Se é para um lado, também é para outro. A inédita final entre Elena Rybakina e Aryna Sabalenka no Open da Austrália deveria resumir-se apenas ao duelo entre uma jogadora que tentava o segundo Grand Slam apenas em seis meses depois da vitória em Wimbledon (sem ter direito aos pontos para o ranking desse triunfo) e outra que procurava o primeiro sucesso num Major. Quando começou o encontro, era disso que se tratava. No entanto, e na antecâmara de um fim de semana que terá também o duelo entre Novak Djokovic e Stefano Tsitsipas, o facto de estarem no court uma russa naturalizada cazaque e uma bielorrussa remetia de forma quase inconsciente para um outro plano político que marcou as últimas duas semanas em Melbourne, com essa cereja no topo do bolo de o pai do sérvio ter pousado com apoiantes de Putin que estão proibidos de entrar com bandeiras da Rússia nos campos mas desfilam as mesmas dentro do complexo.

O The New York Times explorava esta sexta-feira essa vertente, aproveitando a partida entre Rybakina e Sabalenka para questionar se os atletas oriundos do país invasor da Ucrânia e seus apoiantes deveriam ou não participar em eventos internacionais de desporto, com essa “memória” dos muitos atletas ucranianos que têm defendido uma proibição sob forma de pressão perante uma guerra que já leva quase um ano. Mais: a reação enérgica do embaixador da Ucrânia na Austrália e na Nova Zelândia perante um vídeo onde entre as bandeiras sérvias estavam adereços russos, frases de apoio a Putin, o símbolo Z e até alusões à intitulada República das Pessoas de Donetsk trazia ainda mais a parte política para a discussão. “Claro que é algo que me afeta. Foi difícil, ainda é difícil, mas sei que não é minha culpa, tenho zero controlo. Se pudesse fazer algumas coisa em relação a isso claro que faria, mas não posso”, admitiu a atleta bielorrussa.

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Discussões à parte, que existem e continuarão a existir, não era pela nacionalidade que as duas jogadoras se tinham apurado para a final mas tinham um outro ponto em comum: a capacidade de serviço, que fazia deste encontro decisivo o “jogo da pura potência” e que permitia por exemplo que Sabalenka levasse dez vitórias em 2023 sem ceder qualquer set. Agora, procurava a 11.ª, confirmando três triunfos noutros tantos encontros contra Rybakina no circuito WTA. E procurava sobretudo a primeira grande vitória aos 24 anos depois de três meias-finais de Grand Slam nos últimos dois anos e da final perdida no WTA Finals de 2022. Era isso que faltava: a Princesa Guerreira, que já foi número 2 do mundo, já ganhara o US Open (2019) e o Open da Austrália (2021) em pares e já conquistara 11 torneios individuais. Faltava o Major contra uma Rybakina em ascensão que passou três vezes à segunda semana de Grand Slams chegando a duas finais.

Nascida em Moscovo, onde ainda hoje reside apesar de ter trocado de cidadania em 2018 por todo o apoio desportivo e financeiro que o Cazaquistão garantiu quando passou a profissional, a jogadora teve uma entrada quase acidental no ténis aos seis anos depois de ser travada na ginástica e na patinagem artística (aquilo que mais gostava tal como a irmã mais velha) por ser demasiado alta. Ainda assim, não é alguém que esteja habituada a ganhar mas que está agora a querer mostrar-se com vitórias ao mais alto nível: dos três títulos que passa a contar na carreira, juntou Wimbledon (2022) a Hobart em 2020 e Bucareste em 2019. “A chave de tudo é o meu serviço e a minha agressividade de jogo. Quero apenas estar no meu melhor e focar-me no que posso controlar: o serviço, as pancadas, as emoções”, dissera no último ano, explicando aqueles que poderiam ser vistos como os segredos da ascensão. No entanto, nem isso chegou este sábado. E a forma aguerrida como Sabalenka jogou como um prolongamento do Tigre tatuado no braço fez a diferença.

Os primeiros jogos desta final mostraram bem as principais armas de cada jogadora, com um festival de canhões disparados no serviço que deram os encontros iniciais a Sabalenka e Rybakina (três cada) antes do primeiro break com surpresa à mistura: a bielorrussa chegou facilmente ao 40-0, tremeu, fez uma dupla falta nas vantagens e permitiu mesmo que a cazaque se adiantasse no marcador, mostrando que seria a capacidade de resposta ao serviço, mais até que do que o serviço, a escrever a história deste encontro. O contra break demoraria alguns jogos mas chegou numa fase em que Rybakina estava com 80% de primeiros serviços não devolvidos contra “apenas” 41% de Sabalenka, num 4-4 que deixava o set inicial em aberto para novo break da cazaque logo na resposta carimbado com uma dupla falta antes do 6-4 em branco.

Sabalenka ainda não tinha perdido qualquer set nem neste Open da Austrália nem em 2023, sendo que teve logo um outro desafio a abrir o segundo parcial quando salvou dois pontos de break logo no seu primeiro serviço. Conseguiu. E ainda levou o primeiro jogo de serviço de Rybakina às vantagens, fazendo o 2-1 nas com dois ases seguidos antes de forçar novas vantagens mas a conseguir o break para o 3-1. O Tigre que sempre disse estar nela mesmo que de vez em quando de forma adormecida, como destacou após ganhar o Open de Adelaide no início do ano numa alusão à tatuagem que tem de forma bem visível no braço esquerdo e que é uma das imagens de marca, começava a aparecer, com uma paralela fantástica nas vantagens do quinto jogo que lhe conferiu um confortável avanço de 4-1 e a perder três breaks na sexta partida. Não seria isso que impediria a caminhada para a vitória final, fechada com mais dois ases para o 6-3.

Ficava tudo em aberto para saber quem seria a sétima vencedora do Open da Austrália nos últimos oito anos (só Naomi Osaka conseguiu ganhar em 2019 e 2021), com essa particularidade de voltar a haver uma decisão no terceiro parcial depois dos triunfos em dois sets de Osaka em 2021 e de Ashleigh Barty em 2022. Aryna Sabalenka parecia mais forte no encontro, a beneficiar da percentagem inferior de primeiros serviços de Rybakina e de acelerações que colocavam o jogo a seu jeito, mas faltava concluir os pontos de break que ia tendo. Na quinta partida não conseguiu, na sétima acabou por conseguir. E esse 4-3 seria determinante para dar o refrão que faltava ao Eye of the Tiger, icónica música dos Survivor que serve de mote para o trajeto ascendente da bielorrussa até à conquista do primeiro Grand Slam em singulares da carreira com um 6-4 no epílogo de um décimo e longo jogo onde teve três match points desperdiçados até ao triunfo final.