No início de “Triângulo da Tristeza”, que deu a Palma de Ouro no Festival de Cannes ao sueco Ruben Östlund (a segunda após O “Quadrado”, em 2017), tudo aponta para que o realizador vá fazer ao mundo da moda o que fez ao mundo da arte contemporânea no filme anterior: passá-lo a pente fino satírico, recorrendo à comédia de embaraço e de ridicularização, com uns pozinhos de “nonsense”. Na sequência inicial, passada num “casting” de modelos masculinos para um anúncio de roupa, é dito a estes para “porem um ar sério se forem roupas caras, e cara sorridente se forem marcas populares”; logo a seguir, Östlund goza com a ordem de precedência nos lugares e nas filas da assistência a um desfile de moda.
[Veja o “trailer” de “Triângulo da Tristeza”:]
Os protagonistas de “Triângulo da Tristeza” são dois modelos, Yaya (a malograda Charlbi Dean) e Carl (Harris Dickinson), que têm uma relação algo desconfortável por causa dos “cachets” desiguais que auferem. Como Yaya é também uma “influencer” com peso nas redes sociais, o casal é convidado, com tudo pago, para um cruzeiro num luxuoso iate onde estão rodeados de gente rica, e que é comandado por um americano bêbado e marxista. Entre os passageiros estão um russo que ficou milionário no negócio do estrume, um idoso casal inglês que faz comércio de armas e explosivos, e uma alemã que teve um AVC e só consegue pronunciar uma única frase de um poema (uma variante do sujeito com Tourette de “O Quadrado”). É aqui que o filme muda de rota.
Depois de uma violenta tempestade que põe o iate em polvorosa (e que Östlund aproveita para abusar das situações grotescas com gente a vomitar e retretes a extravasar excrementos) e leva a um duelo verbal de citações anti-capitalistas e anti-comunistas entre o russo e o comandante, ambos poderosamente embriagados, o iate é atacado por piratas africanos e naufraga. Os sobreviventes vão dar a uma ilha, onde rapidamente se dá uma inversão das hierarquias. Quem passa a mandar, e a pôr e dispor em tudo, é a filipina que dirigia as empregadas da limpeza do iate, já que é ela a única que sabe fazer fogo e pescar com as mãos. A situação cedo leva a que o pior e mais lamentável da natureza humana se manifeste.
[Veja uma entrevista com o realizador:]
Ruben Östlund quis que “Triângulo da Tristeza” (uma expressão do mundo da moda que é explicada logo no começo da fita) fosse uma sátira ácida e niilista não apenas ao mundo dos ricos, belos e ociosos, mas também ao comportamento humano, independentemente da posição social, do aspeto físico, da idade e da raça das personagens, visto como que através de um espelho deformador semelhante aos das feiras. Só que aqui, o realizador tem a mão muito mais pesada, o traço menos subtil e a pontaria mordaz menos afinada do que em “O Quadrado”, e para uma situação certeira e um “gag” bem apanhado, há duas ou três óbvias ou básicas demais.
“Triângulo da Tristeza” é um pim-pam-pum desigual, que parece conter um trio de filmes diferentes, dois que ficam por desenvolver e acabam “pendurados” – um passado no mundo da moda e outro sobre um casal de modelos neuróticos – e outro ainda ambientado num iate e no qual o realizador apostou. Tudo considerado, digamos que é um filme onde Ruben Östlund acerta no alvo mais vezes do que falha, mas mesmo à justa.