As associações profissionais de militares representantes dos Oficiais, Sargentos e Praças das Forças Armadas desconhecem a existência de negociações sobre aumentos salariais, como foi anunciado esta semana pela ministra da Defesa, e exigem explicações a Helena Carreiras.

Na terça-feira, ouvida em audição regimental no parlamento, a ministra da Defesa Nacional, Helena Carreiras, anunciou que as Forças Armadas vão ter valorizações salariais “em linha com o que está a ser feito na administração pública“, negociação que ainda decorre mas que deverá ter mais impacto nas categorias mais baixas.

Questionado pela agência Lusa sobre estas declarações, o tenente-coronel António Mota, presidente da Associação de Oficiais das Forças Armadas (AOFA), disse não ter sido contactado pelo governo, estranhando as palavras da ministra.

“A senhora ministra estará a negociar com alguma entidade celestial ou se calhar com alguém lá do seu gabinete, o secretário de Estado”, ironizou.

Na opinião de António Mota, “ou a senhora ministra está completamente equivocada daquilo que está a dizer, ou a informaram mal”, insistindo que “é urgente dotar as associações profissionais de militares dos direitos de negociação coletiva e representação coletiva”.

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De igual forma, o sargento António Lima Coelho, da Associação Nacional de Sargentos (ANS) disse, em declarações à Lusa, não ter sido informado de quaisquer negociações, mostrando interesse em saber “com quem é que a senhora ministra efetivamente” tem falado.

“É muito grave que um membro do governo afirme uma coisa destas quando sabe que não está a falar a verdade. Ou então, é bom que esclareça com quem, em que âmbito e com que dimensão é que estão a decorrer as tais ditas negociações”, defendeu.

À Lusa, o cabo-mor Paulo Amaral, presidente da Associação de Praças (AP), também manifestou “estranheza e estupefação” face às declarações de Helena Carreiras.

“Não sei onde é que a senhora ministra tem essa informação ou com quem é que a senhora ministra está a negociar e seria importante ouvir da senhora ministra quais são as entidades, as instituições com quem a está a negociar a questão dos aumentos salariais”, afirmou.

No Orçamento do Estado para 2023, o Governo prevê uma despesa total consolidada para a Defesa Nacional de 2.584,9 milhões de euros, nos quais se inclui, na categoria de “despesas com pessoal” 1.147,5 milhões.

Questionado sobre estas verbas, o tenente-coronel António Mota respondeu que a AOFA ainda vai analisar mais detalhadamente o documento, mas adiantou que, a seu ver, existe um “pseudo aumento”.

Salientando que “o que interessa é o que é realmente executado”, António Mota exemplificou: “Posso dizer que há um orçamento de 20 mil para a Defesa, depois no fim executo 500. É propaganda. E, portanto, é uma vez mais isso que vai acontecer“.

Pela ANS, o sargento Lima Coelho afirmou que se trata de uma “subida fictícia”.

“E é muito preocupante quando, numa situação em que o mundo enfrenta o que enfrenta, e em que os militares são cada vez mais chamados a intervir e a participar, não ver um reconhecimento orçamental para o melhoramento da vida dos militares é algo mau, muito mau”, lamentou.

Na semana passada o Presidente da República e Comandante Supremo das Forças Armadas, Marcelo Rebelo de Sousa, considerou que o poder político tem que dar às Forças Armadas “estatuto e condições à altura” do que pede aos militares e salientou que algumas promessas ou expectativas têm demorado a concretizar-se, mas para a ANS estes avisos não estão a ser ouvidos.

Lima Coelho pede “posições mais claras e mais firmes por parte do Comandante Supremo das Forças Armadas”, sustentando que “não basta fazê-lo em cerimónias” e apelando a Marcelo que utilize a sua “magistratura de influência”.

Quanto à criação de um quadro permanente de praças no Exército e na Força Aérea (que até agora só existe na Armada), e que segundo Helena Carreiras já se encontra “em processo legislativo“, o cabo-mor Paulo Amaral classificou-a como positiva.

“Consideramos, contudo, que não será a panaceia para a questão do recrutamento enquanto não for revista a tabela salarial, enquanto não dermos mais remuneração às posições remuneratórias de entrada e consequentemente às posições acima”, salientou.

O cabo-mor não quis comentar ao detalhe as verbas destinadas à Defesa no Orçamento do Estado para 2023, sublinhando que qualquer investimento nas Forças Armadas é essencial e priorizando a valorização salarial dos militares.

Paulo Amaral mostrou-se preocupado com o facto de a Armada “perder cerca de 180 militares por ano, em média”.