Na segunda sessão em que Rui Pinto responde às questões do coletivo de juízes, esta segunda-feira, o alegado pirata informático quis, antes de começar a explicar a parte do fundo de investimento Doyen, explicar alguns pontos que foram abordados na semana passada. “Só comecei a identificar-me como John numa entrevista que dei ao New York Times, penso que em dezembro de 2015“, explicou.

A divulgação do contrato de Jorge Jesus, quando era treinador do Benfica, também foi alvo de discussão esta manhã. O coletivo de juízes fez, por várias vezes, a mesma questão: “Qual era o interesse?”. E a resposta de Rui Pinto não foi diferente: “O nosso propósito não era única e exclusivamente mostrar irregularidades, pretendíamos mostrar também curiosidades”. “O contrato de Jorge Jesus levanta a questão da data em que foi assinado. Havia determinados pontos no contrato que eram de interesse público”, acrescentou.

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Esta é a segunda sessão em que Rui Pinto presta declarações em tribunal. Na primeira, que decorreu na semana passada, o alegado pirata informático avançou que estava a trabalhar com serviços secretos da Ucrânia, analisando imagens de satélite e de câmaras de vigilância, mas falou sobretudo sobre os momentos que deram origem ao Football Leaks. Ainda assim, mesmo assumindo que teve acesso às contas de e-mail de várias trabalhadores do Sporting, Rui Pinto sempre negou dizer quem trabalhava consigo.

“Este processo permitiu aprender umas coisas, é que o crime, mesmo com boas intenções, não compensa. Sabendo o que sei hoje, não voltaria a meter-me numa destas. A minha vida está de pernas para o ar. A minha família tem sofrido bastante”, disse Rui Pinto na passada segunda-feira, depois de descrever os episódios que viveu na prisão da Hungria, depois de ser detido naquele país.

Acessos iniciais à Doyen: “Não, não foi o arguido Rui Pinto. Eu tinha conhecimento”

O principal assunto desta segunda-feira é o acesso feito às contas do fundo de investimento Doyen. Ponto a ponto da acusação, Rui Pinto foi explicando e validando, ou não, a informação que consta na acusação. A acusação refere então que foi o alegado pirata informático quem acedeu às contas da Doyen, mas Rui Pinto negou:

“Um dos nossos amigos do Football Leaks tinha realizado uma viagem a Londres por motivos pessoais. Ficou combinado que nessa ida à Londres tentaria aceder pela rede da Doyen Capital, perto das instalações da Doyen Capital. No ultimo dia, passou a noite num hotel perto das instalações da Doyen Capital, comprou um equipamento especifico para captação de rede a longas distâncias.”

Os acessos não foram logo bem sucedidos, adiantou Rui Pinto, mas os acessos iniciais não terão sido feitos por si. Rui Pinto disse, aliás, várias vezes: “Não fui eu, meritíssima”. “Eu não tive qualquer acesso ao computador de Adam Gomes”, acrescentou. E mais: “Não, não foi o arguido Rui Pinto. Eu tinha conhecimento”.

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Não se pode exigir a um grupo de miúdo que em 15 dias, um mês analise um tipo de informação complexa. O Ministério Público deve ter plena consciência da estrutura complexa”, disse Rui Pinto. “Eu não estou aqui a dizer que o seu trabalho era fácil”, respondeu a juíza Margarida Alves.

A tentativa de extorsão à Doyen

“Inicialmente, isto começou como uma provocação”, começou por dizer Rui Pinto, sobre a tentativa de extorsão à Doyen e sobre os primeiros e-mails trocados entre o alegado pirata informático e Nélio Lucas. Aliás, sobre Nélio Lucas, Rui Pinto referiu que “Nélio Lucas era conhecido na cidade de Aveiro como a pessoa que destruiu o Beira Mar”.

“Sinto-me envergonhado por toda esta situação. Custa-me imenso ler este tipo de e-mails. Hoje em dia não me reconheço nisso. Foi uma trapalhada de todo o tamanho. Isto foi aproveitado pelos críticos para tentar reduzir os méritos do Football Leaks.”

Foi tudo uma infantilidade. Nem pensei que Nélio Lucas me responderia a este e-mail. Foi enviado um e-mail para dois endereços de e-mail. Nélio Lucas decidiu responder e as conversas foram-se desenrolando aí. As conversas foram-se desenvolvendo aí”, explicou. Nesta altura, as pessoas que trabalhavam com Rui Pinto no Football Leaks não teriam conhecimento desta troca de e-mails, adiantou.

