No que respeita à reputação de conceber e produzir superdesportivos fantásticos, não é fácil rivalizar com a Ferrari, que há 75 anos lidera a classe. É claro que tem cada vez mais concorrentes, alguns com muito valor, mas ainda assim não há quem não respeite a marca do Cavallino Rampante, fundada por Enzo Ferrari. A gama deste construtor tem vivido até agora de coupés de duas portas, com dois lugares ou com a solução 2+2, em que dois pequenos bancos na traseira podem aceitar crianças “elegantes” e até uma certa idade. Daí que se tenha gerado um certo burburinho quando a marca italiana decidiu avançar para a concepção do seu primeiro veículo familiar, o Purosangue, com quatro portas e espaço para outros tantos adultos, oferecendo ainda uma bagageira capaz de lidar com as malas da família. Este novo familiar tem a forma de um SUV, ou no limite, de um crossover, por ser mais baixo, esguio e desportivo. E foi isso mesmo que fomos ver em pormenor a Itália, tanto por fora como por dentro.

Fabricar um crossover era uma necessidade para a Ferrari, uma vez que depois da Lamborghini avançar com o Urus, o SUV que representa mais do que 50% das vendas anuais, não havia mais dúvidas que era este o caminho a seguir. E se a marca aceitou conceber um modelo de quatro portas, avançou desde logo que não pretendia cometer o mesmo erro de outros fabricantes de desportivos – sem contudo especificar quais – e permitir que o SUV ultrapassasse mais de metade das vendas, limitando-o a apenas 30%. Isto apesar de reconhecer que, sem limites, o quatro portas e quatro lugares poderia ultrapassar em muito esta fasquia.

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Mas a Ferrari impôs outros requisitos ao seu primeiro modelo familiar. Para começar, obrigando-o a ser um verdadeiro Ferrari. Quer isto dizer que não poderia ter uma grande distância ao solo, possuir uma carroçaria muito alta, ser muito pesado ou até parecer “pesadão”, pois o objectivo era poder transportar a família e enfrentar sem problemas incursões fora de estrada, ainda que civilizadas. Mas teria que montar uma mecânica exuberante e nobre e exibir um comportamento que não destoasse dos restantes modelos do construtor.

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Um SUV que parece um coupé com portas suicidas

À medida que nos aproximávamos do Purosangue, o SUV da Ferrari não só parecia mais pequeno do que na realidade é – tem 4,973 metros de comprimento e 3,018 m de distância entre eixos, contra 5,137 m e 3,006 m do Urus –, como dava a sensação de ser mais baixo do que a fita métrica indica. Com 1,589 m de altura, o Ferrari é mais baixo do que o rival da Lamborghini (1,618 m), mas apenas por 2,9 cm. A frente mergulhante e afilada, o habitáculo muito chegado atrás e as formas fluídas do modelo tornam mais fácil identificar o Purosangue como um coupé de quatro portas, do que SUV ou até mesmo um crossover.

Apesar da generosa distância entre eixos, o familiar da Ferrari fez uma importante concessão ao estilo, instalando portas convencionais à frente e suicidas atrás, assim denominadas por abrirem ao contrário, da frente para trás. A necessidade de garantir a necessária rigidez à estrutura impediu o desaparecimento do pilar central, mas ainda assim a sensação que tivemos quando abrimos as portas em par – operação facilitada por possuírem assistência eléctrica, para abrir e fechar – foi de grande espaço interior e convite para entrar a bordo. As portas da frente têm os fechos dissimulados, sendo práticos de accionar, mas as posteriores exibem apenas um pequeno manípulo que mal se vê, onde basta aplicar uma pequena pressão para o fecho eléctrico abrir a porta.

O chassi do Purosangue foi concebido de raiz pela marca, o que lhe permitiu torná-lo leve, apesar do comprimento. Recorrendo a aço, alumínio e fibra de carbono, o peso a seco é de somente 2033 kg, devendo rondar 2120 kg em condições de homologação, ou seja, 100 kg abaixo do Urus. Para atingir uma distribuição perfeita da massa pelos dois eixos (49,5% à frente e 50,5% atrás), a Ferrari optou por instalar o motor à frente e a caixa de velocidades atrás, uma solução que já tinha introduzido no Ferrari FF.

