Os Campeonatos do Mundo, por colocarem frente a frente inúmeras seleções de todos os continentes, são o contexto ideal para reencontros felizes. Basta olhar para os quartos de final do Mundial do Qatar: no Croácia-Brasil, Casemiro e Modric defrontam-se depois de terem partilhado o meio-campo no Real Madrid durante vários anos; no Inglaterra-França, Harry Kane enfrenta Lloris, cruzando-se duas das grandes figuras do Tottenham; no Marrocos-Portugal, o capitão Saïss revê José Sá e Rúben Neves, com quem jogou no Wolverhampton. No Países Baixos-Argentina, porém, os reencontros não são assim tão felizes. 

De um lado, o selecionador Louis van Gaal. Do outro, o avançado Ángel Di María. A relação entre treinador e jogador é historicamente difícil e complexa e, mesmo vários anos depois de os dois se terem cruzado, é claro que não existirá um abraço caloroso entre neerlandês e argentino na partida desta sexta-feira.

A história começa em 2014, quando Di María trocou o Real Madrid pelo Manchester United na sequência do Mundial do Brasil que a Argentina perdeu na final para a Alemanha. O avançado que passou pelo Benfica chegou a Old Trafford a troco de mais de 60 milhões de euros, tornando-se a contratação mais cara de um clube inglês até então e uma das transferências mais valiosas de sempre. O treinador dos red devils, na altura, era precisamente Louis van Gaal, que sucedeu a David Moyes depois de o escocês ter desiludido na tarefa de ser o herdeiro de Alex Ferguson.

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A passagem de Di María pelo Manchester United, porém, começou desde logo com o pé esquerdo. Mal aterrou em Inglaterra, o avançado argentino escreveu uma carta aos adeptos do Real Madrid onde garantia que não deixou os merengues por vontade própria. “O meu ciclo no Real Madrid chegou ao fim. É impossível abordar tudo o que vivi no clube em poucas linhas mas espero que esta carta transmita tudo aquilo que sinto atualmente. Tive a honra de vestir esta camisola nos últimos quatro anos e tudo o que sinto é orgulho por tudo aquilo que atravessei e alcancei com os meus colegas”, começou por dizer.

“Infelizmente, tenho de ir. Mas quero deixar claro que esse nunca foi o meu desejo. Tal como todas as pessoas em qualquer profissão, sempre quis progredir. Depois de ganhar a Liga dos Campeões, fui para o Mundial na esperança de receber um gesto por parte da direção, que nunca chegou. Muitas coisas, muitas mentiras, foram ditas. Alguém pode não gostar de mim. A única coisa que pedi foi algo justo. Valorizo muitas coisas e muitas delas não têm nada a ver com o meu salário […] Quero pedir desculpa pelos meus erros, dentro e fora de campo. Nunca foi minha intenção magoar alguém”, defendeu Di María.

Dentro de campo, porém, nada melhorou. O internacional argentino herdou o ‘7’ que tinha sido de Best, Cantona, Beckham e Ronaldo mas ficou uma única temporada em Old Trafford, registando apenas quatro golos em 32 jogos sem conquistar qualquer troféu. No verão de 2015, Di María não embarcou com a comitiva dos red devils para o estágio de pré-época nos Estados Unidos, com Van Gaal a garantir que não conhecia o motivo da ausência do jogador. Semanas depois, depois de muita especulação, Di María foi assinou por quatro anos com o PSG e foi anunciado como o novo reforço do clube francês.

Angel di Maria Press Conference

No dia da apresentação, quando tudo ainda estava bem entre treinador e jogador

Já em Paris, em duas entrevistas distintas, o antigo avançado do Benfica não poupou as palavras para falar de Van Gaal. “Em Inglaterra, o meu único problema foi o treinador. O Van Gaal foi o pior treinador que tive na carreira, era insuportável. Eu marcava e assistia num jogo e, no dia seguinte, ele vinha conversar comigo para me mostrar vídeos dos passes que eu tinha falhado. Ele pôs-me de lado desde o primeiro dia, não gostava de que os jogadores fossem mais importantes do que ele”, disse Di María ao TyC Sports. Mais tarde, à ESPN argentina, prolongou as críticas.

“As críticas sobre os passes, sobre os erros nos passes, atiravam-me abaixo. Até que chegou o dia em que me fartei e perguntei por que é que não me mostrava também as coisas boas. Não gostou e a partir daí deixei de jogar”, acrescentou, queixando-se também das recorrentes mudanças de posição no terreno de jogo e recordando que Van Gaal teve problemas com outros jogadores ao longo da carreira — como Van Bommel no Bayern Munique, Rivaldo no Barcelona e Chicharito no Manchester United.

Em 2015, pouco depois de Di María deixar Inglaterra e rumar ao PSG, o treinador neerlandês respondeu às críticas do argentino. “Há jogadores que não sabem olhar para eles próprios, não sabem ver o que renderam. E depois a culpa é sempre do treinador. Ele está nessa classe de jogadores, não sabe fazer autocrítica. Infelizmente, esta é a vida de um treinador”, atirou Van Gaal.

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Sete anos depois, nos quartos de final de um Mundial do Qatar onde Van Gaal é selecionador neerlandês e Di María está agora na Juventus depois de sete temporadas bem sucedidas no PSG, surge o reencontro — e as palavras do argentino, naturalmente, voltam a ecoar. Na conferência de imprensa de antevisão da partida desta sexta-feira contra a Argentina, o treinador foi questionado sobre as críticas do avançado e até aproveitou a presença de Memphis Depay, que também estava no Manchester United no mesmo período, para voltar a defender-se.

“Lamento muito que o Dí María tenha dito, uma vez, que fui o pior treinador que ele alguma vez teve. Aqui ao meu lado está o Memphis Depay, que também estava no Manchester United na altura e passou pelo menos. E agora beijamo-nos na boca”, disse Van Gaal, em jeito de brincadeira, continuando o comentário logo de seguida. “É assim que as coisas funcionam no futebol. As pessoas riem-se mas eu também passei o Depay para último na lista de opções para o ataque. Isso não é nada divertido, acreditem em mim. Um treinador não faz isso sem um motivo. Talvez tenha sido a decisão errada. Agora vejam bem como nos tratamos um ao outro. Ele não quer um beijo na boca, o que é uma pena, mas estamos bem”, terminou.