Foi com natural expectativa que a Ferrari apresentou a um grupo restrito de jornalistas a sua nova arma para o Campeonato do Mundo de Resistência (WEC), competição a que regressa depois de 50 anos de ausência. A revelação ocorreu durante o fim-de-semana em que o construtor italiano acolhe em Imola as finais mundiais de 2022, o maior evento promocional que a marca organiza anualmente.

Depois do 312P ter representado o fabricante de Maranello no último WEC, em 1973, eis que a Ferrari retorna ao campeonato em que a rapidez numa volta é tão importante quanto a capacidade de resistir sem problemas ou avarias durante corridas de até 24 horas. E o regresso da marca do Cavallino Rampante é pela porta grande, uma vez que o 499P será um Le Mans Hypercar (LMH), o tipo de veículo mais rápido da disciplina, com uma mecânica híbrida que conjuga um motor de combustão com uma unidade eléctrica montada à frente, para assegurar tracção integral.

Com um regulamento muito apertado, destinado a conter os custos mas sem beliscar o espectáculo, os LMH têm vindo a provar a mais-valia da solução encontrada pela Federação Internacional do Automóvel (FIA), uma vez que à Toyota, que tem dominado a competição nos últimos anos, se vão juntar já em 2023 a Peugeot, a Ferrari, a Cadillac e a Porsche, para em 2024 aderirem à festa a Alpine e a Lamborghini. A FIA espera ainda que outras marcas possam revelar interesse em disputar o WEC, como é o caso da BMW (que em 2023 vai disputar apenas o IMSA) e a Acura, uma vez que os LMH europeus partilham o regulamento com os americanos LMDh, os Le Mans Daytona Hybrid, modelos que vão disputar o campeonato norte-americano IMSA, o que torna possível aos construtores promover a sua marca nos dois lados do Atlântico, sem aumentar os custos, ao conceber um segundo tipo de Sport Protótipo.

Tracção integral e motor do 296 GTB

Com apenas 1030 kg de peso mínimo e 500 kW de potência máxima (680 cv) às rodas, os LMH estão muito próximos entre si. Mas nem todos os cavalos provêm do motor de combustão, uma vez que se o motor a gasolina instalado em posição central passa a sua potência às rodas traseiras, através de uma caixa de competição sequencial de sete velocidades, no eixo dianteiro surge um motor eléctrico com 200 kW (272 cv), ligado exclusivamente às rodas anteriores, garantindo assim a tracção às quatro rodas. É a gestão da potência de ambos os motores que vai determinar o comportamento do carro, além do consumo de gasolina, de que depende a autonomia assegurada pela capacidade do depósito, o que pode reduzir o número de paragens para reabastecimento.

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Além de fornecer potência ao 499P, o motor eléctrico é ainda o responsável por recarregar a bateria, sempre que se desacelera ou trava, acumulador a que está conectado através de um sistema a 900V. Mas mais curioso é o motor de combustão, um 3.0 V6 que deriva directamente da unidade que equipa os novos coupés 296 GTB e GTS. Mantendo o mesmo bloco, com seis cilindros colocados num V aberto a 120º, para minimizar os desequilíbrios provocados pela ordem de explosão, o Ferrari 499P aproveita as dimensões compactas do mais recente motor da casa para dar mais liberdade aos engenheiros na concepção do chassi. Afirmou Ferdinando Cannizzo, o director técnico e de desenvolvimento dos modelos de competição das categorias Sport e GT da marca italiana, que “o pequeno V6 tornou possível optimizar a aerodinâmica, deixando mais espaço livre para instalar os intercoolers sem prejudicar o funcionamento dos extractores sob o veículo, permitindo ainda melhorar o desenho do cockpit e de tudo o que está à sua volta”.

