O Ministério Público pediu, esta sexta-feira, a condenação de João Carreira pelo crime de treino de terrorismo e de detenção de arma proibida. E pediu uma pena de prisão efetiva “não inferior a três anos e meio, em estabelecimento com acompanhamento psiquiátrico adequado”. A sentença está marcada para o dia 19 de dezembro.

A procuradora do Ministério Público, Ana Pais, começou por justificar que “o crime de terrorismo na forma tentada não pode verificar-se” no caso que envolve João Carreira, uma vez que o arguido não foi, por exemplo, “apanhado (pela Polícia Judiciária) a ir para a faculdade”.

O que ele pretendia era ser considerado um assassino em massa e ter os cinco minutos de fama. Ele pretendia matar pessoas, mas o objetivo do arguido era causar o pânico, era ficar famoso, era ser conhecido depois de praticar este ato.”

“O Ministério Público não tem qualquer dúvida de que o arguido praticou um crime de terrorismo“, acrescentou a procuradora. E utilizou o exemplo do ataque à Academia do Sporting, em 2018, para que se perceba o que está em causa num crime de terrorismo e por que razão não pode estar em causa o crime de tentativa de homicídio.

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Então, nessa altura, em Alcochete,  existia “um caso concreto, porque eles (adeptos que invadiram a Academia do Sporting) queriam atingir os jogadores e treinador do Sporting. Aquele alvo era concreto. As pessoas que estavam na rua não tinham nenhum receio, porque aquelas pessoas só queriam atingir o Sporting”.

Já no caso em que João Carreira está a ser julgado, continuou o MP, “o arguido, quando refere que queria matar pelo menos três pessoas, não refere o motivo, era qualquer pessoa”. E aqui é que está a particularidade que o MP considera que configura um crime de terrorismo, uma vez que o jovem de 19 anos não tinha um alvo concreto.

O que potencia o medo na população não é um assassinato cometido nesta pessoa ou naquela, mas sim o facto de vários alvos sem motivo. A marca de água do terrorismo é mesmo esta indiscriminação, porque qualquer um de nós pode ser o alvo desse ato. O Ministério Público entende que este elemento se verifica.”

A parte da saúde mental não foi, no entanto, esquecida pelo Ministério Público, que reconheceu as falhas que existem no acompanhamento e tratamento da saúde mental em Portugal. “O Ministério Público não é alheio à idade do arguido, nem aos problemas de saúde do arguido. Mas, mesmo depois de o funcionário da loja ter referido que a Polícia Judiciária andava a procura dele, o arguido não desistiu, manteve o propósito e continuou”, explicou a procuradora, para mostrar, mais uma vez, que existia intenção e motivação.

O Ministério Público está convicto de que o arguido, acompanhado psicologicamente, poderá encontrar o seu caminho, após o cumprimento desta pena que o Ministério Público entende ser a adequada.”

“O alarme social não foi originado por qualquer intervenção pública do João, mas pelos elementos da Polícia Judiciária”

Depois da procuradora do Ministério Público, o advogado do jovem de 19 anos, Jorge Pracana, sublinhou a sua discordância com o pedido de condenação do MP e acusou as autoridades de provocar um enorme “alarme social” com este processo. “O alarme social não foi originado por qualquer intervenção pública do João, mas, pura e simplesmente, pelos elementos da Polícia Judiciária, que numa conferência de imprensa vieram anunciar a situação.”

“Tudo se passou no segredo de Deus, não fosse o alarme da Polícia Judiciária”, acrescentou Jorge Pracana, que considerou “desmedido” o pedido do Ministério Público e entendeu que João deveria ser absolvido do crime de terrorismo. Apesar de defender a absolvição pelo crime de terrorismo, o advogado não descartou a condenação pelo crime de detenção de arma proibida.

O advogado de João Carreira recordou as declarações feitas pelo jovem e pelas testemunhas levadas pela defesa nas últimas duas sessões e voltou a sublinhar os problemas psicológicos de João, a falta de acompanhamento na área da saúde mental que existe em Portugal, e voltou a falar sobre um relatório feito pelo Hospital de Coimbra, que “reporta a incapacidade do João em utilizar esse tipo de armas, porque ele tinha dificuldades no manuseamento” de objetos. “Não consegue apertar os atacadores”, acrescentou o advogado.

“Conseguia discernir o certo do errado”

A defesa trouxe várias testemunhas para falar em tribunal e algumas foram mais esclarecedoras do que outras. O perito da Polícia Judiciária Bruno Trancas revelou que João Carreira “estava afeto de uma perturbação depressiva, que influencia as escolhas, mas esta não era de tal forma grave que o impedisse de agir de outra forma”.

O jovem de 19 anos sofria, na altura da preparação do ataque, de uma depressão e já tinha sido diagnosticado com perturbação do espectro do autismo. No entanto, estas perturbações “não lhe toldavam uma distorção daquilo que era certo ou errado”, sublinhou o perito da PJ. E acrescentou: “Apesar de ter a vontade, foi adiando. Parece-me que é uma evidência, que ele conseguia discernir o certo do errado.”

“Moralmente é errado matar uma pessoa”

Na primeira sessão deste julgamento, João respondeu às questões do coletivo de juízes e à procuradora do Ministério Público. E explicou o que o levou a planear o ataque, como elaborou o plano e quais os motivos que o levaram a adiar o ataque quatro vezes. No entanto, o seu discurso foi variando entre a vontade que, alegadamente, teria para fazer o ataque e a falta de coragem.

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“Sinto que era péssima a minha ideia, porque moralmente é errado matar uma pessoa”, disse. Mas antes desta explicação, João tinha indicado que o seu objetivo era matar, no mínimo, três pessoas, porque “só a partir daí é que é considerado assassínio em massa”.

O plano de João estaria marcado para o dia 11 de fevereiro, mas o jovem adiou o plano quatro vezes. E o mesmo plano foi denunciado às autoridades internacionais alguns dias antes por “uma pessoa não identificada”, adiantou o Ministério Público no final de julho. Este caso envolveu o FBI, já que foi esta autoridade a transmitir “a informação à Polícia Judiciária, permitindo assim a realização e diligências que conduziram à detenção do arguido em flagrante delito”.

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O jovem ficou em prisão preventiva logo em fevereiro, mas as medidas de coação foram alteradas em maio. Nessa altura, o Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa decidiu internar preventivamente o jovem no Hospital Prisional de Caxias.