A Rússia e a França manifestaram esta segunda-feira “preocupação” pelo aumento de tensão no Kosovo, com Moscovo e Paris a responsabilizarem separadamente cada uma das partes em conflito pelos incidentes do fim de semana.
A porta-voz do ministério russo dos Negócios Estrangeiros, Maria Zakharova, alertou para o “novo agravamento da situação nessa região da Sérvia” e disse que a situação está a ser acompanhada “24 horas por dia”, denunciado a “série de provocações movidas pelas autoridades de Pristina com a conivência dos Estados Unidos e União Europeia”.
Segundo Moscovo, o objetivo das “provocações” é “claro”, e tem por objetivo “tomar o controlo das regiões do norte não albanesas da província”.
“Devido à resistência dos sérvios kosovares, que contam com o apoio de Belgrado, foi possível até agora evitar incidentes importantes”, adiantou a porta-voz da diplomacia russa.
Zakharova atribuiu a responsabilidade pela degradação da situação “aos líderes dos kosovares” e aos seus “protetores” ocidentais, em particular Washington, e considerou que a atual situação evidencia o “estrondoso fracasso” da mediação europeia para solucionar o conflito.
Em paralelo, a França indicou estar “muito preocupada” pelas tensões no norte do Kosovo e o ataque “inaceitável” contra as forças policiais da União Europeia (UE) ocorrido na noite de sábado para domingo.
“A França está muito preocupada pela situação no norte do Kosovo e condena firmemente o ataque inaceitável contra a missão EULEX Kosovo e os atos de violência no terreno”, indicou o Ministério dos Negócios Estrangeiros em comunicado.
Paris apelou às partes em conflito para exercerem “a maior contenção possível e demonstrarem responsabilidade para fazer baixar as tensões”. O comunicado também recorda o apoio da França à mediação europeia entre a Sérvia e o Kosovo, que deve permitir “progredir em direção a um acordo global”, e exortou “as suas partes a voltarem a regressar ao diálogo”.
O alto representante para a política externa da UE, Josep Borrell, também exortou hoje os líderes da Sérvia e do Kosovo a adotarem medidas para a redução da tensão e considerou “preocupante” o bloqueio de estradas pelos sérvios kosovares nos municípios de Zvecan e Leposavic, com numerosos veículos pesados junto a dois importantes pontos de passagem na fronteira com a Sérvia.
Em simultâneo, centenas de sérvios locais tentavam impedir que a polícia kosovar transportasse para Pristina um ex-polícia sérvio kosovar que foi detido por suspeitas de organizar “atos terroristas”.
A polícia da UE deslocada na região no quadro da EULEX disse ter sido alvo de uma granada ensurdecedora, que não provocou feridos.
E algumas horas após o início dos bloqueios rodoviários, a polícia disse ter sido alvo na noite de sábado de três ataques sucessivos com armas de fogo numa das estradas que conduz à fronteira, sem registo de feridos.
No domingo, em mensagem no Twitter, Borrell pediu que os sérvios kosovares retirassem “imediatamente” as barricadas erguidas nas estradas.
A Presidente do Kosovo, Vjosa Osmani, anunciou em paralelo o adiamento para abril de 2023 das eleições no norte do Kosovo, previstas para o próximo domingo, uma decisão justificada pelo aumento das tensões, e que o principal partido sérvio disse pretender boicotar.
Em Belgrado, o Presidente sérvio, Alexandar Vucic, também reagiu à situação e anunciou que vai pedir formalmente às forças da NATO estacionadas no Kosovo (Kfor) autorização para enviar soldados e polícias sérvios para a sua ex-província, para proteger a população sérvia local “em conformidade com a resolução 1244 do Conselho de Segurança da ONU”.
As tensões entre a Sérvia entre o Kosovo e a Sérvia têm-se agravado nos últimos meses, a níveis que não ocorriam desde há vários anos.
Belgrado nunca reconheceu a secessão unilateral do Kosovo em 2008, proclamada na sequência de uma guerra iniciada com uma rebelião armada albanesa em 1997 que provocou 13.000 mortos, na maioria albaneses, e motivou uma intervenção militar da NATO contra a Sérvia em 1999, à revelia da ONU.
Desde então, a região tem registado conflitos esporádicos entre as duas principais comunidades locais, num país com um terço da superfície do Alentejo e cerca de 1,7 milhões de habitantes, na larga maioria de etnia albanesa e religião muçulmana.
O Kosovo independente foi reconhecido por cerca de 100 países, incluindo os Estados Unidos, que mantêm forte influência sobre a liderança kosovar, e a maioria dos Estados-membros da UE, à exceção da Espanha, Roménia, Grécia, Eslováquia e Chipre.
A Sérvia continua a considerar o Kosovo como parte integrante do seu território e Belgrado beneficia do apoio da Rússia e da China, que à semelhança de dezenas de outros países (incluindo Índia, Brasil ou África do Sul) também não reconheceram a independência do Kosovo.
A UE considera que a normalização das relações entre a Sérvia e o Kosovo é condição indispensável para uma potencial adesão.