O papel dos paparazzi na morte de Diana, a antipatia de William e Kate em relação a Meghan Markle, a má reação da família real à morte de Isabel II, os membros reais que se “deitam na cama com o diabo”. E ainda possibilidade de reconciliação e a importância da “responsabilização”.
A dois dias da publicação de “Na Sombra” (“The Spare“, em inglês), foram transmitidas, no canal britânico ITV e na estação americana CBS (no programa “60 Minutes”), as duas entrevistas em que o príncipe Harry, duque de Sussex, falou sobre a polémica autobiografia que chega às livrarias já na terça-feira, 10 de janeiro.
“Durante anos, vi a minha história contada por tantas pessoas diferentes,” começou por dizer na conversa conduzida por Tom Bradby, antigo correspondente real, que conhece o príncipe há 20 anos.
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Apesar das revelações bombásticas, o objetivo da autobiografia, garantiu à ITV, não passa por “prejudicar” o pai, o Rei Carlos III, ou o irmão, William, príncipe de Gales — com quem, dá a entender, está de relações cortadas, ao revelar que não tem mantido o contacto com eles. No entanto, revelou mais à frente na conversa, é preciso que haja “responsabilização” e que “o silêncio permite ao abusador [continuar a] abusar”.
Harry acreditava que Diana estava escondida e não morta, revela
Foi na princesa Diana, mãe de Harry, que a primeira parte de ambas as entrevista se centraram, com o duque de Sussex a lembrar o dia em recebeu a notícia do acidente que tirou a vida à princesa de Gales, em agosto de 1997.
“Lembro-me de esperar, pacientemente, que, de facto, me dissesse [o rei Carlos] que a mãe estava bem. E lembro-me de ele não o fazer”, disse à ITV. O então príncipe de Gales não o abraçou. Pôs a mão no joelho do filho e disse: “Vai ficar tudo bem”, detalhou, na conversa com Anderson Cooper, no programa “60 Minutes”. O príncipe não chorou com a notícia da morte da mãe e só no enterro é que chegaram as primeiras lágrimas.
Tudo porque foi invadido com o sentimento de “dormência” nestes primeiros dias. Contrariamente às multidões que choravam a partida da princesa junto aos portões do Palácio de Buckingham, não conseguia expressar emoções. Sentia-se, por isso, culpado, admitiu. William também. “E as duas pessoas mais próximas dela, mais amadas por ela, não foram capazes de chorar naquele momento.”
A dificuldade em chorar a morte de Diana acompanhou-o durante muitos anos. “Estava constantemente a tentar encontrar uma forma de chorar”, contou. Numa tentativa de forçar as lágrimas, chegava a pôr vídeos da mãe. Mas sem sucesso. A terapia que começou a fazer há seis anos, explicou a Anderson Cooper, ajudou a gerir estas emoções.
Durante “muitos, muitos anos”, Harry acreditou que a mãe estava escondida e não morta. Com William passou-se o mesmo. “Recusava-me a aceitar que ela tinha partido. Ela não nos ia fazer aquilo, aquilo devia fazer parte de um plano”, disse. “Arranjei explicações sobrenaturais“, disse também sobre o mesmo tema à ITV.
A Tom Brabdy falou sobre o facto de ter percorrido túnel parisiense em que Diana teve o acidente fatal, que tirou também a vida ao namorado Dodi Al Fayed e ao motorista Henri Paul. “Sempre imaginei um túnel perigoso. Era pequeno e curto”, diz. “Não há nenhum motivo para alguém morrer ali”, disse na ITV.
Com 20 anos, o príncipe exigiu consultar o ficheiro com a informação acerca morte da então princesa de Gales, do qual foram, na altura, retiradas as fotografias mais gráficas e violentas do acidente, considerando a idade de Harry. “Só vi a parte de trás da cabeça da minha mãe”, revelou. Nas imagens, o elemento que mais se destacava era, novamente, os paparazzi. A guerra com os media, disse, começou nessa altura.
