O Oli nunca vai ser fabricado, mas a maioria das soluções que encerra vai permitir conceber e produzir automóveis eléctricos mais baratos, por serem mais leves, com novos e simples materiais, o que lhes permite recorrer a menos capacidade de bateria para assegurar uma autonomia razoável. E sem o síndroma do carro barato, uma vez que a Citroën propõe compensar a ausência de soluções luxuosas com design, criatividade e uma certa dose de loucura.
A breve passagem do curioso Citroën Oli por Portugal permitiu-nos conduzi-lo nos arredores de Cascais. Um protótipo que consegue ser tão inovador quanto surpreendente, dos assentos às formas exteriores da carroçaria, do pára-brisas vertical à traseira tipo SUV que se transforma em pick-up, passando por um tejadilho onde é possível sentar-se ou deitar-se e um tablier funcional, mas cheio de truques.
Compacto por fora, mas grande por dentro
Como seria de esperar, sentimos que é praticamente impossível circular entre outros veículos sem despertar olhares curiosos. À nossa passagem, as cabeças rodavam para ver melhor o Oli, com um misto de espanto e de incredibilidade. As formas pouco habituais causam estranheza, o que é natural, pois este protótipo possui o capot da frente plano e o para-brisas vertical e sem curvatura. Mas o que evidentemente mais impressiona é o facto de a maior altura do Oli, aliada à frente e ao pára-brisas verticais, conferirem a este SUV da Citroën um ar “durão”, como se tratasse de um jipe pronto para todo o serviço.
A traseira, com o seu pilar inclinado, indica que estamos perante um SUV coupé, mas a realidade não podia ser mais diferente. Na verdade, o Oli foi concebido como uma pick-up com a caixa de carga coberta, o que permite maior versatilidade para além do habitáculo.
Outros dos trunfos reside no facto de o Oli ter o tejadilho e parte do capot frontal (junto ao pára-brisas) concebidos num material em cartão reciclado e estruturado como se fosse um favo de mel, depois envolto em resina de poliuretano Elastoflex e coberto por uma camada de Elastocoate, materiais desenvolvidos pela MASF. O resultado é um material reciclável 50% mais leve, mais barato e mais resistente do que o aço. Daí que seja capaz de suportar o peso de duas pessoas. É a solução que a Citroën propõe para assistir de um local elevado a uma competição de skate ou de surf, por exemplo, ou para ver o pôr-do-sol deitado no tejadilho.
Sempre para conter os custos, os pára-choques à frente e atrás são iguais, tal como as portas, que montam vidros muito curvos. As curiosas jantes de 20” são construídas em aço e alumínio, contendo o peso (em 15%, ou cerca de 6 kg) e os custos, montando pneus Eagle GO, concebidos pela Goodyear e que podem percorrer até 500.000 km.
Portas suicidas e um habitáculo amplo
Sentámo-nos ao volante, tendo ao nosso lado um engenheiro da marca, para garantir que o protótipo regressava a casa em bom estado. A primeira surpresa foi o grau de conforto proporcionado pelos “estranhos” bancos, formados com apenas três peças – para ser mais simples e barato –, sendo as costas e o apoio de cabeça fabricados com uma espécie de estrutura flexível responsável por garantir o conforto e o apoio.
O acesso ao interior é fácil, uma vez que o Oli, com os seus 4,2 m de comprimento, 1,9 m de largura e 1,65 m de altura, possui uma grande distância entre eixos, o que lhe confere um habitáculo generoso. As portas anteriores são normais, dentro do que é um SUV como o Oli, enquanto as posteriores são muito pequenas e do tipo suicida, mas sem pilar central. Isto abriu-nos todo o habitáculo no momento em que acedemos ao interior. Mas, segundo o que apurámos aquando da apresentação internacional do veículo, em Paris, não será fácil produzir em série um veículo deste nível de preço e sem pilar B. Até a Rolls-Royce no Phantom e a Ferrari no Purosangue chegaram a esta conclusão, apesar de navegarem num patamar de preços muito superior.
