Uma semana foi suficiente para mudar a opinião do grupo parlamentar da Iniciativa Liberal sobre a urgência em discutir a questão da Lei de Bases da Saúde num Conselho Nacional. O projeto para uma nova Lei de Bases da Saúde vindo da Assembleia da República levou à marcação de uma reunião com os conselheiros do partido, porém esta veio a ser cancelada menos de 24 horas antes quando os deputados liberais pedir a retirada documento entregue à Mesa a daquele órgão. O Conselho Nacional explicou que, sem a informação, não havia razão para o debate, o que levou vários conselheiros a falar em “desrespeito” e até a pedirem a demissão da presidente da mesa.

Na passada quinta-feira os conselheiros da Iniciativa Liberal receberam uma convocatória para um Conselho Nacional Extraordinário que se realizaria no dia 21 de dezembro. Na origem da reunião estava o facto de o grupo parlamentar ter recebido a documentação da Lei de Bases da Saúde, o que, segundo a convocatória a que o Observador teve acesso, “justifica a urgência com a oportunidade política do tema Saúde”.

Uma semana depois, os deputados decidiram pedir o adiamento — que acabou por acontecer menos de 24 horas antes da reunião mais importante entre Convenções — para “evitar que o debate em torno de um documento estruturante como a Lei de Bases da Saúde saísse prejudicado pelo atual momento interno em que o partido se encontra”. A justificação só se torna incoerente, olhando para o calendário: a situação eleitoral não se alterou na última semana, tendo em conta que a campanha interna já decorria e que os candidatos se mantêm os mesmos.

Em resposta ao Observador, o grupo parlamentar justificou que um dos objetivos para a realização da reunião em dezembro “passava por não interferir com o período eleitoral interno em janeiro”. “Tendo ficado claro, nos últimos dias, que o debate de um projeto tão estruturante como uma Lei de Bases da Saúde já se encontrava condicionado pela fase interna do partido, os deputados decidiram, por unanimidade, retirar o documento que havia sido submetido ao Conselho Nacional”, sublinhou na mesma resposta.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

O pedido de adiamento, segundo revela a Iniciativa Liberal em resposta oficial, foi “unânime dos oito deputados” (entre os quais os dois candidatos à sucessão de Cotrim Figueiredo) e, perante a informação, o Conselho Nacional aceitou o argumento dos parlamentares e cancelou a reunião, tendo em conta que o único ponto da mesma era “a análise e debate do projeto de lei: Nova Lei de Bases da Saúde”.

A discussão sobre se a Lei de Bases da Saúde deve ser discutida no Conselho Nacional não é recente. O Observador sabe que na última reunião, João Cotrim Figueiredo, presidente demissionário da IL, sublinhou a necessidade da realização uma reunião deste órgão para “debater e ouvir os membros deste órgão sobre o diploma, que o grupo parlamentar da IL pretende apresentar na Assembleia da República”.

Um calendário fechado, um ataque que veio do passado e 13 horas de discussão sem diferenças programáticas

Em resposta ao Observador, o Conselho Nacional explicou ainda que o grupo parlamentar comunicou à presidente da mesa, Mariana Leitão, que “retirava o documento da Lei de Bases da Saúde” que tinha sido entregue uma semana antes e, “não havendo documento a discutir, não faz sentido haver reunião“. Questionado sobre o porquê do recuo, o Conselho Nacional reforçou: “Tendo o grupo parlamentar pedido a retirada do documento é porque houve alterações no entendimento do grupo parlamentar.”

Questionado pelo Observador, o grupo parlamentar da Iniciativa Liberal não esclareceu as razões que levaram os deputados a, num primeiro momento, enviar o documento para o Conselho Nacional e, depois, a retirá-lo, não permitindo a discussão que estava agendada.

A decisão gerou mal-estar entre os conselheiros que consideram “desrespeitosa” a desmarcação da reunião, a um dia de acontecer, principalmente quando alguns membros já tinham pedido que a reunião acontecesse após a Convenção que vai ditar uma nova liderança.

Os pedidos de adiamento dos conselheiros

Quatro dias após a convocatória, um grupo de 16 conselheiros, encabeçado por Rita Vilas Boas, apresentou um conjunto de argumentos e solicitou o adiamento do Conselho Nacional. De acordo com o documento a que o Observador teve acesso, os conselheiros referiam que o último plenário da Assembleia da República se realiza a 22 de dezembro e que não está “agendada qualquer apresentação de propostas à Lei de Bases da saúde”.

