Ao longo de cerca de 260 páginas e com prefácio de Helena Sacadura Cabral, a autarquia de Lisboa apresenta vários momentos do primeiro ano do mandato de Carlos Moedas numa edição intitulada “Servir Lisboa”. Na reunião de Câmara desta semana o vereador socialista Pedro Anastácio questionou Carlos Moedas sobre a iniciativa, num tom meio irónico que valeu depois uma resposta pouco concreta. No repique, Moedas falou de “transparência total da agenda num estilo mais europeu”. Socialistas não ficaram satisfeitos com as justificações e deram entrada de um requerimento com cinco questões, entre elas querem saber quanto custou a edição do livro.
Ao que o Observador apurou, o livro, que teve uma tiragem de 500 exemplares, não foi sequer distribuído a todos os vereadores da autarquia. O tema foi levantado pelos socialistas na reunião desta semana, mas sabe o Observador há mais vereadores incomodados com a edição que, nas palavras do PS no requerimento, “é um livro promocional da figura de Carlos Moedas, um book.”
É apanágio dos presidentes de Câmara — não só em Lisboa, mas também — apresentar uma publicação do trabalho efetuado no mandato antes de deixarem o gabinete da presidência, em género de balanço autárquico. E prática comum também, nas juntas de freguesia, por exemplo. Nas últimas autárquicas, o Observador noticiou o caso do autarca do Parque das Nações, socialista, que publicitou o trabalho desenvolvido já depois de marcadas eleições autárquicas (algo proibido pela Lei Eleitoral).
Porque está, então, incomodada a oposição com o livro agora editado pela Câmara Municipal de Lisboa? Ao Observador, explicam os vereadores da oposição que não se trata de retratar o primeiro ano de mandato ou a “obra feita, mas só a atividade do presidente”. Mais, a edição é feita na própria Imprensa Municipal, com recursos da autarquia, de acordo com a ficha técnica do livro.
E esse é, precisamente, um dos pontos em que o requerimento apresentado pelos socialistas toca. “Quanto custou a conceção gráfica, entregue a uma agência externa ao município, e a impressão na gráfica municipal?”, questiona o PS no requerimento a que o Observador teve acesso. A primeira pergunta feita pelos socialistas é a de tentar perceber “qual foi o propósito da edição de um livro centrado na figura do presidente da autarquia, sem qualquer carácter informativo ou de balanço da atividade e execução das políticas seguidas pela autarquia”.
Ainda que Carlos Moedas já tenha afirmado na reunião de Câmara que o desafio partiu da secretaria-geral, o PS insiste na pergunta: “De quem partiu a ideia para utilizar recursos humanos e financeiros da autarquia para um book fotográfico do presidente da Câmara Municipal de Lisboa?”.
“Quem autorizou a proposta para esta edição e quem é que, no final, validou a conceção do presente livro? Quem autorizou a despesa?”, acrescenta ainda o Partido Socialista nas perguntas ao executivo Lisboa. De acordo com a ficha técnica da publicação, consultada pelo Observador, a coordenação ficou a cargo da secretaria-geral da Câmara Municipal de Lisboa e o design e paginação nas mãos de Joana Miguéis.
Ontem, a propósito da revista de natal da CML, pedi a @Moedas que me esclarecesse se esta resulta de um exercício de má gestão ou de narcisismo. São 260 fotos do Presidente para 252 páginas. Ainda não estou esclarecido. pic.twitter.com/jYAJ6T8M9C
— Pedro Anastácio (@ppanastacio) December 22, 2022
“Há uma coisa que aprendi Comissão Europeia. Tem a ver com a transparência total da nossa agenda. Os presidentes da Câmara que me antecederam, normalmente no fim do tempo que aqui estiveram fizeram um livro. A secretaria-geral propôs-me, e eu achei bem, fazer algo mais no sentido europeu, no sentido da transparência total da minha agenda. É importante termos a nossa agenda totalmente transparente. É importante para todos e um sinal que se dá”, afirmou Carlos Moedas na reunião de Câmara desta quarta-feira, depois de questionado pelos socialistas.
Seis discursos, 165 fotografias: O primeiro ano de Moedas à frente da autarquia
Na publicação “Servir Lisboa – Carlos Moedas 2021-2022”, o presidente da autarquia é retratado em mais de uma centena de intervenções públicas. Das cerimónias solenes do 5 de Outubro, à fotografia da praxe com os Noivos de Santo António, passando pela visita ao Mercado de Alvalade, só a título de exemplo. Várias são as situações em que Carlos Moedas é retratado no livro: descerrar placas, ler o semanário, dar entrevistas ou receber homólogos nos Paços do Concelho.
A agenda de um presidente de Câmara é exigente e esse livro parece mostrar isso mesmo. Com os vários meses a serem título dos capítulos, acompanhados por um breve sumário das participações públicas de Carlos Moedas, escreve Helena Sacadura Cabral no prefácio do Livro que este se trata mesmo, caso dúvidas houvesse, da “agenda do presidente da Câmara de Lisboa durante o primeiro ano de mandato.”
Ao lado de Marcelo Rebelo de Sousa ou de António Costa, o executivo fez questão também de integrar imagens das reuniões de Câmara no levantamento do último ano. Os 30 anos da Meia Maratona de Lisboa, a 21 de novembro, também estão assinalados na publicação, com duas fotografias do presidente da autarquia sorridente e equipado a rigor para participar no evento.
Quanto aos discursos, a equipa responsável pelo livro “Servir Lisboa” selecionou apenas seis. O discurso a tomada de posse; o discurso da inauguração do Museu do Tesouro Real a 1 de junho; o discurso na Conferência dos Oceanos das Nações Unidas, a 27 de junho; o discurso na consignação das obras do Plano Geral de Drenagem de Lisboa; o discurso nas cerimónias do 5 de Outubro e a intervenção no debate sobre o Estado da Cidade, este último especialmente duro para António Costa.
Carlos Moedas assina o primeiro texto, de duas páginas, onde faz uma reflexão do que foi o primeiro ano à frente da autarquia e a leitura do plano nacional e internacional.
“Este primeiro ano foi um período de decisões. De muito trabalho de avaliação, de preparação e de uma negociação própria de uma gestão que não dispõe de maioria absoluta, mas que sabe também dispor de um mandato claro que lhe foi conferido pelos eleitores. Este foi já igualmente um tempo de intenso esforço para pôr em marcha muitos projetos vindos de anteriores executivos e outros desencadeados pela atual gestão. Foi já um ano forte de concretizações”, escreve Moedas lembrando que “oito das doze medidas já foram executadas ou estão em andamento.”
Destaca o presidente da autarquia que “Lisboa foi escolhida como uma das 100 cidades europeias que serão neutrais em carbono até 2030” e que o seu executivo “lançou o maior programa de habitação dos últimos 10 anos”, tendo “acelerado a aprovação de projetos” na área do urbanismo. Mas também não nega que “persistem problemas na higiene urbana“.