Mark MacGann surge na Web Summit como fundador da Moonshot, mas a sua participação deve-se ao facto de ter denunciado práticas da Uber, através de 124 mil documentos, conhecidos como os “Uber Files” (“Ficheiros da Uber”), que abrangem os cinco anos em que a empresa foi gerida por Travis Kalanick.

A Uber vendia o sonho americano, melhor para investidores, trabalhadores, motoristas, consumidores. “Vendemos um sonho e mentimos”, atira, agora, o denunciante da Uber para acrescentar que a empresa continuar a pôr imenso dinheiro para combater processos legislativos. Atualmente discute-se a legislação sobre os motoristas passarem a ser considerados trabalhadores.

“Não estou na empresa, mas quero acreditar que alguma coisa mudou”, declarou no palco principal da Web Summit, acrescentando mas “há tanto, tanto mais para fazer”.

Fazer melhor “nunca significa melhor para toda a gente. Significa sempre pior para alguém. Há sempre melhor a fazer”, realça o denunciante que diz que os últimos 10 meses foram uma jornada “extraordinária”. Mas não teve mais contactos com Travis Kalanick, fundador da Uber e ex-CEO.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Uber Files. As voltas que a Uber deu para aqui chegar

Nesta jornada vai falando da necessidade dos denunciantes. E até aconselhou a quem souber de coisas denunciá-las — há associações que ajudam nessas denúncias e os media também, comentou. E nem precisam de mostrar a cara, como fez MacGann. Neste momento até podia estar no palco da Web Summit a vender a Uber, lembrou o seu entrevistador — Paul Lewis, do The Guardian, que noticiou os ficheiros Uber, que perguntou a MacGann o que se perguntaria há 10 meses.

“Perguntaria: porque tiveste de ser tu a denunciar, porque me coube a mim soprar no apito [tradução à letra de whistlerblower, que é o denunciante, mas que significa soprar no apito] quando muita gente ficou silenciada e muitos reguladores fecharam os olhos”. Em 2014 juntou-se à Uber, “a mais famosa startup da história. Ninguém angariou tanto dinheiro ou cresceu tão depressa e quebrava leis e regras, causando caos, na expectativa de que, com o caos, ocuparia o mercado e ficaria detentora do mercado. O vencedor leva tudo [‘the winner takes it all’]”. Mas a Uber, acrescentou, tinha “uma relação tóxica com governos e reguladores em todo o mundo”. MacGann ainda explicou que “muitas pessoas acreditavam na missão, e num propósito nobre de chegar mais barato a um sítio e de contruir oportunidades económicas e melhorar a vida das pessoas”, mas, reforçou, “quebraram-se regras e leis”, e quando isso acontece “estamos a quebrar a democracia”.

Na sua intervenção, MacGann ainda incentivou quem saiba de coisas para denunciar. E declarou: “Se temos o privilégio de testemunhar temos o dever de falar. E falar pelas pessoas que não têm voz”, como os motoristas. A rede de lóbi das grandes tecnológicas, assume, é vasta e são gastos muitos milhões de dólares para que os objetivos sejam conseguidos, nomeadamente contra regulação. E é o que ainda está a acontecer agora, admitiu, lembrando os milhões que a Uber ainda está a por para combater a legislação na Uber que poderá transformar os motoristas em trabalhadores. Por isso, deixa também o conselho aos legisladores: façam regulação inteligente e não a façam isoladamente, mas admitiu que os reguladores também precisam de mais meios para conseguirem andar a par e par com as big tech. Admite que os legisladores não “têm acesso a muitos dos dados”, mas têm de tornar as tecnológicas “um lugar seguro”. Mas há ainda uma lista pequena de denunciantes relacionados com as tecnológicas, lembrou.

Essas empresas tornaram-se “tão grandes e ricas” que se tornou perigoso.

MacGann denunciou práticas da Uber para conseguir entrar nos vários mercados, nomeadamente em alguns países europeus, em que instigou a violência contra taxistas, atuou de forma agressiva junto de políticos, comprou estudos académicos. Em Portugal, também houve ações, nomeadamente ter pedido uma investigação ao passado de Florêncio Almeida, que era o presidente da associação de taxistas. MacGann não se recorda em específico do que se passou em Portugal, mas “as coisas não eram tão doidas aqui. Não tínhamos o mesmo acesso aos governantes nem tínhamos o mesmo nível de violência”.