Na era pós-Covid, com a Praça do Município novamente engalanada para as cerimónias do 5 de Outubro, Carlos Moedas estreou-se no rigoroso protocolo que a curta cerimónia exige. Com os militares da GNR em parada, a aguardar a revista do Presidente da República, o presidente anfitrião acompanhou Marcelo Rebelo de Sousa à rua do Arsenal, minutos antes de começar o discurso onde apontou ao futuro e manteve a mira nos socialistas. Sem atrasos dignos de registo — e com a complacência do silêncio dos professores que ali ao lado se manifestavam — nada havia a incomodar as cerimónias deste ano com cerca de 200 convidados.

E se parte dos recados de Moedas foram para a oposição que tem sofrido no governo da autarquia lisboeta, as restantes críticas foram mesmo diretas à maioria absoluta de António Costa — que o ouvia atentamente uns metros mais ao lado, depois de inicialmente ter informado que seria a ministra Mariana Vieira da Silva a representá-lo na cerimónia.

Carlos Moedas começou o discurso por recordar os 900 anos de história de Portugal, para dizer que a nação sempre “recusou estagnação” e que a evolução que se viveu ao longo dos tempos só foi possível graças “ao confronto“. “Somos um país que evoluiu através do confronto. Do confronto das várias visões de país que as várias forças políticas, sociais e económicas sempre tiveram e têm sobre o nosso país”, disse Moedas, que tem vivido e convivido bem de perto com esse confronto no primeiro ano de mandato como presidente, de direita, de uma autarquia onde a maioria dos vereadores é de esquerda. E começavam ali mesmo as analogias de Carlos Moedas para o que vive na autarquia e, mais além, o recado para António Costa (que haveria de ser depois reforçado claramente por Marcelo Rebelo de Sousa).

“Uma verdadeira República não é, nem poderia ser a República de um partido”, disse Carlos Moedas numa altura em que o Partido Socialista governa o país com uma maioria absoluta consolidada e 2026 como data limite para o fim da legislatura. É certo que Moedas se referia aos “falhanços do regime” que, disse, “em nome da república foi inoperante, instável e divisivo” e que a consequência foi “uma longa ditadura”. Mas este foi também um alerta velado. Carlos Moedas atacava a maioria absoluta de António Costa e parecia instar também os restantes partidos, onde se inclui o seu PSD, à ação.

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Versando a política nacional, e por arrasto a local, Carlos Moedas fez questão de notar no discurso que “hoje, mais do que tomar posições e alimentar narrativas que colocam portugueses contra portugueses”, o foco deve estar “nos valores que acalentaram os patriotas daquele tempo” que partilhavam “valores do patriotismo cívico e o ideal de uma res publica”: “Ninguém queria que Portugal se diminuísse à triste condição de um aglomerado de interesses imediatos e egoístas”.

Moedas, que tem governado Lisboa apontando aos anos vindouros e apostado numa governação “para a cidade e as pessoas” — conforme repete até à exaustão –, voltou a frisar a necessidade de olhar mais além. Ele que concorreu à cidade sob o lema “Novos Tempos” e acusa o Partido Socialista de “ainda não ter percebido que perdeu as eleições”, fez questão de reafirmar que “toda a realidade política precisa da vontade de mudança“: “Sem a vontade de querer construir um país e um mundo melhores, as nações estagnam. Caem na pequenez dos interesses imediatos”.

Com o tema do aeroporto na ordem do dia e o soundbite de Moedas se “sentar à mesa mesmo que não seja convidado”, o presidente da Câmara chamou a si algumas responsabilidades: “É nosso dever assegurar que o país tem projeto de futuro. Que Portugal não se perde perante circunstâncias mais ou menos acidentais”. E enumerou-as: “combate às alterações climáticas, saúde, transição energética, habitação e respeito pela Carta dos Direitos Humanos”.

Ao mesmo tempo que tocava em prioridades, Carlos Moedas atingia também áreas caras ao Governo e ao país e versava diretamente António Costa. “Deveremos querer mais do que apenas convergir com a Europa”, disse numa clara referência a uma das metas muitas vezes traçadas pelo primeiro-ministro.

“Os desafios com que o país se depara exigem audácia e não resignação. Audácia para crescer mais, libertar a criatividade dos portugueses, libertar as famílias, as empresas a sociedade civil”, disse Carlos Moedas, que rejeitou uma “resignação perante a estagnação económica”. Poucas semanas depois de ter aprovado um conjunto de medidas extra em Lisboa, para ajudar famílias e empresas na cidade, além do pacote de ajuda que o Governo apresentou, Carlos Moedas diz que a “ação” também “deve ser assumida pelos municípios, que têm a responsabilidade política mais direta sobre os cidadãos”.

Com o Orçamento do Estado para 2023 à porta e o primeiro que é da total responsabilidade do seu antecessor na autarquia, Fernando Medina, Carlos Moedas aproveitou para apelar a uma revisão fiscal: “Devemos querer um país mais preparado para um mundo cada vez mais competitivo. Um país que liberte os portugueses do jugo fiscal que se torna insuportável para as suas vidas”.

E citando o poeta romano, Virgílio, Carlos Moedas terminou o primeiro discurso a dizer que “só a audácia” pode levar o país “às estrelas”. E a audácia de Moedas é o apanágio próprio: “A audácia para fazer política para as pessoas, com as pessoas, ouvindo as pessoas. E não fazer política de impor às pessoas aquilo que os políticos acham que deve ser a sua vida.”