Quando Blake Martinez entrou no mundo das cartas colecionáveis, fê-lo, em parte, para honrar Richard Blau, o amigo de infância que morreu depois de uma luta contra um cancro ósseo com apenas 14 anos. “Traz de volta as memórias de quando jogávamos o jogo de cartas do Pokémon, e era uma diversão total”, revelou ao ESPN o linebacker da National Football League (NFL, a liga de futebol americano dos Estados Unidos). “Traz de volta as memórias fixes de quando estávamos a crescer”.
Como muitas outras crianças da sua geração, Martinez e Blau foram ávidos jogadores de Pokémon, a conhecida marca que teve origem nas consolas de videojogos e que rapidamente se expandiu, entre outras coisas, às cartas colecionáveis e a uma famosa série de televisão.
Com o passar dos anos, o jogador de futebol americano deixou o hobby para trás. Quando regressou, fê-lo de uma forma muito diferente. Martinez está longe de ser a primeira celebridade a investir neste negócio — e trata-se mesmo de um investimento. Nomes conhecidos, que vão desde o DJ Steve Aoki ao rapper Logic, passando por Justin Bieber, que nas redes sociais já fez várias publicações exibindo a sua impressionante coleção:
Justin via Instagram Stories pic.twitter.com/WIHAClVlmI
— Justin Bieber News (@yourbiebernews) September 20, 2019
Os valores envolvidos são impressionantes: Steve Aoki vendeu parte da sua coleção por três milhões de dólares (2,89 milhões de euros); Logic vendeu uma carta rara de primeira edição por 200,000 euros.
O próprio Martinez também já investiu grande parte do seu dinheiro neste mercado e, recentemente, atingiu um marco impressionante, ao ver uma das suas cartas avaliada com uma raríssima pontuação de 9.5 em 10 pelos especialistas da CGC Trading Cards, uma empresa dedicada a avaliar cartas deste tipo. A avaliação rendeu um prémio bem real: 672,000 dólares (cerca de 647,000 euros) em leilão.
Coincidência ou não, apenas 11 dias após a venda, o atleta anunciou no início deste mês a sua retirada dos relvados da NFL. Na publicação de despedida, no Instagram, o linebacker de 28 anos explica: “Decidi terminar a minha carreira agora para me poder focar na minha família e paixões futuras”. As paixões concretas não foram especificadas, mas não seria surpreendente vê-lo a enveredar ainda mais no mundo das cartas.
O “efeito pandemia” e o “efeito Logan Paul”
Mas porquê agora? A pergunta impõe-se por uma variedade de motivos, a começar pelo facto de que as cartas Pokémon não são exatamente novas: pelo contrário, começaram a ser comercializadas há 26 anos e desde sempre gozaram de imensa popularidade.
No entanto, como afirmou o criador de conteúdos RealBreakingNate ao Business Insider, “neste momento, o boom das cartas de Pokémon é maior do que quando chegou inicialmente aos Estados Unidos nos anos 90″. O poketuber (portmanteau usado para descrever youtubers focados em criar conteúdos em torno do jogo) ganha a vida publicando vários vídeos por semana em que mostra a sua coleção para os seus 1,26 milhões de subscritores, e não tem dúvidas quanto à popularidade dos Pokémon: “Provavelmente está no ponto mais alto de sempre em 25 anos”.
Há algumas razões que explicam o maior sucesso recente. Para começar, a explosão de popularidade de Pokémon GO que, em 2016, viu milhões de pessoas de todas as faixas etárias (muitas das quais que nunca tinham jogado um videojogo), a aventurar-se no mundo real, de telemóvel em riste, em busca destas criaturas imaginárias. No seu pico de atividade, o jogo reuniu mais de 200 milhões de utilizadores ativos em todo o mundo. E se, por um lado, estes valores foram baixando quanto à aplicação em si, traduziram-se num boost da popularidade da franquia, reacendendo a paixão de fãs antigos e atraíndo novos “convertidos”.
As condições já eram propícias para um crescimento no mercado de cartas colecionáveis, e tornaram-se ideais quando, no início de 2020, o mundo se viu a braços com uma pandemia de Covid-19 — resultando em milhões de fãs de Pokémon que, confinados às suas casas, se descobriram com tempo livre e dinheiro de sobra para gastar.
De acordo com dados do site TCGplayer.com, um dos maiores sites de revenda de cartas, 16,2 milhões de cartas foram enviadas a jogadores e lojas em todo o mundo em 2020. No mesmo período, o valor das cartas mais caras aumentou em 466%.
Entre os itens mais procurados estão as cartas de primeira edição, especialmente valiosas para uma geração cuja infância esteve intimamente ligada aos Pokémon. Para se ter uma ideia, um baralho-padrão de primeira edição foi vendido por 408,000 dólares (393,000 euros) em janeiro de 2021.
Mas a nostalgia e a pandemia por si só não explicam tudo. Para isso, é preciso olhar para o fenómeno de Logan Paul.
Uma das mais influentes personalidades nas redes sociais, o norte-americano é um verdadeiro caso de estudo. Ao longo dos anos, o seu nome esteve envolvido em várias polémicas — a maior das quais quando, em 2018, filmou um corpo numa floresta do Japão conhecida por ser um lugar comum para suicídios.
De lá para cá, Paul trabalhou no sentido de reabilitar a sua imagem: começou um podcast, e enveredou pelo mundo dos desportos de combate, primeiro no boxe, em que chegou a participar numa exibição contra Floyd Mayweather, e mais recentemente no wrestling, assinando um contrato com a World Wrestling Entertainment (WWE).
Pelo meio teve um impacto indelével na indústria das cartas de Pokémon quando no seu canal de YouTube, comprou uma caixa de cartas de primeira edição por 200,000 dólares (192,000 euros) e as leiloou em direto para os seus mais de 23 milhões de subscritores, com todos os lucros a reverterem a favor de instituições solidárias:
“Um amigo meu sugeriu que podia ser um bom conteúdo com várias vantagens: sentir-me como um míudo outra vez, produzir um vídeo fantástico, lucrar, angariar dinheiro para caridade e amplificar a indústria”, afirmou Paul ao Business Insider, quando questionado sobre a origem da ideia.
Nem Paul poderia prever o impacto que o vídeo teria. O TCGplayer.com reportou um pico nos preços das cartas. Nos meses seguintes, o próprio Logan Paul gastou cerca de 2 milhões de dólares (1,93 milhões de euros) em cartas. Já em 2022, quebrou um recorde do Guiness ao pagar mais de 5 milhões de euros por uma só carta — uma Illustrator do personagem Pikachu (a mesma que Martinez vendeu em leilão).
O futuro deste mercado é incerto. A sua lógica baseia-se na escassez das cartas e, uma vez acabado esse número finito, a bolha poderá rebentar.
Há também quem veja o panorama futuro com otimismo. Blake Martinez é um dos que acredita no potencial da indústria. “O céu é o limite”, sublinha.