Milhares de pessoas estão reunidas no Marquês de Pombal, em Lisboa, de onde parte este sábado à tarde a manifestação de protesto contra a possibilidade de a lei que criminaliza os maus tratos a animais vir a ser declarada inconstitucional.
Muitas camisolas do IRA – Intervenção e Resgate Animal -, um som ensurdecedor de buzinas e apitos e inúmeros cartazes erguidos marcam a praça lisboeta nos momentos que antecedem o arranque da manifestação, previsto para cerca das 16h, que termina no Rossio e passa pelo Tribunal Constitucional, no centro da contestação.
Os manifestantes entoam palavras de ordem como “justiça para animais, queremos mais” e exibem cartazes repletos de imagens chocantes de animais maltratados, questionando: “Isto não é crime?”.
Junto ao ponto de arranque do desfile está um cartaz do PAN (Pessoas, Animais, Natureza), que apoia o protesto e no qual se lê “Criminoso e Inconstitucional é maltratar um animal”.
Apesar dos apelos da organização para que os animais fossem deixados em casa, alguns cães à trela prepararam-se para acompanhar os donos na manifestação.
O Presidente da República defendeu este sábado que o bem-estar animal deve ser “devidamente legislado”, recordando que o parlamento o pode fazer seja “em sede de legislação ordinária” ou através do processo de revisão constitucional que está em curso.
Numa nota divulgada na página oficial da Presidência da República com o título “Presidente da República defende respeito pelo bem-estar animal”, Marcelo Rebelo de Sousa afirma que “tem recebido diversas mensagens relativamente à proibição e punição de maus-tratos a animais”.
A manifestação, que está a fazer parar o trânsito na baixa da capital, foi organizada pela IRA, depois de o Ministério Público ter pedido a inconstitucionalidade da norma que prevê essa criminalização. Conta ainda com o apoio do partido PAN – Pessoas – Animais – Natureza, que está representado pela porta-voz e deputada única, Inês Sousa Real.
O Ministério Público pediu, junto do Tribunal Constitucional, a declaração de inconstitucionalidade da norma que criminaliza com multa ou prisão quem, sem motivo legítimo, mate ou maltrate animais de companhia. Segundo uma nota de imprensa divulgada na quarta-feira pela Procuradoria-Geral da República. De acordo com a nota, o pedido de inconstitucionalidade surge após três decisões do TC nesse sentido.
À Lusa, o presidente da IRA, Tomás Pires, disse que a manifestação, na qual espera pelo menos 10 mil pessoas, visa “mostrar a indignidade” e a “não aceitação” de o país passar a uma fase em que “não exista censura à violência contra animais” ou “consequência legal para a mesma”.
Na rede social Facebook, a IRA tinha anunciado que pretendia “fazer o máximo de barulho possível”, tendo solicitado aos participantes que não levassem os seus animais de companhia, e criticado o “silêncio indescritível” (que entretanto chegou a o fim) do Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, sobre o assunto.
Segundo o jornal Expresso, o TC já tinha declarado a inconstitucionalidade em casos graves, como o da cadela Pantufa, que morreu em agonia depois de ter sido sujeita a uma cesariana a sangue-frio. O dono, que deitou os cachorros ainda vivos para o lixo, foi condenado na primeira instância, mas depois absolvido.
Segundo o semanário, o TC argumenta, nomeadamente, que o artigo 66.º da Constituição, que protege o Ambiente e a Qualidade de Vida, não pode ser invocado para a proteção dos animais de companhia, como cães e gatos. “O artigo 66.º não protege os animais enquanto tais, de um modo que permita entendê-los como ‘indivíduos’, mas protege-os somente na medida da sua relevância para o ambiente como um todo”, diz o acórdão citado pelo Expresso.
O artigo 387.º do Código Penal tipifica como crime de maus-tratos a animais de companhia (por exemplo, cães e gatos) a conduta de quem, sem motivo legítimo, infligir dor, sofrimento ou quaisquer outros maus-tratos físicos, com o crime a ser punido com pena de prisão até um ano ou com pena de multa até 120 dias. Em caso de morte do animal, “privação de importante órgão ou membro” ou “afetação grave e permanente da sua capacidade de locomoção”, a pena pode ir de prisão até dois anos ou multa até 240 dias.
Na quarta-feira, o Expresso adiantou que o plenário de juízes do TC se prepara para decidir o futuro da lei de proteção dos animais, em vigor há oito anos e alvo de três decisões declaradas inconstitucionais pelo tribunal. Esta lei, de agosto de 2014, adita ao Código Penal três artigos, criminalizando o abandono e os maus-tratos a animais de companhia.
O PAN, que considera que inconstitucional é maltratar um animal, anunciou na quinta-feira que irá apresentar uma nova proposta de alteração ao Código Penal. O partido defende, num projeto de lei de 2022 que baixou à comissão da especialidade na sexta-feira, o aumento dos “limites máximos previstos para as penas de multa dos crimes de maus-tratos e abandono de animais, bem como da pena de prisão pelo dano morte”.
De acordo com o PAN, a morte de um animal deve ser punida com pena de prisão de seis meses a três anos (em vez de dois anos) ou com pena de multa de 60 a 360 dias (em vez de 240 dias) e o abandono com pena de multa até 90 dias (em vez dos atuais 60).
Uma petição pública “em defesa da lei que criminaliza os maus-tratos a animais”, e a inclusão da proteção dos animais na Constituição, já recolheu mais de 71 mil assinaturas.