A falta de material bélico na frente de guerra e as festividades de Ano Novo que deverão ser suspensas estavam a ser discutidos na televisão estatal russa, num dos talk shows habituais sobre o conflito na Ucrânia quando o jornalista Vladimir Karpov disse uma frase inesperada: “Com a mobilização parcial mostrou, o governo borrou as calças.”
Vladimir Karpov foi imediatamente interpelado por outro comentador, o cientista político Anton Khashchenko: “[O governo] também borrou as calças na II Guerra Mundial? Deem-me pelo menos um exemplo na História em que o governo borrou as calças, como disse”. “Estou a falar de 2022, não vamos comparar”, respondeu o jornalista, que reiterou a ideia de que o Kremlin tinha sujado as calças.
A discussão foi revelada esta segunda-feira pela repórter do Daily Beast, Julia Davis, na sua conta pessoal do Twitter. Num excerto de cinco minutos, aquele não foi o único momento de tensão. Os comentadores discordavam em outros assuntos. Um deles incidia sobre as festividades de Ano Novo, sendo que vários municípios estão a pensar cancelá-los, devido aos custos da guerra.
Meanwhile in Russia: Tempers fly, as not everybody is happy with the government's failure to properly equip the troops, leading to proposals to cancel the New Year's festivities and spend the money on the military. One pundit concludes: "The government sh*t its pants." pic.twitter.com/vBAUIcsAfz
— Julia Davis (@JuliaDavisNews) October 17, 2022
Nikolay Novichkov, deputado da Duma — câmara baixa do parlamento russo —, referiu ser a favor de que as festas de Ano Novo sejam canceladas: “Não só não são necessárias como são prejudiciais”, disse no programa de televisão russo. “Acho que as festas devem ser proibidas e administrativamente punidas”, sugeriu o parlamentar, acrescentando que isso fará os cidadãos ingerirem menos bebidas alcoólicas. “Bebe-se menos e não se mostra os traços de personalidade mais negativos.”
Em resposta, Galina Mikhaleva, membro da comissão nacional do partido de centro Yabkloko, opôs-se às propostas do deputado. “Quer colocar um polícia para todas as pessoas, para assegurar que as pessoas estão sóbrias e não estão a celebrar?”, questionou, assinalando que, mesmo que não haja festas, “as pessoas vão beber na mesma”.
Noutro assunto, os comentadores debatiam os custos da mobilização parcial e o facto de as famílias dos soldados que vão para a Ucrânia estarem a adquirir botas, sacos-cama e medicamentos para equipar os familiares que são chamados a combater na Ucrânia. Alexander Yush, deputado da Duma, indicou que a Rússia está a “ficar sem material bélico”.
“O general Goremykin [um dos principais responsáveis por delinear a estratégia na frente de guerra] disse que temos o suficiente. Suficiente, o quê? Uniformes quentes e botas, talvez?”, interrogou, frisando que, “na operação militar especial, muito mais é necessário”. “Precisamos de armaduras — o que temos agora não satisfaz as necessidades, penso eu”, exemplificou.
Por sua vez, Galina Mikhaleva defendeu que as famílias não devem comprar material para a frente de guerra: “Não devemos viver como na Idade Média, em que, quando uma pessoa se estava a preparar para a guerra, tinha de comprar a sua própria cota de malha, o seu cavalo, entre outras coisas”. “Temos um enorme orçamento militar e o governo devia geri-lo”, afirmou, algo que foi rebatido por Anton Khashchenko: “O governo dá 90%, a ajuda necessária é de 10%.”
O especialista em assuntos militares, Vitali Serukanov, veio em defesa de Anton Khashchenko. “Não devemos separar o exército da restante população”, explicou, ao que Galina Mikhaleva voltou a intervir, dizendo que já “paga os seus impostos” e que não tem de suportar o custo da ofensiva na Ucrânia.