O antigo governador de Macau Carlos Melancia morreu domingo à noite aos 95 anos no hospital de São José, para onde foi transportado após uma queda, disse esta segunda-feira fonte da família.

Licenciado em Engenharia, foi deputado, governador de Macau de 1987 a 1991 — o segundo governador não militar daquele território — e ministro com as pastas da Indústria e Tecnologia, do Mar e Equipamento Social em vários governos socialistas.

Em 1991, demitiu-se na sequência do designado Caso do Fax de Macau, que envolvia financiamentos partidários do PS, um processo de que foi ilibado em 2002. O escândalo marcaria a sua carreira e a sua relação com Mário Soares, que o escolheu como governador apresentando-o como uma pessoa da sua “inteira confiança”. No entanto, depois da polémica, Melancia, que esperaria mais provas de confiança da parte do até então amigo Soares, chegaria a acusar o antigo Presidente da República de “traição”, como contava aqui o Sol.

Como escrevia na altura o Público, o caso ficou encerrado em 2002, depois de Melancia ter sido ilibado, em 1994, e de o Ministério Público ter decidido recorrer da decisão, seguindo-se uma série de problemas processuais e de um pingue-pongue judicial que se arrastou durante anos, quase até ao limite da prescrição.

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Na origem do caso estava o aeroporto de Macau, tendo Melancia sido acusado de corrupção passiva por suspeitas de ter recebido 50 mil contos (250 mil euros) de uma empresa alemã para influenciar um concurso relacionado com a construção do aeroporto. A obra acabou por ser concessionada à Aeroportos de Paris e, na sequência da decisão, a empresa alemã (a Weidleplan) terá enviado ao governador um fax pedindo que devolvesse o dinheiro alegadamente pago para garantir o concurso — daí que o caso tenha ficado conhecido como o caso do Fax de Macau.

Depois de se demitir, voltou à vida de empresário e gestor, mas recebeu desde 1998 uma subvenção vitalícia de nove mil euros (uma pensão para antigos políticos que acabou em 2005, mas continuou a ser paga com retroativos e a poder ser pedida por quem tinha completado 12 anos de funções até esse ano).

Na sua última entrevista, concedida à Lusa em 2019, Carlos Melancia recordou a sua gestão do território que já tinha data de entrega para a China acertada entre os dois países.

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A Declaração Conjunta Sino-Portuguesa sobre a Questão de Macau foi assinada a 13 de abril de 1987, há 35 anos, e Carlos Melancia tomou posse como governador do território em julho desse ano, já para fazer cumprir o projeto de transferência da administração do enclave, que se concretizou em 1999.

Segundo o antigo governador, o que pretendia tanto a China como Portugal era que o território tivesse e caminhasse para a autonomia financeira, tendo sido feitos 300 milhões de euros de investimentos.

Exemplos dessa aposta na autonomia foi a construção do aeroporto para combater o estrangulamento dos transportes e a conclusão dos hospitais Chinês e de São Januário.

“Eu negociei isto tudo, mas quem acabou por os concluir [os projetos] foi o Rocha Vieira”, disse então Melancia, referindo-se ao governador que o substituiu no cargo e que geriu o território até à transição da administração.

Na mesma entrevista, Carlos Melancia admitia que a proximidade de Portugal a Macau “nunca foi suficiente e hoje está pior do que esteve no passado”.