Depois de o Observador ter noticiado que o altar-palco onde o Papa Francisco vai presidir às celebrações finais da Jornada Mundial da Juventude de Lisboa (JMJ 2023) tinha sido adjudicado pela câmara de Lisboa por 4,2 milhões de euros à construtora Mota-Engil, o presidente da câmara de Lisboa, Carlos Moedas, apressou-se a responsabilizar a Igreja pelos elevados custos: “As especificações daquele palco foram definidas em reuniões que tivemos com a Jornada Mundial da Juventude, com a Igreja e com a Santa Sé.” No dia seguinte, o vice-presidente da autarquia, Filipe Anacoreta Correia, corroborou a versão, explicando que “a Fundação JMJ, em diálogo com a Santa Sé, estabeleceu um conjunto de requisitos” para o palco.
Para a câmara, o cumprimento escrupuloso destes requisitos apresentados pela Igreja Católica está na origem dos elevados custos do palco-altar. Porém, ao fim de três dias de controvérsia, a Igreja quebrou o silêncio, com o bispo auxiliar de Lisboa, D. Américo Aguiar, a assumir que só tinha sabido do valor do altar pelo Observador, a reconhecer que o preço o “magoou” e a salientar que os requisitos eram simplesmente um conjunto de indicações herdadas de outras edições, que não obrigavam a um investimento tão grande — o elevado preço deve-se, disse D. Américo Aguiar, à vontade da câmara de fazer uma estrutura para ficar para o futuro, em vez de um palco provisório. Aliás, o bispo admitiu mesmo que é preciso ditinguir o essencial do dispensável — e já anunciou que se quer reunir com as várias autoridades para tentar baixar os custos do palco.
Mas, afinal, que requisitos são estes?
Numa conferência de imprensa na quarta-feira, o vice-presidente da câmara de Lisboa, Filipe Anacoreta Correia, apresentou aos jornalistas um PowerPoint com um conjunto de esclarecimentos sobre o palco-altar. Num dos diapositivos, a autarquia elencou aquilo que classificou como os “requisitos do promotor Fundação JMJ” — ou seja, a entidade criada pelo Patriarcado de Lisboa para organizar a JMJ em nome da Igreja Católica.
Essa lista inclui a exigência de que o palco tenha capacidade para 2.000 pessoas, incluindo mil bispos, 300 concelebrantes, 200 elementos do coro, 30 intérpretes de língua gestual, 90 músicos da orquestra, convidados, staff e equipa técnica; mas também exige que o palco tenha uma visibilidade na maioria do terreno (que tem alguns declives), pelo que deverá ser elevado a uma altura equivalente a três andares, ou nove metros, para ser visto pelos cerca de 1,5 milhões de jovens que vão estar no Parque Tejo-Trancão. O palco deve ter ainda dois elevadores para mobilidade reduzida, uma escadaria central para o acesso dos jovens ao palco e estar implantado numa área de 5.000 metros quadrados.
Em reação à polémica, a primeira resposta da parte da Igreja Católica foi um comunicado da Fundação JMJ, que confirmou que havia um conjunto de “indicações iniciais” para o palco, mas não as caracterizando como requisitos. “Considerando que, tradicionalmente, a Missa final conta com o maior número de peregrinos, o altar do Parque Tejo terá cinco mil metros quadrados, com capacidade para acolher duas mil pessoas, nomeadamente Bispos, Celebrantes, Coro, Orquestra e equipa técnica e de língua gestual. É erguido, para ser visível por todos os peregrinos, a uma altura de quase três andares, contando com dois elevadores de apoio à mobilidade reduzida e escadaria central de acesso, além de uma cobertura que implica uma estrutura sólida e segura”, lê-se nesse comunicado. “A partir destas indicações iniciais, o Comité Organizador Local da JMJ Lisboa 2023 e a SRU (Sociedade de Reabilitação Urbana) desenvolveram um trabalho de arquitetura tendo chegado ao desenho final.”
Na quinta-feira à noite, contudo, o bispo D. Américo Aguiar, presidente da Fundação JMJ, veio desfazer os equívocos e esclarecer que os requisitos são, na verdade, um conjunto de informações herdadas de outras edições da JMJ — e que nada impede que sejam revistos nesta oportunidade. “Os famosos requisitos” foram “mais ou menos chapa-21 de Jornadas anteriores”, disse D. Américo Aguiar. “Se forem ver os palcos de Jornadas anteriores, são idênticos.”
“O palco pode ser retangular, curvo, mais alto ou mais baixo. Isso não nos preocupa. A nossa preocupação é que corresponda aos requisitos daquilo que vai acontecer lá”, acrescentou D. Américo Aguiar, salientando que a ideia inicial era que o grande legado da JMJ para a cidade de Lisboa fosse apenas o parque verde que vai nascer da requalificação do aterro sanitário de Beirolas — e não um palco permanente nesse parque. O bispo sublinhou que seria possível corresponder àqueles requisitos com uma estrutura provisória, mas lembrou que foi da Câmara de Lisboa a ideia de fazer um palco que ficasse para o futuro da cidade — e que, por esse motivo, acarreta custos mais elevados.
Mas o bispo foi ainda mais longe: sublinhou que estes requisitos não são inegociáveis e explicou que esse caderno de encargos tem “várias fontes”, incluindo um conjunto de documentos que foi passando de país em país ao longo dos últimos anos, repetido mais ou menos em todas as edições da JMJ; um memorando assinado entre a Santa Sé e o Patriarcado de Lisboa, mais genérico, sobre as condições exigidas para a presença do Papa; e ainda a experiência prática de organizadores anteriores, especialmente os do Panamá, que tem colaborado em proximidade com a Igreja portuguesa.
D. Américo Aguiar reconheceu que este debate é uma “oportunidade muito boa de irmos à raiz” e de compreender o que é e o que não é indispensável. Por esse motivo, a lista de requisitos será um dos documentos em cima da mesa numa reunião que deverá ter lugar na próxima semana, entre a Igreja, a Câmara de Lisboa e a Mota-Engil, em que será debatida a possibilidade de reduzir os custos do palco. Questionado sobre o que pode ser dispensado para baixar o preço do palco, D. Américo Aguiar não se comprometeu, para já, com nenhum corte concreto.