Enviado especial do Observador em Doha, no Qatar
– Não falou ninguém da Argentina quando passou na zona de entrevistas rápidas.
– Não passou? Mas como se era obrigatório?
– Não passou…
Expliquemos a conversa supracitada. A zona mista inicialmente ia sofrer algumas alterações mas na verdade continua igual à de outras edições, com essa nuance de três jogadores passarem pela zona de entrevistas rápidas, pararem depois em três locais até se encaminharem para os balneários (neste caso estava tudo separado por internacional, espanhol e árabe) e só depois virem os restantes elementos que podem ou não falar consoante os gostos, as vontades e/ou a paciência dos assessores. E era isso que estava em teste depois do Argentina-Arábia Saudita, que acabou com a maior surpresa até agora neste Mundial.
No caso dos sul-americanos, só o facto de não ter passado ninguém pela flash interview “interior” já era um sinal mas nem por isso grande parte dos jornalistas arredaram pé nem que fosse para fazer passar Lionel Messi. Já depois de muitos sauditas (que também não quiseram falar apesar do sorriso de orelha a orelha que levavam do balneário até ao autocarro) terem passado, começaram a sair os argentinos. No primeiro grupo a abandonar aquela zona passando pelos jornalistas, que era mais pequeno, Enzo Fernández ia no meio.
– Enzo, para Portugal…
– Desculpa, não posso…
Um pouco depois, um grupo maior onde estavam alguns dos principais craques argentinos com Otamendi e o seu inseparável mate. Neste caso, nem olhou em frente e seguiu. E ainda houve mais tarde Ángel di María, neste caso sozinho e em passo apressado a apontar para trás dizendo “Tens de perguntar a ele” enquanto olhava para o assessor. Emiliano Martínez, que viu duas bolas enquadradas com a sua baliza resultarem noutros tantos golos em que não teve hipóteses, foi o raro exemplo que ainda falou na zona mista, dizendo que nada estava perdido, que a partir de amanhã teriam de levantar a cabeça e que ninguém poderia prever algo do género tendo em conta que a Argentina levava um total de 36 jogos sem qualquer derrota.
Faltava apenas Lionel Messi, que além de estrela da equipa e da competição é também o capitão e líder do conjunto das Pampas. E o número 10 deu a cara, falando na zona de entrevistas para a TV e parando uma vez, logo no início do caminho ziguezagueante que teria de fazer, para a imprensa escrita. “Peço às pessoas que confiem em nós. Este grupo não os vai deixar mal e ainda faltam dois jogos. Sabemos que estamos obrigados a ganhar mas já jogámos várias partidas com essas características. Agora é o momento para estarmos mais unidos do que nunca, temos de ser fortes. Há muito tempo que não perdíamos mas agora temos de começar a preparar o jogo com o México”, comentou o jogador do PSG, que piscou ainda o olho a um jornalista conhecido a caminho do autocarro e foi a tempo de tirar uma só selfie no final.
“Em algum momento poderia acontecer isto. Agora vem o México e temos de conseguir os três pontos. Hoje podíamos ter ganho 5-0 tranquilamente. Os foras de jogo foram sempre por muito pouco. Eles chegaram lá duas ou três vezes e marcaram”, salientara antes Di María. Era quase como um cortejo fúnebre com Messi, o patriarca da albiceleste, a fazer a homenagem final num dia que ainda não foi de luto por não decidir nada mas que deixou toda a delegação da Argentina (e é melhor falar mesmo em delegação porque só com o capitão vieram quatro assessores) visivelmente cabisbaixa – tal como os seus adeptos após o jogo.
Quem parou para falar pouco mais de um minuto e neste caso até entre o português e o inglês foi Saleh Al-Shehri, avançado de 29 anos que marcou o golo do empate antes da reviravolta história dos sauditas contra a Argentina e que, fazendo a formação no Al-Ahli, teve passagens em Portugal por Mafra e Beira-Mar ao longo de uma época e meia entre o início de 2012 e o verão de 2013 antes de voltar, passar depois em 2015 pelo Al-Raed e mais recentemente, em 2020, pelo Al Hilal, levando 11 golos em 21 jogos na seleção A.
“Conseguimos ganhar a este grande team, foi um espectáculo para nós e nós agora tem três pontos mas faltam dois games, dois jogos desculpa…”, começou por dizer. “Posso responder agora em inglês? Quando uma pessoa acredita em si, é capaz de fazer tudo, foi isso que fizemos hoje. Thank you“, atirou a caminho da zona de regresso aos balneários para o banho antes do jogo. “Se achava que era possível? Temos confiança em nós, no que fazemos”, comentou ainda em português, antes de acabar de novo em inglês: “Não interessa quem é a outra equipa do outro lado, se acreditas em ti podes conseguir o que quiseres”.