Nada se perde (ou alguma coisa se perderá) mas no essencial tudo se transforma. O dinamarquês Noma, aquele que por cinco vezes foi considerado o melhor restaurante do mundo, anunciou que vai deixar de fazer serviço regular no final de 2024. Citado pelo The New York Times, o prestigiado chef René Redzepi admite que o modelo de negócio se tornou “insustentável”. Significa isso que uma das mecas do fine dining vai fechar portas? Sim e não.

O Noma deixará de funcionar como um restaurante convencional para se tornar um “laboratório de alimentos” a tempo integral. O plano é, segundo o jornal, desenvolver novos pratos e produtos para sua plataforma Noma Projects, com as salas de jantar a acolherem apenas eventos pop-ups.  Neste novo cenário, a figura do diretor de criação assume mais protagonismo que a do chef.

“Para continuarmos a ser o Noma, precisamos mudar. Portanto, queridos clientes e amigos, temos algumas notícias emocionantes para partilhar. O inverno de 2024 será a última temporada do Noma como o conhecemos. Estamos a começar um novo capítulo; o Noma 3.0.”, escreve o restaurante na sua conta de Instagram, dando conta das novidades.

Há vinte anos em atividade, o Noma tornou-se um consistente farol na alta gastronomia com epicentro nórdico, iluminando não só a nova cozinha escandinava como a ascensão universal da cultura dos chefs e do fine dining. Um contexto brilhante onde, à semelhança de outros campos, os tempos mais recentes têm vindo a destapar fendas que exigem reparação e olhar para outros caminhos possíveis.

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Como em outras ligas da restauração, também os redutos estrelados se viram forçados a repensar o dia a dia durante a fase da pandemia. Em maio de 2020, sujeito a restrições como outros espaços, e ensaiando o regresso possível à normalidade, o Noma preparava-se para abrir portas a servir dois tipos de sanduíches e vinho, uma mudança que se previa temporária (a tempo de preparar a fase pós-Covid-19).

World's Number One Chef Rene Redzepi Forages In South Australia

O chef René Redzepi em 2010, a fazer foraging na Austrália © Gettty Images

Entretanto, o mundo mudou e a pressão sobre este setor, com esta elite à cabeça, aumentou. Seria o estilo de jantares exclusivos, inovadores, trabalhosos e caros (o menu de degustação de vegetais ascende aos 403 euros) — uma fórmula que o Noma ajudou a promover — sustentável? O escrutínio à forma como os trabalhadores são tratados parece apontar para o oposto, e essa é uma das razões para que mudanças de fundo estejam em cima da mesa. “Financeira e emocionalmente, como empregador e como ser humano, simplesmente não funciona.”, confessa que lançou o Noma em 2003,  sobre a forma como as coisas têm funcionado até aqui.

Aos 45 anos, é pública a jornada do chef na última década, entre terapia, meditação e treino, em contraciclo ao espírito workaholic que levou à ruptura final, e que levou mesmo a que se desculpasse pela forma mais violenta como lidou com membros da sua equipa, levando-o, em 2015, a escrever sobre a controversa cultura das cozinhas.

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Do número de horas de trabalho à misoginia e agressão sexual, do mediático caso francês a território português, as falhas vão saindo cada vez mais da sombra e sendo amplificadas pelas redes. “Uma nova geração empoderada de trabalhadores começou a se opor a esse modelo, muitas vezes usando as redes sociais para chamar a atenção dos empregadores. O Willows Inn, no estado de Washington, administrado pelo chef Blaine Wetzel, treinado pelo Noma, fechou em novembro, após uma reportagem do Times de 2021 sobre abuso sistémico e assédio”, descreve o diário, que adianta ainda a razão pela qual a mudança no Noma demorará quase dois anos a entrar em vigor: no âmbito dos Projetos Noma, a velha linha de produção dará origem a uma nova instalação de produção, com 60 a 70 funcionários em tempo integral.

Apesar de ter de esperar até 2025, já pode visitar o Noma 3.0 online e ler um pouco sobre o que aí vem. “Nesta próxima fase, continuaremos a viajar e a procurar novas formas de partilhar o nosso trabalho. Existe algum lugar que devemos ir no mundo para aprender? Em seguida, faremos um pop-up Noma. E quando tivermos reunido novas ideias e sabores suficientes, faremos uma temporada em Copenhaga. Servir os hóspedes ainda fará parte de quem somos, mas ser um restaurante não nos definirá mais. Em vez disso, grande parte do nosso tempo será investido na exploração de novos projetos e no desenvolvimento de muito mais ideias e produtos.”, definem.