Um habitáculo em que todos parecem ir ao volante

Depois de nos deliciarmos com o aspecto exterior do modelo, era chegada a altura de nos sentarmos a bordo. Começámos por nos sentar ao volante, o melhor lugar num Ferrari. Sentados mais acima do que é normal num carro da marca, torna-se evidente que o acesso é muito mais fácil do que nos coupés de duas portas, especialmente para quem tenha mais idade ou peso. A visibilidade é igualmente superior, inclusivamente para a traseira, com o banco a ser concebido como se tratasse de uma baquet de competição, mas ainda assim proporcionando o necessário suporte e conforto.

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À frente do condutor surge um tablier (que é quase simétrico), com um painel de instrumentos digital através do qual se tem acesso a todas as funções do veículo, como aliás já vimos acontecer no também novo 296 GTS. A posição de condução é boa e a distância ao tejadilho deixa antever que mesmo os adultos mais altos não terão dificuldades em acomodar-se a bordo. Mas apesar da generosa consola central, que convida a descansar o braço e permite guardar objectos, o Purosangue respeita o interior tradicional dos modelos da marca do Cavallino, onde nem sequer falta o manettino para as diversas regulações do chassi e da mecânica.

Quem vai ao lado tem à disposição um assento similar, como não podia deixar de ser. Mas à sua frente surge um ecrã táctil igual ao do condutor, com 10,2”, que permite controlar o que este está a fazer, bem como a situação da mecânica. Mas isto apenas para os passageiros mais curiosos, uma vez que os restantes deverão preferir seleccionar as músicas preferidas no Spotify ou ajudar com o sistema de navegação.

Aceder aos assentos traseiros é mais fácil do que antevimos, uma vez que a porta suicida aberta a 79º fornece espaço mais que suficiente para realizar a “manobra”. Os bancos posteriores parecem idênticos aos anteriores e mesmo um adulto com mais de 1,9 metros de altura acomoda-se facilmente, sem sequer se sentir enclausurado, dada a dimensão e a altura dos vidros das portas. Fechar a porta traseira, uma vez sentado e com cinto, acaba por ser mais fácil neste tipo de portas, a abrir da frente para trás.

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Se o espaço nos bancos traseiros vai agradar, então o que dizer da bagageira. Sem fazer grandes concessões, uma vez que a traseira é bastante curta, o Purosangue disponibiliza uma mala com 473 litros, volumetria que permite antever uma viagem de férias com um Ferrari ou até ir às compras do mês sem ter de trocar de carro. E com o kit de malas que a marca vai produzir, vai ser possível explorar ao milímetro cada um daqueles dm3.

O melhor motor da Ferrari e muitos outros truques

Para fazer mover o Purosangue, a Ferrari recorreu ao seu melhor e mais reputado motor, o 6.5 V12 atmosférico, para que os turbocompressores não abafem o característico roncar da mecânica. Fornecendo 725 cv e 716 Nm, mais potência mas menos binário do que o Urus Performante (666 cv/850 Nm), o familiar da Ferrari monta o V12 em posição central à frente, como aliás já acontece nos coupés de duas portas que também recorrem a este V12, o que obriga a uma frente mais longa. E, se reparar na foto que publicamos na galeria, torna-se evidente que apesar do 6.5 V12 ter um comprimento generoso, está completamente atrás do eixo anterior.

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Se a colocação do motor ajuda à correcta distribuição de massa pelos dois eixos (49,5% à frente e 50,5% atrás), isto não seria conseguido sem que a Ferrari retirasse outra carta da manga, montando a caixa de dupla embraiagem e oito velocidades no eixo traseiro, ligada ao motor por um veio transaxle. No capítulo dos trunfos podem também considerar-se as suspensões activas, as quatro rodas direccionais e o sistema de tracção integral.

O Ferrari Purosangue tem o sucesso assegurado, que só não se traduzirá num maior volume de vendas porque os italianos não querem “assustar” os seus clientes tradicionais, transformando-se num construtor que maioritariamente vende veículos mais volumosos e pesados. Talvez por isto, o Purosangue não irá disputar exactamente os mesmos clientes do Lamborghini Urus, obviamente mais volumoso e espaçoso, no habitáculo e na mala. Se o Urus é obviamente um SUV, o Ferrari está mais de acordo com o estatuto de crossover, trocando algum espaço interior por maior agilidade e ligeireza, para optimizar o comportamento. Os 310 km/h de velocidade máxima, bem como a facilidade com que anuncia 3,3 segundos de 0-100 km/h e 10,6 segundos de 0-200 km/h, são apenas alguns dos argumentos que lhe permitem ambicionar o estatuto do SUV mais veloz do mercado, sendo que os determinantes serão o menor peso e a altura mais reduzida, face à concorrência.