Mais do que isso, os conselheiros justificavam que o programa eleitoral com que a IL foi a votos incluía propostas para a reforma da saúde que “foram sufragadas nas urnas em 30 de janeiro” e que a Comissão Executiva que agora cessa funções, “caso tivesse interesse em alterar o programa eleitoral aprovado em dezembro de 2021, teve vários meses para auscultar os conselheiros nacionais sobre essa matéria e nunca o fez”.

Desta forma, era solicitado o adiamento considerando que a Comissão Executiva demissionária “só pode tomar decisões de gestão para o normal funcionamento do partido ou outras em caso de absoluta necessidade ou urgência”, bem como pelo facto de, na visão dos membros assinantes, “não se encontrar justificada a urgência” da reunião extraordinária.

Com o mesmo objetivo, também a conselheira Catarina Maia, membro da atual Comissão Executiva, solicitou que o Conselho Nacional considerasse “nula a convocatória” para a reunião, defendendo desde logo que, apesar da inerência, “os deputados não têm canal de comunicação direto” com aquele órgão.

Não cabe ao grupo parlamentar invocar urgências para convocar o Conselho Nacional, desde logo porque este Conselho não é um órgão ao serviço da bancada parlamentar, mas sim do partido. Teria de ser a Comissão Executiva, se assim o entendesse necessário, a solicitar à presidente do Conselho Nacional a convocação dos membros do Conselho Nacional, para os auscultar em tempo e depois se articular com o grupo parlamentar”, argumentou a liberal.

Ainda sobre a urgência declarada na convocatória, a conselheira Catarina Maia realçou que esta só deveria “ser explicada de forma clara e específica” se estivesse “prestes a ser votada uma Lei de Bases da Saúde proposta por outro partido e a IL se visse constrangida a tomar uma posição num curto espaço de tempo”.

Na exposição de argumentos, a liberal esclareceu que “as reuniões extraordinárias do Conselho Nacional são, como o próprio nome indica… extraordinárias”. “Não se compreende como é que a saúde é, de repente e em vésperas de Natal, e com a Assembleia da República fechada até 3 de janeiro, uma urgência que leva a presidente a convocar os conselheiros, ainda para mais dando-lhes o prazo mínimo para se pronunciarem.”

Perante as críticas, o Conselho Nacional justificou ao Observador que “quaisquer pedidos de adiamento seriam discutidos e votados no início do CN”, mas tendo sido desconvocada a reunião deixou de ser necessário. “Não havendo reunião por o documento que a suportava ter sido retirado pelo grupo parlamentar, não há oportunidade de discutir e votar esses pedidos no CN”, pode ler-se na resposta.

As queixas dos membros e o pedido de demissão

A marcação da reunião extraordinária e o posterior adiamento do Conselho Nacional não caiu bem a vários membros do partido e a Lista B, candidata a esse mesmo órgão na próxima Convenção, pediu a demissão de Mariana Leitão, presidente da mesa do Conselho Nacional.

Em comunicado, a lista encabeçada por Nuno Simões de Melo considera que “não tem condições para concluir o pouco tempo que lhe resta do mandato”. “A presidente da Mesa recusou [ao não se pronunciar] provimento a moções apresentadas pelos conselheiros para o adiamento do plenário para data posterior à VII
Convenção Nacional” e “aceitou a ingerência do grupo parlamentar na vida do Conselho Nacional por atender ao pedido que este lhe dirigiu para o adiamento da sessão extraordinária”, acusa a lista dos ‘liberais clássicos’.

A Lista B considera “um absoluto desrespeito e uma enorme falta de consideração por todos os conselheiros nacionais da Iniciativa Liberal, a não obediência, uma vez mais, ao princípio da separação de poderes” e acusou Mariana Leitão de agir de “forma autocrática” e não ter “condições para permanecer no cargo”.

Um dos exemplos do descontentamento foi partilhado na plataforma utilizada pelos conselheiros da IL para comunicarem. Um dos membros acusou o Conselho Nacional de “desconsideração absoluta pelos membros e pelo órgão” e de ter passado a ser “comandado” pelo grupo parlamentar: “Um membro (eu) desmarca uma viagem de avião para poder estar online na urgência da coisa que, afinal, não tem urgência. Displicência. Falta de respeito”, pode ler-se na mensagem a que o Observador teve acesso.

Críticos acusam direção de Cotrim de “desconsideração” na revisão constitucional e forçam Conselho Nacional extraordinário