Marcelo Rebelo de Sousa não ficou surpreendido com o número de queixas que chegaram à Comissão Independente que investiga os abusos sexuais, nomeadamente por não haver um “limite de tempo para as queixas”.
“Haver 400 casos não me parece particularmente elevado porque noutros países com horizontes [temporais de investigação] mais pequenos houve milhares de casos”, referiu o Presidente da República, frisando que estamos perante um “universo de milhões” que contactaram com a instituição ao longo de sete, oito ou nove décadas.
Nesse seguimento, o chefe de Estado realçou que “nunca se é manchado quando se pretende apurar a verdade”, pelo facto de a “democracia ganhar sempre com exercício da verdade” e por ser possível tirar consequências: “Obriga as instituições a reverem-se. Todas as instituições que tenham comportamentos que se venham a provar criminosos estão obrigadas a fazer uma revisão de vida.”
Em julho, Marcelo Rebelo de Sousa comentou (como “pessoa” e não como “Presidente da República”) a notícia então avançada pelo Observador sobre a ocultação de crimes de abusos na igreja pelo anterior e atual cardeal patriarca de Lisboa, D. José Policarpo e D. Manuel Clemente, respetivamente, rejeitando a possibilidade de estes terem escondido da justiça os crimes.
Aquilo que eu posso dizer — e nem é como Presidente da República, é como pessoa — é que o juízo que formulo sobre as pessoas (e não os elementos da hierarquia católica) D. José Policarpo e D. Manuel Clemente é que não vejo em nenhum deles nenhuma razão para considerar que pudessem ter querido ocultar da justiça a prática de um crime“, disse na altura.
As declarações de Marcelo valeram-lhe várias críticas e forçaram o Presidente da República a dar um sinal de inequívoco apoio ao trabalho da Comissão Independente, reunindo com a equipa de Pedro Strecht, no Palácio de Belém.
Esta terça-feira, a Comissão Independente revelou que recolheu, desde 10 de janeiro, 424 testemunhos de abuso sexual por elementos do clero, oito dos quais vindos das comissões diocesanas (criadas antes da comissão que investiga os abusos sexuais na Igreja).
“O número de vítimas será muito maior”, avisou o pedopsiaquitra Pedro Strecht, que lidera a comissão, notando que a maior parte das situações se encontra prescrita.