À exceção de umas breves declarações que fez logo no início do julgamento do caso Football Leaks, há mais de dois anos, esta é a primeira vez que Rui Pinto fala em tribunal. Vinte e cinco minutos depois da hora marcada para o início da sessão, às 9h55 da manhã, Rui Pinto entrou na sala do Tribunal Criminal de Lisboa.

Antes de começar a falar, um dos advogados de Rui Pinto, Francisco Teixeira da Mota, anunciou que Rui Pinto “foi constituído de novo arguido”, num outro processo, também relacionado com o Football Leaks, na passada sexta-feira. “O processo em causa foi aberto há três anos”, acrescentou.

Só esta sexta-feira, é que foi constituído arguido, apesar de, pelo menos desde 2019, o Ministério Público ter conhecimento destes factos“, disse o advogado, acrescentando que este processo impede Rui Pinto “de retomar uma vida normal”.

Logo no início da sessão, Rui Pinto disse querer começar então a responder às perguntas da juíza Margarida Alves e começou por explicar em que contexto arrendou o quarto quando esteve na Hungria. No entanto, Rui Pinto fez questão de sublinhar: “Estas minhas declarações contradizem bastante aquilo que eu disse no primeiro interrogatório”.

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E justificou: “Todo o processo de extradição foi penoso, foi complexo. Deixou-me um pouco fragilizado. As prisões húngaras são das piores, com condições verdadeiramente desumanas. Só podia tomar banho três vezes por semana”.

Na primeira semana em que estive nesse estabelecimento prisional, as coisas pareciam estar a correr bem, mas chegou a uma altura que me levaram para outra cela. Não tive problema nenhum com eles (reclusos), mas o comportamento dos guardas prisionais afetou-me por completo. Houve episódio caricatos. Logo no dia seguinte à minha mudança para essa cela, houve rusgas sistemáticas, a retirada de todos os pertences para o exterior. Eu perguntei aos outros reclusos e eles disseram que nunca tinha acontecido.”

Este julgamento começou em setembro de 2020 e as sessões foram esta segunda-feira retomadas, depois do período de férias judiciais e também depois de Rui Pinto ter concluído a análise dos emails encontrados num dos discos externos que foram apreendidos pelas autoridades na Hungria — consulta esta que decorreu nas instalações da Polícia Judiciária e que foi supervisionada. A sessão será retomada na próxima segunda-feira.

O início do Football Leaks

Logo depois, o alegado pirata informático explicou como é que surgiu a ideia de criar o Football Leaks. “Precisávamos de ter acesso a muita informação. Olhando para o secretismo à volta do futebol, é praticamente impossível arranjar informação em fontes abertas, não vemos grandes detalhes. Foram saindo algumas investigações jornalísticas e por aí já sei percebi o que estava na génese desses fundos. Os clubes de futebol estavam a ficar descapitalizados, sem dinheiro.”

“Não me recordo de alguma vez ter utilizado este programa”, foi dizendo Rui Pinto, à medida que analisava os vários pontos da acusação. Questionado pela juíza sobre o critério de escolha das empresas a cujos dados Rui Pinto acedeu, o alegado pirata informático sublinhou: “Pelo menos no meu caso, das entidades que foram acedidas, não houve nenhuma entidade que não tivesse indícios fortes de cometimento de crimes.”

Foi revelada muita informação que de outra forma não seria conhecida. Este processo permitiu aprender uma coisas, é que o crime, mesmo com boas intenções, não compensa. Sabendo o que sei hoje, não voltaria a meter-me numa destas. A minha vida está de pernas para o ar. A minha família tem sofrido bastante.”

Neste momento, além de colaborar com as autoridades francesas, Rui Pinto adiantou ainda que está, “em conjunto com alguns amigos”, a ajudar os serviços secretos ucranianos. “Temos entregue alguma informação aos serviços secretos ucranianos, temos feito análise de imagens de satélite, de câmaras de vigilância, onde vemos movimento de tropas”, explicou.

Depois de mais de uma hora e meia de sessão, Rui Pinto explicou que a ideia de criar o Football Leaks foi sua, apesar de trabalhar com várias pessoas — que recusa sempre denunciar. No entanto, sublinhou que não foi o responsável pelos primeiros acessos.

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“Em 2015, o assunto da atualidade era o Sporting. E houve dois pontos interessantes, que nunca foram esclarecidos, porque nunca houve vontade disso. O Sporting fez uma queixa na Polícia Judiciária. E na queixa mencionou dois nomes: Pedro Guerra e António Simões”, disse Rui Pinto, para explicar como é que terá começado o Football Leaks. No caso de Pedro Guerra, por exemplo, este comentador mostrou, em 2015, a minuta do contrato do jogador Mitroglou.

Nessa altura, Rui Pinto assume que acedeu à informação de quatro contas de e-mail, várias vezes — de Virgílio Lopes, Carlos Vieira, Rui Caeiro e Sancho Freitas, todos funcionários do Sporting Clube de Portugal. Rui Pinto disse ter entrado nestas contas, uma vez que aquela era uma altura em que estavam a ser feitas muitas transferências de jogadores naquele clube.

E também era importante recolher informações antigas, anteriores à presidência de Bruno de Carvalho. A altura de Godinho Lopes era a altura em que o Sporting teve colaboração mais ativa com fundos de investimento. Foi também a altura em que Álvaro Sobrinho entrou com capital social no Sporting. E era necessário perceber os passos que levaram Álvaro Sobrinho a ter uma percentagem tão elevada. Álvaro Sobrinho tinha o passe de vários jogadores, depois converteu essas percentagens dos passes e conseguiu entrar no capital da SAD. Tudo isto com fundos desviados do Banco Espírito Santo.”

Queixa ao Tribunal Europeu dos Direitos Humanos

Antes de retomar as sessões de julgamento, Rui Pinto apresentou uma queixa ao Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, por considerar que o seu julgamento poderá ter uma decisão injusta. Como noticiou durante o fim de semana o Jornal de Notícias, o alegado pirata informático descreveu ao tribunal europeu que a procuradora presente na sala de audiências, Marta Viegas, esteve reunida com inspetores da PJ antes do início do julgamento.

Este episódio já tinha, aliás, motivado o adiamento de sessões deste julgamento, antes das férias judiciais. Os advogados de Rui Pinto chegaram a pedir a substituição de Marta Viegas, mas o Ministério Público decidiu manter a procuradora.

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O alegado pirata informático é o principal arguido do caso Football Leaks e responde agora por 90 crimes relacionados com o acesso aos sistemas informáticos e emails de pessoas com ligações ao Sporting, à Federação Portuguesa de Futebol, ao fundo de investimento Doyen, à sociedade de advogados PLMJ, à Procuradoria-geral da República e à Ordem dos Advogados. Amadeu Guerra, antigo diretor do Departamento Central de Investigação e Ação Penal, José Miguel Júdice, advogado, Jorge Jesus, treinador, e Bruno de Carvalho, antigo presidente do Sporting, são alguns dos visados.

No total, Rui Pinto responde por 68 crimes de acesso indevido, 14 crimes de violação de correspondência, seis de acesso ilegítimo, por sabotagem informática à SAD do Sporting e por tentativa de extorsão à Doyen.

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Ao seu lado, no tribunal, senta-se Aníbal Pinto, advogado de Rui Pinto quando este terá cometido os alegados crimes. O advogado responde pelo crime de tentativa de extorsão, uma vez que terá sido o intermediário de Rui Pinto na altura da alegada tentativa de extorsão à Doyen.