A plataforma plana e ampla favorece as movimentações no interior, especialmente nesta versão com apenas dois lugares atrás – ainda que nada impeça um habitáculo para cinco adultos, com uma largura de 1,9 metros –, com a luminosidade a bordo a ser agradável, tal como se revelou a visibilidade, excepção feita ¾ de traseira.
Como é ao volante?
Ao volante, descobrimos uma posição de condução correcta e ergonomicamente perfeita, mas mais alta, em linha com o que se espera de um SUV, mesmo do segmento B. Os vidros laterais não sobem ou descem, podendo apenas bascular ligeiramente, com as portas a oferecerem uma generosa bolsa na parte inferior. Mas o que salta à vista é o tablier, pela irreverente cor laranja, por ser horizontal de extremo a extremo (o que reforça a sensação de espaço interior) e por apresentar soluções simples, mas inteligentes, para arrumar e fixar objectos.
Para reduzir os custos, o Oli prevê uma docking station para o telemóvel do condutor, que não só o recarrega como o liga ao pequeno ecrã central localizado sobre o encaixe. Bem ao centro, o destaque vai para os cinco botões de dimensões gigantescas mas de design atraente. Contudo, a nossa atenção foi capturada pelas colunas colocadas nos extremos da estrutura do tablier, que tanto podem animar as viagens a bordo do Oli como ser retiradas e utilizadas no exterior, seja num piquenique ou numa ida à praia.
Com apenas 1000 kg, fruto da simplicidade e de um design arrojado que abre caminho para soluções e materiais que economizam no peso, o Oli consegue garantir uma autonomia respeitável, de 400 km entre recargas, com uma bateria com somente 40 kWh de capacidade, capaz de ser recarregada de 20% a 80% em 23 minutos. Isto implica atingir um consumo médio de apenas 10 kWh/100 km, para o que contribui o facto de a Citroën limitar o modelo a 110 km/h.
Com um grau de conforto agradável, sobretudo se tivermos em conta que se trata de um protótipo, sentimos que o Oli respondia bem ao acelerador e não dava a sensação de ser submotorizado. As janelas que não abrem podem ser um problema para alguns e a velocidade máxima pareceu-nos baixa. Porém, de outra forma, não seria possível atingir um consumo tão baixo ou manter um pára-brisas vertical, uma vez que o Cx necessariamente pouco apurado levaria a um incremento do consumo. Mas a sensação geral foi de agrado, com o design, as cores divertidas e o carácter prático das várias soluções a fazerem esquecer a ausência de luxo e de requinte.
O que vai acontecer depois do Citroën Oli
Lamentavelmente, o Oli não será construído. Pelo menos, tal como está agora. Mas muitas das soluções reveladas neste protótipo vão surgir em carros fabricados em série pela marca francesa e alguns deles vão chegar ao mercado ainda antes do que se poderá pensar.
Os faróis de linhas rectas e a assinatura luminosa exibida pelo Oli vão tornar-se a nova imagem de marca da Citroën, o mesmo acontecendo com os farolins traseiros, em que também este novo protótipo vai deixar a sua marca. Outro “truque” na manga do Oli que vai passar à produção em série é o recurso a mais materiais reciclados, para melhorar o ambiente e baixar os custos, com a marca a procurar materiais inovadores, robustos, baratos e leves que possam ser utilizados na indústria automóvel, como o cartão em favo de mel de que falámos acima. Tudo para conseguir “fazer mais com menos”, ou seja, ter maior autonomia com baterias com menor capacidade.
De acordo com a Citroën, o próximo veículo a apresentar pela marca será o sucessor do actual C3 Aircross, o SUV do segmento B do construtor francês. Resta saber até que ponto a inovação e a versatilidade demonstradas pelo Oli serão materializadas no novo modelo, que está previsto ser revelado em 2024.