A ministra da Justiça salientou esta quarta-feira o “cunho humanista” do Código Penal de 1982, em que “a pessoa passaria a ser entendida como a pedra angular do sistema”, assumindo-se como “guardiã” destes princípios basilares com reflexo na Constituição.
Segundo Catarina Sarmento e Castro, no CP de 1982, inspirado nos ideais democráticos pós-25 de abril, o cunho humanista materializa-se “num regime de penas assente na diferenciação entre penas principais, substitutivas e acessórias, que exclui a automaticidade das penas e que consagra limites de pena inferiores àqueles que constavam no Código Penal anterior”.
“O seu humanismo também está presente na diferenciação de regimes aplicáveis a imputáveis e inimputáveis e, reflexamente (…) no regime especial previsto para jovens com idades entre os 16 e os 21 anos”, realçou Catarina Sarmento e Castro na sessão de abertura de um colóquio cmemorativo dos 40 anos do Código Penal (CP) decorre na Universidade Lusófona, em Lisboa.
Para a ministra, professora catedrática de Direito e ex-juíza do Tribunal Constitucional, com o CP de 1982 reconhece-se que o regime penal deve conter reações diferentes, assentes no princípio da culpa, e ainda, no caso dos mais jovens, em função da idade dos agentes.
Por outro lado, observou Catarina Sarmento e Castro, “a ordem sistemática de tutela dos jurídicos que passou a vigorar na Parte Especial do CP (de 1982) reflete o caráter liberal do sistema, que parte da pessoa e dos crimes praticados contra ela, depois contra o património, contra a vida em sociedade, contra o Estado e, por fim, desde 2014, contra animais de companhia”.
Volvidos 40 anos, a ministra reconhece que “Portugal mudou muito”, tendo o CP acompanhado “esses ventos de mudança”, pois já foi objeto de 55 alterações.
Assim, disse, “o CP acompanhou novas orientações de política criminal, conferindo, por exemplo, ao crime de violência doméstica natureza pública, assumindo que o flagelo desta forma de crime, que estatisticamente agride mais as mulheres, deve merecer resposta institucional musculada, não se compadecendo com a desistência do procedimento criminal pela vítima, em geral subjugada à força física e psicológica do agressor”.
Além disso, enumerou ainda Catarina Sarmento e Castro, o CP também acolheu orientações provindas de instrumentos internacionais, como as da Convenção de Istambul, que conduziu em 2015 à tipificação expressa do crime de mutilação genital feminina.
O CP acolheu também as regras impostas pela Convenção do Conselho da Europa contra o Tráfico de Órgãos Humanos, o que levou, em 2019, ao aditamento de um novo artigo que tipifica o tráfico de órgãos humanos como crime.
“O CP que, como muitos afirmaram, nasceu à frente do seu tempo, não se acomodou e atualizou-se sempre”, disse a ministra, manifestando a convicção de que, volvidos 40 anos, o CP “não cederá perante ímpetos legiferantes que emergem de orientações securitárias, que visam aumentar dramaticamente as penas até ao limiar da perpetuidade, como fazia o CP de 1852/1886”.
Volvidos 40 anos, Catarina Sarmento e Castro considera que se exige uma reflexão sobre como cumprir as obrigações internacionais em matéria penal e que “se pondere sobre como responder mais eficazmente a fenómenos como o discurso do ódio ou o ciberbullying“.
Terminou a intervenção, dizendo que não hesitará em assumir-me como “guardiã” dos princípios basilares do CP de 1982.