As cantinas sociais de Lisboa mantêm o número de refeições distribuídas e ainda não registam um aumento no número de pedidos, apesar de receios em relação ao que poderá acontecer até ao final do ano e em 2023.

A cantina social é uma resposta que se destina ao fornecimento de refeições a pessoas e famílias com carências económicas, gerida por instituições do setor social ou pela Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, e financiada pelo Instituto de Segurança Social.

Na cidade de Lisboa existem pelo menos dez cantinas sociais, algumas das quais com públicos-alvo específicos, e uma ronda por algumas destas respostas sociais permitiu saber que o impacto da inflação ou do aumento do custo da energia faz-se sentir no funcionamento da própria instituição, mas ainda não levou mais gente à procura de uma refeição.

No refeitório dos Anjos, a Santa Casa serve cerca de 250 almoços e perto das 160 jantares por dia.

Em declarações à Lusa, a diretora técnica do Centro de Apoio a Jovens e Idosos do Lumiar (CAJIL) disse que a instituição “não tem sentido nenhuma diferença em termos dos pedidos”, como aconteceu, por exemplo, durante a pandemia, quando registaram “muitos pedidos” na cantina social.

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Neste momento, tenho mantido os mesmos agregados, em termos familiares, e não tem havido, até à data, mais pedidos. Ainda não nos chegaram pedidos relativamente a esta situação de conjuntura que estamos neste momento a atravessar, pelo menos por enquanto”, afirmou Ana Potes, ressalvando que a situação se pode alterar dentro em breve.

A instituição apoia atualmente oito pessoas, de dois agregados, o que significa 16 refeições por dia, tendo visto a sua capacidade de resposta ser gradualmente reduzida por parte da segurança social.

Ana Potes admitiu que o aumento do preço dos consumos energéticos e dos combustíveis já afeta a instituição, mas o seu maior receio é que “as pessoas comecem a desistir dos serviços”, à medida que aumente o custo de vida.

A diretora técnica do CAJIL apontou que com o aumento generalizado dos preços, as famílias serão obrigadas a estabelecer prioridades e nessa altura poderão prescindir de serviços como o centro de dia ou o apoio domiciliário, acabando por “ter condições precárias no domicílio por não conseguirem ter o apoio que efetivamente precisam porque não conseguem pagar”.

O administrador da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa para a Ação Social também confirmou que a instituição não tem recebido mais pedidos de apoio ao nível da cantina social, que mantém o número de utentes, e disse estar mais preocupado do que números que o preocupem.

A expressão, explicada por Sérgio Cintra, significa que os números e estatísticas até demonstram reduções em alguns indicadores, como por exemplo, o número de pessoas na cidade de Lisboa que recebe o Rendimento Social de Inserção (RSI), que “teve uma pequena diminuição” e “está mais ou menos estável nos últimos sete ou oito anos”.

O responsável afirmou não ter conhecimento de casos de dívidas à banca ou de sobre-endividamento, mas admitiu que o aumento do valor das rendas na habitação tem sido um problema nos últimos anos que tem levado muita gente a sair da cidade.

Apesar de não termos grande aumento da procura, estou mais preocupado porque não sei a determinado momento onde é que estas pessoas estão. Elas deixaram de viver na própria cidade e não tenho conhecimento delas. Aqueles que são os públicos mais habituais e os mais vulneráveis da cidade, aí nós continuamos com um nível de apoios praticamente sem alteração”, referiu.

Ainda assim, Sérgio Cintra avisou que será preciso um esforço coletivo e continuado de apoio aos mais carenciados, tendo em conta os “fatores difíceis” como a guerra, a pobreza energética, a inflação ou a subida das taxas de juro, bem como o problema das rendas na habitação.

“Temos todos que estar preparados para este esforço no apoio continuado às pessoas e fazer isso com a ponderação suficiente para não entrar num movimento coletivo de alarmismo”, defendeu.

Na instituição de solidariedade social “O Companheiro”, destinada ao acolhimento e inserção de reclusos, ex-reclusos e das suas famílias, a cantina social, aberta à comunidade, acompanha 50 agregados e serve habitualmente entre 100 e 120 refeições por dia.

Segundo José Brites, vice-presidente e diretor geral da instituição, que gere a única cantina social na freguesia de Benfica, foram servidas cerca de 40 mil refeições em 2021, número que manter-se-á inalterado em 2022, já que “até ao momento não receberam mais pedidos de ajuda”.

O responsável adiantou que ao longo dos últimos dez anos, desde que a cantina social abriu portas em janeiro de 2012, serviram mais de meio milhão de refeições e que habitualmente todos os anos ocorre um “pico” de pedidos de ajuda no último trimestre, mais perto do Natal.

“As pessoas solidarizam-se mais e como tal, também é possível as pessoas dizerem que são mais pobres porque há uma aceitação diferente”, disse.

Nesse período, José Brites espera que, à semelhança do que aconteceu nos outros anos, haja um aumento de entre 20% a 30% no número de refeições servidas.

No entanto, admitiu, “vai haver um ano de 2023 que vai ser muito complicado”.

Não tenhamos qualquer dúvida disso”, sublinhou.

Ainda assim, José Brites acredita que como a associação trabalha sobretudo com reclusos e ex-reclusos, “só em circunstâncias extremas” é que outras pessoas irão pedir ajuda ao nível da cantina social.

De acordo com a Carta Social para 2020, existiam nesse ano 111 cantinas sociais em Portugal continental, que serviam refeições a 3.938 pessoas, 58,3% da capacidade total, que era de 6.756 utentes.

A Segurança Social financia com 2,5 euros por refeição fornecida nas cantinas sociais, que inclui sopa, prato principal, pão e fruta ou sobremesa, um valor que se mantém desde 2012.