas”. Natalia Estemirova, líder da Memorial naquela região, foi morta em 2009 por causa desses esforços.

O Centro para as Liberdades Civis tem por missão promover os direitos humanos e a democracia na Ucrânia; e “tomou posição para fortalecer a sociedade civil ucraniana e pressionar as autoridades para tornar a Ucrânia uma democracia de pleno direito”, destaca o comité do Nobel.

Desde que a Rússia invadiu o país, iniciando a guerra na Ucrânia, o Centro para as Liberdades Civis tem estado a documentar potenciais provas de crimes de guerra cometidos por russos contra a população ucraniana. “O centro está a desempenhar um papel pioneiro na responsabilização dos culpados pelos seus crimes”, considerou o comité.

Prémio de quase um milhão de euros será dividido entre os três vencedores

O Prémio Nobel da Paz de 2021 tinha sido entregue a Maria Ressa e a Dmitry Andreyevich Muratov “pelos seus esforços para salvaguardar a liberdade de expressão, que é uma pré-condição para a democracia e a paz duradoura”. Maria Ressa fundou o site Rappler, cujas investigações expuseram casos de abuso de poder, violência e autoritarismo do Presidente tailandês Rodrigo Duterte. Dmitry Muratov fundou o Novaya Gazeta, que denunciou esquemas de corrupção, fraude eleitoral e violações dos direitos humanos por autoridades russas.

Além de uma medalha desenhada pelo escultor norueguês Gustav Vigeland, gravada com uma imagem de Alfred Nobel, e de um requintado diploma criado por artistas suecos e noruegueses, os laureados com o Prémio Nobel (incluindo o da Paz) ganham um total de 10 milhões de coroas suecas, o equivalente a quase 917 mil euros. Se o prémio for atribuído a mais do que uma pessoa, o valor é distribuído por todas, num total máximo de três pessoas.

Nobel entregue em clima de polémica com laureado acusado de abuso de menores

A atribuição do Nobel da Paz este ano acontece numa altura em que um dos 137 laureados desde 1901 está envolvido numa polémica de abuso sexual de menores que estavam ao cuidado da Igreja Católica. Carlos Filipe Ximenes Belo, que dividiu o Nobel com José Ramos-Horta em 1996 “pelo seu trabalho para uma solução justa e pacífica para o conflito em Timor-Leste”, é acusado de ter abusado sexualmente de crianças num orfanato na província moçambicana da Zambézia quando era administrador apostólico de Díli.

Questionado sobre se o Prémio Nobel da Paz seria retirada a Ximenes Belo, Olav Njølstad, diretor do Instituto Nobel norueguês, garantiu que não: “Está fora do âmbito de competências do Comité retirar um prémio uma vez atribuído. Os estatutos da Fundação Nobel excluem esta opção”, respondeu ao Observador. E prosseguiu: “O Comité muito raramente comenta o que um laureado com o prémio da Paz pode fazer ou dizer nos anos após receber o prémio ou sobre o que um laureado pode ter feito no passado, sem relação com o seu esforço premiado”.

A posição está em concordância com uma explicação exposta numa página de Perguntas e Respostas no site oficial do Prémio Nobel. Na questão sobre como responde a críticas tecidas aos laureados com o Nobel da Paz depois de terem sigo galardoados, o Comité Nobel Norueguês admite que “tenta seguir isso atentamente, às vezes com grande preocupação”. Mas não comenta o que os Nobel fazem ou dizem depois de receberem o prémio “por uma questão de princípio”: “O mandato do Comité restringe-se a avaliar o trabalho e os esforços dos candidatos indicados até o momento em que se decide quem receberá o Prémio Nobel da Paz de um determinado ano”.

O ponto número 10 do Estatuto da Fundação Nobel diz mesmo que “nenhum recurso pode ser feito contra a decisão de um organismo de atribuição de prémios no que diz respeito à atribuição de um prémio”, continua o site oficial do Prémio Nobel. E é assim porque o testamento de Alfred Nobel, o filantropo sueco cuja fortuna levou à criação deste galardão, não faz qualquer referência à possibilidade de revogar um Prémio Nobel.

No entanto, uma pessoa recusou recebê-lo: Le Duc Tho, político vietnamita que foi laureado com o secretário de Estado norte-americano Henry Kissinger em 1973 por causa dos esforços de negociação por um acordo de paz no Vietname. Nesse ano, o conflito entre Vietname do Norte e Vietname do Sul (apoiado pelos Estados Unidos) ainda decorria e só veio a terminar em 1975. Le Duc Tho argumentou que recusaria o prémio porque a paz ainda não tinha sido conquistada.