Para o príncipe, é claro: “removendo” os paparazi daquela situação, o resultado não teria sido o mesmo. “Disseram que as coisas [comportamento dos paparazzi] iam mudar, mas não mudaram”. Até hoje, revela a Anderson Cooper, não está satisfeito com o resultado da investigação, que concluiu que o acidente foi resultado do estado de embriaguez do motorista.
“Isto vai ser muito difícil para ti”, disse William a Harry sobre casamento com Meghan Markle
“Sempre amei o meu irmão”, garantiu nas duas entrevistas. Ainda assim, uma relação com “muita dor”, sobretudo nos últimos seis anos, detalha na conversa com Anderson Cooper, “panorama geral” que “esmaga”a ideia de que foi Meghan que estragou a relação alegadamente unida entre os dois irmãos.
Quando frequentavam Eton, revela o príncipe no livro, citado nas entrevistas, William pediu ao duque de Sussex para fingir que não o conhecia. Uma “rivalidade” de irmãos, que hoje, disse à ITV, considera normal, sobretudo quando analisa as interações entre Archie e Lilibet, os seus filhos, mais velho e mais nova, respetivamente. No entanto, a forma distinta como cada um enfrentou o trauma acabou por distanciá-los.
Harry conta, num tom leve, que foi a “vela” na relação com William e Kate, até ao aparecimento de Meghan Markle. Apesar de Carlos a ter recebido bem, a relação dos então duques de Cambridge com a ex-atriz nunca foi boa, revela. “E eles eram fãs de ‘Suits‘“, brinca.
Harry conta também que sempre houve alguma desconfiança em relação a Meghan por parte do casal, pelo facto de ela ser “uma atriz, mulher americana, divorciada e birracial.”
“Isto vai ser muito difícil para ti”, ter-lhe-à dito o irmão sobre o casamento com Meghan. “Até hoje não sei a que parte é que ele se referia”, confessou. “Talvez estivesse a prever a reação da imprensa britânica.”
Em relação ao episódio sobre a alegada agressão de William contra Harry, o duque de Sussex contou: “Posso garantir hoje que se não fosse a terapia, se não tivesse sido capaz de processar a raiva e frustração, teria lutado de volta”. Acrescentou: “Ele queria que eu lhe batesse de volta, mas eu não quis.”
“Na Sombra.” Harry acusa William de o ter atacado fisicamente durante discussão sobre Meghan
Apesar do deteriorar da relação entre os dois irmãos, em abril 2021, no funeral do príncipe Filipe, duque de Edimburgo, marido de Isabel II, William forçou-o a olhar nos olhos e disse: “Eu amo-te, Harold, Quero que sejas feliz”. Voltou a repetir a frase e acrescentou: “Juro pela vida da mãe”. Harry revela que este era o código entre dois irmãos, a “password” que utilizavam quando “rapidamente tinham de acreditar um no outro.” Mas isso não convenceu Harry: “Não acreditei.”
Os duques de Sussex terão decidido ir viver para os Estados Unidos por temerem pelas suas vidas, revela, afirmando que, dificilmente, outro membro da família real terá passado pelo mesmo tipo de escrutínio. “Tivemos de fugir do país”, disse no programa “60 Minutes”.
A cruzada de Harry contra os media britânicos: “Se não posso continuar a servir o meu país no Reino Unido, então vou continuar a fazê-lo fora”
Por insistência de Harry foi o jornalista quem indicou os processos que estão em curso de Harry contra os media britânicos: um contra o grupo News Group, outro contra o The Mirror e ainda contra o Daily Mail. “Nos três casos as acusações são muito graves”, realça Tom Bradby, acrescentando que o príncipe acusa o Daily Mail de contratar investigadores privados e de plantar escutas em casa dele.