Cannizzo avançou ainda que o facto de o V6 ser mais compacto e leve do que um V8 facilita a obtenção do peso mínimo e da sua distribuição, não só entre a frente e a traseira, como concentrando as massas junto ao centro do chassi. O responsável técnico da Ferrari para carros de Sport Protótipos e modelos de GT admitiu, de seguida, que “o 499P foi concebido com a ajuda da equipa de F1 da marca, especialmente ao nível da aerodinâmica e do sistema híbrido”, apesar das diferenças entre as tecnologias de electrificação utilizadas numa disciplina e noutra.

Aerodinâmico mas com a frente do Ferrari 296 GTB

Depois dos responsáveis pela aerodinâmica da casa do Cavallino terem optimizado as formas do 499P, o Sport Protótipo italiano foi entregue a Flavio Manzoni, o responsável pelo Centro de Estilo da Ferrari. O objectivo era dotar o carro que vai tentar vencer o WEC e repetir as vitórias do passado nas 24 Horas de Le Mans com uma frente similar aos coupés da marca, com ênfase no novo 296.

Cannizzo recordou que “um carro do WEC tem que gerar apoio, mas sem muito recurso a asas que prejudiquem a penetração aerodinâmica”, o que rouba velocidade máxima, fundamental em provas como Le Mans, com as suas grandes rectas e zonas muito rápidas. Daí que a frente exiba um splitter levantado ao centro e colado ao asfalto nas extremidades, para controlar o ar que entra sob o chassi e que depois é canalizado até ser aspirado pelo extractor traseiro, colando o carro ao solo sem exigir muita incidência da asa posterior.

Mas se todo o protótipo é desenhado exclusivamente com vista à competição, a frente bebe a sua inspiração do 296, com um lábio clean a recordar as opções estéticas que caracterizam modelos como o SF90 Stradale e, sobretudo, o 296 GTB e o 296 GTS, a versão Spider do modelo. Cannizzo garantiu que “os estilistas da Ferrari conseguiram aproximar o 499P dos coupés de estrada sem prejudicar a eficácia aerodinâmica, o que é sempre um trabalho complexo e difícil de atingir”.

Estreia em Sebring e com os pilotos da casa

Durante a apresentação, onde o Observador esteve presente, os responsáveis pela Ferrari anunciaram igualmente que o modelo está a entrar na fase final de desenvolvimento, com duas unidades a rodar regularmente, somando mais de 12.000 km por viatura. Tudo para estar pronto para a primeira prova da próxima época, que terá lugar a 17 de Março, na pista norte-americana de Sebring.

A Ferrari não revelou quem se sentará ao volante dos dois Sport Protótipos que vão disputar o WEC em 2023, mas sempre foi celebrando os seus oito pilotos oficiais de GT3, aos comandos dos Ferrari 488 da AF Corse, nomeadamente Alessandro Pier Guido e James Calado, que lideram o campeonato WEC GTE, Antonio Fuoco e Miguel Molina (ex-companheiro de equipa Audi no DTM do português Filipe Albuquerque), Daniel Serra, Davide Rigon, Alessio Rovera e Nicklas Nielsen. Dos oito pilotos, apenas seis vão trocar os Ferrari de GT3 pelo Ferrari 499P, mas a decisão não está tomada. Nem vai estar nos próximos tempos, uma vez que a prioridade é desenvolver o carro, segundo apurámos.

Molina confirmou-nos que “a Ferrari está a ser muito aberta e justa com todos os pilotos, informando-os que serão escolhidos seis” para os dois carros que vão competir no WEC. “Mas o mais importante é juntarmos esforços para fazer evoluir o 499P”, acrescentou. O piloto espanhol avança que “todos estão a trabalhar nos dois carros, analisando e contribuindo com dados e informações para os engenheiros”, para depois concluir que “serão os chefes a decidir quem se vai sentar ao volante”. O piloto salientou ainda que, independentemente de quem vai correr no WEC, “colaborar de forma tão próxima e profissional com uma equipa como a Ferrari, num campeonato que desconhece, mas que quer vencer, é um prazer tremendo que compensa todos os esforços”.