A acusação refere que Rui Pinto pediu entre 500 mil euros e um milhão de euros a Nélio Lucas, depois de trocados alguns e-mails. O coletivo de juízes quis saber em que é que Rui Pinto se baseou para pedir esta quantia e Rui Pinto, à semelhança do que já tinha dito anteriormente, disse apenas que “a quantia é ridícula” e que “foi uma valente estupidez”. “Foi aleatoriamente. Já que Nélio Lucas me deu conversa logo no início, queria ver onde é que isto ia chegar. Foi o que me veio à cabeça naquele dia. Eu nem estava a levar aquilo tão a sério”, acrescentou.

O Futebol Clube do Porto entra então no discurso de Rui Pinto quando este tenta explicar o motivo que o levou a enviar e-mails a Nélio Lucas. “Eu tinha em mente várias coisas. Uma delas era um dia eu e Nélio Lucas termos uma conversa cara a cara. Eu iria questioná-lo acerca deste tipo de situações com o Futebol Clube do Porto. Daquilo que eu estava a ver havia claramente um desvio de dinheiro.” Como adepto do clube da cidade invicta, Rui Pinto diz sentir-se “traído”. “Como adepto portista, nem queria acreditar.”

A intervenção do advogado Aníbal Pinto

Na sequência da troca de e-mails, Rui Pinto sugeriu a Nélio Lucas “assinar um NDA”, por exemplo, num acordo detalhado “entre advogados”. Mais tarde, Nélio Lucas encontrou um advogado e, foi nessa altura, que Rui Pinto falou com o advogado Aníbal Pinto, que responde, neste processo, pelo crime de tentativa de extorsão, uma vez que terá sido o intermediário de Rui Pinto na altura da alegada tentativa de extorsão à Doyen.

“O doutor Aníbal Pinto não sabia nada de futebol”, começou por explicar. “Expliquei-lhe que era um site público que divulgava informação relativa ao mundo do futebol”, referiu. E, também nessa altura, adiantou Rui Pinto, o advogado terá alertado para a existências de possíveis ilegalidades. A propósito deste episódio, que terá envolvido Aníbal Pinto, Rui Pinto quis pedir desculpa “por toda esta situação”.

A conversa entre Nélio Lucas e Rui Pinto passou então a incluir os dois advogados — Pedro Henriques do lado de Nélio Lucas e Aníbal Pinto do lado de Rui Pinto. E, neste momento, Rui Pinto disse não ter “a devida consciência de que aquilo poderia ser um crime de extorsão”. “Hoje em dia, reconheço que aquilo pode ser enquadrado num crime de extorsão. Naquela altura, sabia desde o inicio que a Polícia Judiciária estava a investigar, mas do ponto de vista técnico sabia que nunca iam chegar a mim.”

O coletivo de juízes insistiu, várias vezes, sobre a intervenção de Aníbal Pinto neste caso e sobre o facto de a troca de e-mails entre Rui Pinto e Nélio Lucas poder configurar um crime de extorsão. “Não estava consciencializado sobre o que significava a palavra extorsão. Não sabia o que era extorsão”, disse, já no período da tarde desta sessão de julgamento.

Outro dos assuntos que se revelou um ponto de discussão foi precisamente o valor que Rui Pinto e Aníbal Pinto iriam ganhar com o contrato que o alegado pirata informático iria assinar com Nélio Lucas. O contrato seria de prestação de serviços informáticos, mas as cláusulas do contrato indicavam que Rui Pinto iria ganhar  25 mil euros por ano, ao longo de cinco anos, e o seu advogado iria ganhar 300 mil euros mais IVA. “Os valores, para mim, eram secundários”, respondeu Rui Pinto, quando a juíza Margarida Alves perguntou se achava que fazia sentido que o advogado ficasse a ganhar mais com o referido contrato.

Rui Pinto está, neste momento, a responder por 90 crimes relacionados com o acesso aos sistemas informáticos e e-mails de pessoas com ligações ao Sporting, à Federação Portuguesa de Futebol, ao fundo de investimento Doyen, à sociedade de advogados PLMJ, à Procuradoria-geral da República e à Ordem dos Advogados. Amadeu Guerra, antigo diretor do Departamento Central de Investigação e Ação Penal, José Miguel Júdice, advogado, Jorge Jesus, treinador, e Bruno de Carvalho, antigo presidente do Sporting, são alguns dos visados.