Na primeira troca de e-mails, Francisco Carvalho faz questão de desfazer qualquer equívoco para o objetivo da entrevista. “Não sou cientista (pelo menos em sentido estrito), nem estou a fazer investigação. A bolsa que recebi da Fundação “la Caixa” foi para realizar um mestrado em Finanças [internacionais] em Paris.”

Durante o ano de 2021, e com apenas 20 anos, Francisco estudou na melhor universidade mundial na área dos negócios, segundo o Financial Times: a Escola de Altos Estudos Comerciais de Paris ou HEC Paris (École des Hautes Études Commerciales de Paris), com o foco em private equity, o complexo mundo dos fundos de investimentos (e das empresas privadas que estes adquirem, com o objetivo de gerar um retorno financeiro através da venda posterior). É uma espécie de mundo olímpico no mundo dos investimentos, um outro campeonato.

No ensino secundário “comecei a olhar para o mundo à minha volta e a questionar os problemas sociais que observava: Isto faz sentido? Apesar de escassos, o mundo tem recursos suficientes para combater estes problemas”

“É uma indústria um pouco complicada para começar em Portugal e o facto de ter ido para Paris abriu-me imensas portas, levou-me a fazer um estágio em Londres e comecei a perceber um pouco melhor deste mundo mais corporativo.”

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O modelo de investimento por fundos de private equity — que se poderá traduzir como capital privado — foi criado nos EUA na década de 80 do século XX, e pressupõe, então, uma sociedade com um investidor que participa na administração e na gestão da empresa, ao contrário dos investimentos no mercado de capitais. “Em geral, na bolsa, o controlo da empresa é praticamente mínimo, enquanto que em private equity a participação é muito relevante, por vezes maioritária, permitindo intervir na estratégia e administração. Uma vez que o horizonte de investimento é geralmente de cinco a sete anos, permite não estar tão preocupado com a geração de lucros de curto prazo.”

Então, e o que é que Francisco Carvalho quer fazer?

Por um lado, quero ajudar a garantir um retorno, ajustado ao risco, elevado e atrativo, que garanta o sustento das famílias e instituições que confiaram o seu dinheiro a um terceiro, como é a entidade gestora do fundo de investimento, mas também canalizar esse capital para os melhores projetos.”

É nesse último aspeto que ele coloca a tónica: na expetativa de poder “fazer alguma diferença”, para canalizar os mecanismos do capitalismo mais focados na criação de mudanças que atendam as necessidades das pessoas e do planeta. “São aqueles projetos que a economia e a sociedade realmente precisam: que geram retorno financeiro, mas acima de tudo retorno societal.”

Natural de Estarreja, o jovem consultor admite que, quando era pequeno, “estava mais ligado ao mundo das artes e queria ser escritor”. “Não era nada no mundo das finanças que me imaginava, era mais numa casa num bosque a escrever um livro.”

Mas, na transição para o 10º ano, a linguagem dos números levou a melhor. “Comecei a olhar para o mundo à minha volta e a questionar os problemas sociais que observava: Isto faz sentido? Apesar de escassos, o mundo tem recursos suficientes para combater estes problemas.”

Então, Francisco quis perceber por que razão, “de um ponto de vista económico”, não se implementam determinadas soluções. “Sei que não é assim tão fácil, os problemas mudam, a realidade não é estática.” Já no terceiro ano da faculdade, um dos melhores amigos introduziu-o ao tema de private equity e um professor cativou-o, evidenciando que “o capital privado tem a capacidade de gerar inovação”. Sentiu que tinha encontrado ali uma vocação.

Francisco Carvalho acredita que o mundo das finanças está a aproximar-se cada vez mais deste modelo, embora analise com cautela o estado atual do capital privado. “Private equity tem um grande potencial de criar mudanças, mas isto não acontece muitas vezes. Não vamos fingir que o mundo é cor de rosa. Mas acho que neste momento assume uma posição extremamente relevante e se, de facto, queremos ter um mundo mais humanitário e mais verde, se não houver uma mudança neste setor, nunca vamos chegar lá.”

Para ele, o facto de o capital privado ter o poder de alterar a gestão estratégica de uma empresa e de “retransfomar o modelo de negócio das empresas” possibilita a aplicação de investimentos em áreas urgentes como a ação climática (“descarbornização”).

Fome, pobreza, falta de cuidados médicos ou alterações climáticas são problemas muito complicados, mas do ponto de vista técnico e tecnológico as soluções já existem. O problema é saber se essas soluções são economicamente razoáveis e exequíveis. Mas se existem são, por definição, possíveis”.

Antes de concorrer à bolsa de pós-graduação da Fundação “la caixa”, Francisco, filho do meio de pais advogados, licenciou-se em Economia pela Faculdade de Economia da Universidade do Porto, com média de 19 valores. Uma das melhores classificações alguma vez obtidas desde que o curso foi criado, em 1953.

