Nesta noite de domingo, 30 de outubro de 2022, Jair Bolsonaro perdeu muito mais do que a reeleição à presidência do Brasil. Ou melhor, vai perder: assim que o próximo ano começar e o ainda Presidente abandonar o cargo, a prerrogativa especial que lhe concede imunidade e o impede de ser julgado pela Justiça Comum também vai chegar ao fim.

Assim que o chamado “foro privilegiado” acabar, os processos em que é investigado e que, por força da função que desempenha, correm no Supremo Tribunal Federal, podem ser remetidos para as instâncias inferiores, o que, por si só, aumentará as suas probabilidades de responsabilização penal, diz a imprensa brasileira.

“Depois de deixar o cargo, não há imunidade, nenhuma, por crimes cometidos por um ex-presidente no Brasil”, explicou ao New York Times Eloísa Machado, professora de direito na Fundação Getúlio Vargas, em São Paulo.

Ouça aqui o episódio do podcast “A História do Dia” sobre a vitória de Lula da Silva.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Lula da Silva vai conseguir pacificar o Brasil?

O próprio Jair Bolsonaro. alvo de centenas de denúncias durante os quatro anos de mandato e alvo de acusações que vão desde o desvio de fundos públicos, ao roubo de salários de pessoal, passando pela má gestão da pandemia, já por várias vezes tinha dito ter a certeza de que esse cenário se deveria concretizar caso não fosse reeleito.

Em agosto, a Folha de São Paulo noticiou que o Presidente não só esperava ser alvo de vários processos com o o “objetivo de o levar à prisão”, como acreditava que podia acontecer o mesmo aos seus filhos. Entretanto, a seis dias das eleições, a notícia da Folha era outra: “Bolsonaro já disse que atiraria ‘para matar’ caso tentassem prendê-lo”.

De acordo com o jornal, Jair Bolsonaro, que já terá assumido publicamente dormir com uma arma de fogo à cabeceira, terá dito a vários interlocutores, incluindo figuras de autoridade, que nunca se deixará prender. “Eu atiro para matar, mas ninguém me leva preso. Prefiro morrer”, terá mesmo dito o ainda Presidente do Brasil. “Por Deus que está no céu, eu nunca serei preso”, já tinha dito ao vivo, perante uma multidão de apoiantes, num evento em São Paulo, há cerca de cinco meses.

A verdade, explicou esta semana em entrevista ao Le Monde Diplomatique Brasil Antonio Carlos Souza de Carvalho, advogado e cientista político, é que o cenário de uma eventual prisão de Jair Bolsonaro é bem real. Assim as instituições “funcionem”, ressalvou: “Se elas funcionarem, eu acredito que a situação jurídica dele é bastante complicada. Tem muita acusação grave”. “Várias questões seguem em andamento, como é o caso do inquérito das fake news, o relatório da CPI da Covid, a interferência na Polícia Federal, o próprio esquema das rachadinhas e, mais recentemente, a questão da compra de imóveis com dinheiro vivo pela família Bolsonaro. Tem muita coisa nebulosa”, acrescentou.

Para além dos processos já em curso, assinalou este domingo o UOL, Jair Bolsonaro poderá ainda ser alvo de novos processos, que a partir de 2023 poderão ser-lhe movidos por procuradores e promotores de justiça de todo o país.

Outro cenário praticamente certo é o do fim do sigilo de 100 anos que o ainda Presidente impôs a uma série de decretos que promulgou — e que Luís Inácio Lula da Silva avisou ainda durante a campanha que iria revogar. “É uma coisa que nós vamos ter que fazer: um decreto, um revogaço desse sigilo que o Bolsonaro está criando para defender os seus amigos…”, disse o candidato do PT, em entrevista a uma rádio paulistana, em junho.

Desde 2021, Bolsonaro impôs a lei do sigilo de 100 anos no acesso a uma série de informações, consideradas “sensíveis”, do governo. Isso inclui, por exemplo, as visitas que recebe no Palácio do Planalto — argumentando não dever “satisfações a ninguém” e que a sua vida se tornaria um “inferno” se divulgasse a lista —, ou os dados do seu cartão de vacinação. Questionado, via Twitter, sobre se tinha ou não sido inoculado contra a Covid-19, recuperou o UOL, o Presidente respondeu com ironia: “Em 100 anos, saberá”. Afinal, não deverá ser preciso esperar tanto.