Os adolescentes portugueses estão mais infelizes e são agora mais os que se sentem irritados, nervosos ou tristes diariamente, segundo um estudo que será divulgado esta quarta-feira e que leva os especialistas a pedirem mais respostas em saúde mental.
“É fundamental haver uma melhor articulação entre a escola e os serviços de saúde para, de um modo geral, para todos, trabalhar ao nível da prevenção, e naqueles jovens que efetivamente precisam de apoio mais especifico, dar uma resposta rápida”, considera Tânia Gaspar, que coordena desde 2020 o Estudo Health Behaviour in School-aged Children (HBSC/OMS), feito em colaboração com a Organização Mundial de Saúde.
O estudo, cujos resultados vão ser apresentados esta quarta-feira em Lisboa, contou com a participação de 51 países. A nível nacional, o HBSC/OMS 2022 foi realizado pela equipa Aventura Social, do ISAMB/Universidade de Lisboa, em parceria com a Direção-Geral da Saúde (DGS) e a Direção-Geral das Estatísticas da Educação e Ciência (DGEEC).
Os resultados, a que a Lusa teve acesso, indicam que, em comparação com o último ano estudado em Portugal (2018), baixou a satisfação com a vida (passou de um valor médio de 7,68 para 7,50) nos jovens de 11, 13 e 15 anos, assim como a perceção de felicidade. Mais de um em cada quatro (27,2%) adolescentes em idade escolar disseram sentir-se infelizes (18,3% em 2018).
“Nestas idades, o impacto que tem no desenvolvimento ainda é maior. É como se eles estivessem sempre a crescer e, se se estão a desenvolver com estas dificuldades, isto vai ter um efeito “bola de neve” e vai acabar por afetar as suas oportunidades. O quanto antes é importante dar uma resposta”, explicou Tânia Gaspar, em declarações à agência Lusa.
Segundo os dados recolhidos, os sintomas físicos e psicológicos também aumentaram: 12,2% dos estudantes disseram ter dores nas costas quase todos os dias (8,6% e 2018) e 8% têm dores de cabeça quase diariamente.
Quanto aos sintomas psicológicos, 21% (13,6% em 2018) disseram sentir nervosismo quase todos os dias, 15,8% mau humor ou irritação quase todos os dias, 11,6% tristeza quase diariamente e 9,1% medo.
Os comportamentos autolesivos também aumentaram, passando de 19,6% para 24,6%. Dos jovens que referem já se terem magoado de propósito (autolesão), o braço continua a ser o local do corpo onde mais de magoam.
Em declarações à Lusa, Tânia Gaspar disse que o estudo deste ano foi aquele em que maiores diferenças se notaram: “Nunca notamos tanta diferença em vários indicadores”, disse, explicando que os resultados deste ano acabam por ser influenciados pela pandemia, pela guerra na Ucrânia e pela recessão económica.
A especialista destacou o “agravamento global ao nível da saúde e do bem estar”, sublinhando que “aumentou o número de jovens que, além de doença crónica, têm doença relacionada com o foro psicológico”.
“Existe sempre um grupo de jovens, embora seja uma minoria, em que o impacto foi maior. (..) Poderá ter que ver com uma situação prévia, podiam já ter alguma fragilidade (…). E esses jovens precisarão de um apoio mais específico, nomeadamente através da psicologia, não só no contexto escolar, mas depois no contexto de saúde”, alertou, defendendo a necessidade de “uma forma ágil” de encaminhar estes jovens.
Aliás, quando questionados sobre qual a questão em que a pandemia de Covid-19 teve mais impacto, os adolescentes responderam que foi a saúde mental.
Contaram ainda que, no último mês, tomaram pelo menos uma vez medicação para a tristeza (10%), para o défice de atenção/hiperatividade (7,4%) e para o nervosismo (16%). Mais de metade (53,9%) disse ter tomado pelo menos uma vez no último mês medicamentos para a dor de cabeça.
Há 17,9% que referem dificuldades em adormecer todos os dias, 22,8% diz que quando tem uma preocupação intensa esta “não o larga” e “não o deixa ter calma para pensar em mais nada” e mais de um em cada quatro (25,1%) sentem que as suas dificuldades se acumulam de tal modo que não as conseguem ultrapassar.
Apesar de a maioria dizer que dorme bem, mais de três em cada quatro (84,6%) dizem que lhes custa acordar de manhã e mais de metade refere falta de qualidade do sono (dificuldades em adormecer, dormir demais, acordar cedo demais e acordar a meio da noite). Quase metade (46,2%) dorme menos de oito horas/dia e, ao fim de semana, há uma compensação pois é nessa altura que mais de metade (55,8%) diz dormir mais do que as oito horas.
Houve ainda 14,6% que disseram ter tomado, no último mês, pelo menos uma vez medicação para a dificuldade de adormecer.
Em Portugal, o primeiro destes estudos foi aplicado em 1998 e o último tinha sido em 2018. O estudo, que entre 1998 e 2019 foi coordenado pela psicóloga Margarida Gaspar de Matos, integrou este ano cerca de 6.000 questionários, em 40 agrupamentos de escolas do ensino regular (Portugal continental), num total de 452 turmas. As respostas são de alunos do 6.º, 8.º e 10.º anos de escolaridade.
Este trabalho pretendeu estudar os estilos de vida dos adolescentes em idade escolar nos seus contextos de vida, em áreas como o apoio familiar, escola, saúde física, saúde mental e bem-estar, sono, sexualidade, alimentação, atividade física, lazer, consumo de substâncias, violência e saúde planetária.