Mudar os media britânicos passou a ser a sua missão: “Se não posso continuar a servir o meu pais no Reino Unido, então vou continuar a fazê-lo fora dele. E mudar os media, que acredito que são o epicentro de tantos problemas no Reino Unido, para tantas pessoas, então vou tentar fazer uma diferença. Vale a pena 100%.”
Família real “deita-se na cama com o diabo” e “beneficia” da relação com a imprensa
O duque acusou também alguns membros da família real de se “deitarem na cama com o diabo”, beneficiando da relação com os media. Camila, dá a entender, terá sido uma delas: terá começado, nas palavras do príncipe Harry, a montar “uma campanha”, visando o casamento com Carlos e a coroa, como rainha consorte.
Segundo o duque de Sussex, Camila trocava informação com a imprensa para seu próprio beneficio. “As histórias começaram a aparecer em todos os jornais sobre a sua conversa particular com Willie [alcunha que Harry usa para se referir ao seu irmão], histórias que continham detalhes precisos, nenhum dos quais veio de Willie, é claro. Só poderiam ter sido divulgados pela outra pessoa presente”, disse à ITV. Na mesma entrevista, Harry negou ter sido “cruel” com qualquer membro da família real, incluindo Camila.
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A Anderson Cooper e no livro, Harry acusa os atuais rainha consorte Camila e o rei Carlos de o terem usado para reabilitarem a sua imagem perante os ingleses, considerando os danos causados pela relação extraconjugal que mantiveram durante anos — na altura, a esse propósito, a princesa Diana até proferiu a celebre frase: “Havia três pessoas neste casamento, portanto estava um pouco cheio”.
Harry e William irmãos aceitaram bem a relação de Carlos e Camila, porque queriam ver o pai feliz, mas terão feito um pedido: que não se casasse com ela. “Achávamos que ia causar mais mal que bem”, revelou na CBS.
A “terrível” reação da família à morte de Isabel II
Sobre a morte da rainha Isabel II, em setembro, Harry contou: “No dia em que ela morreu a reação dos membros da minha família foi muito, muito horrível.”
Houve “briefings”, “leaks” e notícias plantadas: “Eu estava: ‘Estamos aqui para celebrar a vida da avó e lamentar a sua perda, podemos reunir-nos como uma família?'”.
Meghan não acusou a família real de racismo, mas sim de “preconceito inconsciente”
Harry negou que Meghan tenha acusado a família real de racismo, fazendo referência à polémica entrevista com Oprah, em 2021. O duque de Sussex diz que se trata, antes, de “preconceito inconsciente”, enraizado na sociedade. Este, acrescentou, tem de ser tema de uma “conversa maior” — e a família real, pela “responsabilidade” que assume, tem de ser capaz de olhar de frente para o assunto, assumi-lo e discuti-lo.
Por último, reforçou que “ama a família”, que continua a acreditar na monarquia, assumindo, no entanto, que não sabe se esta terá um papel no seu futuro. Já “fez as pazes” com ela, mas ainda aguarda “responsabilização” por parte parte dos familiares. Ainda assim, perdoar é “100% uma possibilidade” — apesar de também confessar que a família não deu nenhum sinal de vontade de reconciliação. “Gostava de ter o meu pai de volta. Gostava de ter o meu irmão de volta”, confessa. O duque de Sussex não acredita que a família real, incluindo o pai e o irmão, leiam o seu livro.
Megxit. Príncipe Harry fala pela primeira vez: “Não havia mesmo outra opção”
Harry está “feliz”, como nunca esteve. “Estou muito feliz, em paz, no sítio melhor em que já estive. Isso pode deixar zangadas algumas pessoas, outras enfurecidas”, diz. “Tenho dois filhos lindos e uma mulher incrível. A felicidade da minha família agora, nunca senti em lado nenhum.”
“Na Sombra” surge cerca de um mês depois do lançamento da série documental, disponível na Netflix, “Meghan & Harry”. O casal anunciou, a 8 de janeiro de 2019, a decisão de se afastar da família real britânica e mudar-se para os Estados Unidos.