O antigo governador do Banco de Portugal Carlos Costa confirmou publicamente que, tal como avançou o Observador, o primeiro-ministro lhe enviou um SMS, na semana passada, onde o próprio António Costa reconhece que em 2016 considerava que era “inoportuno” afastar Isabel dos Santos do EuroBic (então Banco Bic). Tratou-se na altura de uma “tentativa de intromissão do poder político” na supervisão, diz Carlos Costa, ameaçado de processo em tribunal por António Costa. “Caberá a cada um fazer o seu juízo e a sua avaliação”, diz o antigo governador, voltando a confirmar que, ao telefone, em 2016, o primeiro-ministro lhe disse que não se podia “tratar mal a filha do Presidente de um país amigo” – algo que António Costa diz ser falso.
Na apresentação pública do livro “O Governador”, Carlos Costa afirmou que “o senhor primeiro-ministro anunciou um recurso aos tribunais por causa de uma reunião que tive com Isabel dos Santos” e Fernando Teles, na presença também de Carlos Albuquerque, diretor de supervisão. Nesse telefonema, António Costa “comunicou-me que não se podia tratar mal a filha de um Presidente de um país amigo”, disse Carlos Costa, em viva voz. Esse telefonema foi no dia 12 de abril, dia da reunião, mas à tarde.
Já na semana passada, após a pré-publicação de um capítulo do livro, António Costa “enviou uma mensagem SMS que confirma uma tentativa de intromissão do poder político” na supervisão bancária, ao dizer o próprio primeiro-ministro (agora) que em 2016 considerava que a medida de afastamento de Isabel dos Santos e Fernando Teles era “inoportuna”.
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“Cabe a cada um fazer o seu juízo e o sua avaliação“, disse Carlos Costa, em viva voz e publicamente.
Carlos Costa afirmou, também, que ao colaborar na escrita de “O Governador” – dando mais de 30 horas de entrevista ao autor do livro – está a “contribuir para reforçar o respeito” que é devido à instituição que liderou 10 anos, numa resposta à crítica velada feita pelo seu sucessor, Mário Centeno – o atual governador tinha dito que quem serve uma instituição como o Banco de Portugal deve respeito à instituição não só enquanto está no cargo mas também depois.
Também na apresentação do livro, Marques Mendes defendeu que o Ministério Público deve abrir “investigação criminal” ao caso Banif, a partir das informações que estão na obra.
O livro foi apresentado por Luís Marques Mendes (Francisco Assis, que também estava entre os apresentadores mas cancelou). No início da apresentação foi lida uma declaração escrita de Francisco Assis, onde se explica que depois de ter aceitado o convite do autor do livro, o primeiro-ministro “declarou publicamente” que havia considerações no livro que afetam a sua honra.
Quando teve conhecimento de que António Costa iria processar Carlos Costa, Francisco Assis decidiu revogar a sua aceitação do convite: “Não foi uma decisão agradável mas entendi que era meu dever não participar porque a minha participação seria vista como uma hostilidade” para com António Costa, com quem partilha uma “história de 30 anos de percurso comum” no PS.
Ministério Público não pode deixar de abrir uma investigação criminal, diz Marques Mendes
Já Marques Mendes disse que Carlos Costa foi “muito maltratado” no cargo e foi “vítima de 10 anos absolutamente inéditos na atuação do BdP”. “Depois, foi vítima da decisão de afastar Ricardo Salgado – que foi um ato de coragem, porque Salgado era um Estado dentro de um Estado. Depois, foi vítima de um mesquinho ajuste de contas por parte do ex-ministro Mário Centeno”, acrescentou Marques Mendes.
Em relação a Salgado, Carlos Costa afastou Ricardo Salgado tardiamente, mas afastou-o. E quando vejo o medo de retirar um ministro que se portou mal, um líder da oposição… As minhas dúvidas acabam [de que Carlos Costa foi corajoso em afastar Ricardo Salgado]”, disse Marques Mendes.
Marques Mendes comentou que, em 2014, o PS, que nomeou Carlos Costa, ainda sofria com as “ligações fortes” de Sócrates a Salgado. O CDS-PP, por outro lado, apesar de ser membro da coligação, “torcia-se todo” sempre que se falava em recondução. E até “do PSD a objeções a Carlos Costa também existiam”, mas isso não teve consequência porque “Passos Coelho é um homem genuinamente livre”.
O advogado destaca, também, “espero bem que o Ministério Público possa ler os capítulos sobre o Banif e não pode deixar de abrir uma investigação criminal“, porque foi um “caso típico de abuso de poder”. “Por muito menos já vi o Ministério Público abrir inquéritos e constituir arguidos”, diz Marques Mendes, culpando o Governo por ter dito a Bruxelas que o Banif estava em resolução quando o Banco de Portugal não tinha tomado essa decisão que lhe competia.
“Foi favorecimento premeditado ou só mera negligência?”, diz Marques Mendes, sobre a operação que levou a que o Banif fosse comprado pelo Santander, que resultou de uma “combinação promíscua” por parte do Governo. “Os portugueses têm direito a uma explicação”, diz o ex-líder do PSD.
António Costa pressionou Carlos Costa para não retirar Isabel dos Santos do BIC
Esta terça-feira, o Observador noticiou que cerca de hora e meia após publicação de um capítulo do livro “O Governador”, primeiro-ministro enviou uma mensagem escrita a Carlos Costa que confirma que houve telefonema sobre Isabel dos Santos onde, nas palavras do próximo António Costa, foi transmitido que em 2016 o primeiro-ministro considerava “inoportuna” a decisão do Banco de Portugal de tentar afastar Isabel dos Santos.