Regra geral, “essa bolsa é atribuída a estudantes a partir dos 24 anos.” Ele tinha 20. Por isso, quando estava a justificar a candidatura ao júri, foi-lhe apontada a falta de experiência. Perguntaram-lhe como poderiam confiar. A forma de convencer os jurados a apostar no sonho dele “de sair fora da caixa” foi garantir que esse era “o propósito” dele, seguro do caminho a trilhar, usando como trunfo “o histórico académico”.

“O private equity tem potencial de criar mudanças, mas isto não acontece muitas vezes. Neste momento assume uma posição relevante e se, de facto, queremos ter um mundo mais humanitário e mais verde, se não houver uma mudança neste setor, nunca vamos chegar lá.”

Por isso não quer “desiludir”, para honrar o compromisso de usar a oportunidade que lhe deram “ao serviço dos outros”.  E vai mais longe: “isto é uma grande responsabilidade, porque agora tenho de ser fiel aos valores”.

“O meu propósito mais específico é fazer com que o capital vá para onde a sociedade mais precisa e tentar desbloquear as tecnologias disponíveis para resolver os problemas por que o mundo está a passar. Nem que isso signifique, por vezes, abdicar de algum retorno financeiro.” Admite que possa parecer “sonhador”, mas se é possível, então, está convicto de que vai encontrar uma forma de colocar em diálogo o capitalismo, a justiça social e a sustentabilidade.

O mestrado durou um ano. Uma das áreas que mais aprofundou foi a de energia, “uma paixão secreta”, infraestruturas, “para valorizar hospitais, centros de educação, instituições não empresariais e importantes para a sociedade” e data science, já que “o futuro e a digitalização dos dados traz muitas soluções”.

Da experiência na HEC-Paris recorda a relação da teoria com o mundo dos negócios, (“muito prática”), ou seja, de ter professores-profissionais que falaram de “problemas reais”. Por exemplo: “Tive aulas com o ex-governador do Banco Central da República da Argentina — e essa foi talvez a cadeira que mais gostei, de “Microeconomics of Crisis Economies” — o que me deu a oportunidade de conhecer as decisões de gabinete que foram tomadas e isso deixou-me impressionado”.

Francisco defendeu a tese no dia 6 de junho. “Foi tudo muito rápido. Estudei as determinantes da correlação entre ações e obrigações, isto é: o mercado público da bolsa de valores.” Como estamos a entrar num período de inflação, a hipótese da tese era: “Será que as expectativas de inflação fazem com que a correlação entre ações e obrigações que, historicamente tem sido negativa, se torne positiva?”

Francisco provou que sim. “Fiz uns algoritmos em machine learning e concluí que isso tenderia a acontecer e construí o argumento de que há muito a tentação de os governos — sobretudo dos mercados emergentes — de pagarem a própria dívida com a emissão de moeda. O problema dessa medida, atenta o jovem economista, “é que isso tem uma nova consequência, dado que, aumentando a inflação, pode aumentar a correlação entre ações e obrigações, tornando as obrigações menos atrativas e dificultando e encarecendo a emissão de nova dívida”.

“O meu propósito é fazer com que o capital vá para onde a sociedade mais precisa e tentar desbloquear as tecnologias disponíveis para resolver os problemas por que o mundo está a passar. Nem que isso signifique, por vezes, abdicar de algum retorno financeiro”

Entre junho, julho e agosto deste ano, no contexto do mestrado, Francisco estagiou numa empresa de private equity em Londres. “Procurei desenvolver trabalho no âmbito das tecnologias que possam impactar nos atuais e futuros investimentos, com destaque para aqueles que potenciem a descarbonização do seu portefólio de mais de 430 mil milhões de euros.” Trabalhou, sobretudo, em projetos de energia limpa. Analisava se fazia sentido investir em alguns desses projetos e se seriam economicamente exequíveis. Gostou da experiência, até porque “a empresa estava comprometida com a descarbonização”, assumindo o risco de que mesmo que possa haver resistência das empresas no início, é importante insistir.” Essa visão está alinhada com o seu horizonte.

Francisco Carvalho está atualmente a trabalhar numa consultora em private equity entre Lisboa e Madrid. “Estou a tornar-me a pessoa que quero ser: quero contribuir para aplicar o capital privado onde a sociedade mais precisa e desta forma desbloquear as tecnologias que respondem a problemas sociais.”

Este artigo faz parte de uma série sobre investigação científica de ponta e é uma parceria entre o Observador, a Fundação “la Caixa” e o BPI. Francisco Santos Carvalho, da Universidade do Porto, desenvolveu investigação na École des Hautes Études Commerciales de Paris (HEC) e foi um dos 120 selecionados (quatro em Portugal) – entre 1325 candidaturas internacionais – para financiamento pela fundação sediada em Barcelona, ao abrigo da edição de 2021 do Programa de Bolsas de Pós-Graduação no Estrangeiro. O investigador recebeu 27 mil euros para estudar private equity ao longo de três anos. As candidaturas para a edição de 2023 deverão abrir em novembro.