Ana Hormigo, treinadora da seleção nacional de judo, terá sido despedida esta segunda-feira pela Federação Portuguesa através de um email. A notícia foi revelada por Telma Monteiro, que numa longa publicação nas redes sociais afirmou ainda que o presidente da Federação tem ameaçado levar a tribunal os atletas que o criticaram publicamente numa carta aberta, em agosto.
“Quando me perguntam como vão as coisas com a Federação… Vão assim: amanhã vou viajar para a competição, a minha primeira depois da cirurgia ao joelho. Hoje a Federação despediu a treinador Ana Hormigo, por email, no dia antes de a equipa viajar! Sem a equipa ou a própria saber de forma antecipada. Em semana de competição de apuramento olímpico”, começou por escrever a judoca. “Ontem, em Assembleia da Federação, soube que o presidente informou os presentes que os atletas que escreveram a carta aberta há uns meses terão esta semana para se retratarem ou serão levados a tribunal”, acrescentou Telma Monteiro.
Mais à frente, a atleta que foi medalha de bronze nos Jogos Olímpicos do Rio denunciou o facto de não receber qualquer apoio financeiro por parte da Federação há meses. “Sábado, na reunião de planeamento, os treinadores foram informados de que, como outros atletas, já não termos verba do projeto olímpico, gerido pela Federação, para realizar o planeamento que tínhamos feito. De salientar que não compito nem faço estágios desde julho! E que este ano não fiz mais, pelo contrário, fiz menos do que é normal fazer!”, atirou a judoca.
“Este ano, já paguei para realizar estágios internacionais, paguei despesas relativas à minha cirurgia (!!), despesas que o seguro que a Federação me mandou acionar não cobriu (mandei um email há uma semana sobre o assunto, não me responderam), e agora, pelo que percebi, se quiser cumprir o meu plano desportivo por inteiro vou ter de pagar também”, acrescentou a atleta do Benfica, que prosseguiu com as críticas ao organismo que regula o judo português. “Com ações destas, a Federação continua a demonstrar o pouco respeito que tem pelos atletas, pelas pessoas, e a demonstrar que tipo de gestão desportiva exerce. Já nem somos só nós a dizer, são as ações a demonstrar que tudo o que dizemos é verdade!!”, concluiu, deixando a garantia de que vai continuar a representar Portugal “com a mesma vontade e orgulho, mesmo que tenha de pagar para isso”.
No final da publicação, Telma Monteiro deixa ainda algumas palavras a Ana Hormigo, que desempenhava funções de selecionadora nacional feminina desde 2017. “Como atleta quero, de alguma forma, continuar a ter a tua presença nas competições e espero que as entidades responsáveis intervenham nesse sentido. Como amiga, digo-te que fico feliz que não tenhas mais de lidar diretamente com essa instituição. Que sorte a tua!”, terminou a judoca.
Entretanto, em declarações à Rádio Observador, o presidente da Federação Portuguesa de Judo rejeitou a ideia de ter despedido Ana Hormigo, ainda que confirme que a treinadora “não tem condições para continuar” e que foi encaminhada para o advogado do organismo para que a situação seja resolvida. “Após o comunicado que a Ana Hormigo fez [nas redes sociais], achámos todos nós que ela se deveria ter demitido antes. Estava a trabalhar comigo há quase seis anos e, com aquele comunicado e as atitudes que tem tido ultimamente, não nos dá confiança. Demonstrou que não tem condições para trabalhar a este nível e com estes atletas”, explicou Jorge Fernandes.
“Na minha opinião, e penso que ela deve pensar o mesmo, não há condições para ela continuar. A treinadora não fala comigo, não fala com os dirigentes e isto é intolerável. Estamos a dois anos dos Jogos e queremos arrumar a casa, mudar o que está mal e melhorar o que está bem, para podermos fazer o período de qualificação e chegar aos Jogos nas melhores condições. Não foi despedida, foi afastada para já das seleções e vamos ver como o caso se vai resolver”, acrescentou o líder da Federação, que deixou também justificações sobre as alegações de Telma Monteiro relativamente aos apoios financeiros.
“O plano da Telma era impensável, uma coisa de loucos. A Telma pedia para ir para Abu Dhabi, seguir para a Austrália para fazer um estágio e no fim de semana a seguir competir em Baku. Isto, desportivamente, era um desastre. A Telma foi das melhores atletas do mundo mas temos mais atletas, como o Jorge Fonseca, a Catarina Costa, a Bárbara Timo e mais uma série de atletas. O dinheiro não é elástico, não dá para tudo. Temos andado sempre a pedir adiantamento das verbas mas não temos o dinheiro que a Telma gostava”, terminou.
Também outras atletas olímpicas nacionais, como Bárbara Timo (que na semana passada ganhou o bronze nos Mundiais, naquele que foi o melhor resultado de Portugal em Tashkent) e Rochele Nunes, vieram não só criticar o despedimento como denunciar outras situações envolvendo a Federação de Judo.
“Uma semana após a nossa conquista da medalha de bronze no Mundial e 48 horas antes de viajar para o Grand Slam de Abu Dhabi, com os grandes retornos da Telma Monteiro e da Patrícia Sampaio, descubro que a treinadora da Seleção portuguesa foi hoje dispensada dos seus serviços para com a Seleção Nacional. Lidar com o stress da competição, os imprevistos da viagem, adversários, derrotas, até mesmo com peso e lesão é algo que custa, mas que nós atletas estamos dispostos e temos recursos para superá-los. Faz parte do jogo. Agora, o que me faz muita confusão, e que realmente não consigo tirar nenhuma conclusão benéfica, é ter que lidar com uma gestão/atitudes que fazem questão de Não Gerir. Realmente a teoria/prática não tem feito muito sentido para mim. E é desistimulante conviver nesta situação. É insustentável buscar o topo quando quem lidera quer nos pôr para baixo sempre”, escreveu Bárbara Timo numa publicação na sua conta oficial do Instagram, quase ao mesmo tempo de Telma Monteiro.
“Hoje passamos a saber do desligamento da nossa treinadora Ana Hormigo da Seleção Nacional, tal feito que foi somente informado aos atletas e treinadora por e-mail na véspera de uma viagem para a competição de apuramento olímpico. Já não é um segredo sobre a nossa luta dentro e fora dos tapetes para que tal instituição cumpra com os deveres e o que é de mais importante o código moral do judo. Sofremos cada vez mais represálias e ameaças. Dentro de tudo isso existe algo que me incomoda profundamente, o fato de não ter nascido em Portugal e me dizerem que não tenho os mesmos direitos e valor que todos os atletas, não nego a minha origem e tenho muito orgulho do país que nasci, quis o destino que Portugal me escolhesse e me acolhesse para juntos irmos atrás dos nossos objetivos, tenho muito orgulho e honra em dizer que sim faço tudo isso por Portugal e cada vez me sinto mais motivada a dar 100% por este país”, escreveu também Rochele Nunes numa publicação no Instagram.
“Para a nossa treinadora digo obrigada por inúmeras vezes lutar por nós quando muitas vezes já não tínhamos mentalidade para lidar com tanto stress, sempre a lembrar-nos pelo que lutamos e para quem lutamos, ajudando a manter o foco nos treinos e competições. Estou a regressar agora às competições e lembro que me disse na última prova ‘Tu não deves temer ninguém’ e assim farei, continuarei focada e confiando no teu trabalho!”, acrescentou ainda a atleta que voltou nos últimos Mundiais.