O Governo vai preparar nos próximos meses uma proposta de revisão do sistema de avaliação que se aplica a mais de 60% dos funcionários públicos (professores e militares não incluídos, por exemplo). A ideia é acelerar a progressão dos trabalhadores, sobretudo os que têm melhor desempenho, e o Executivo tem já algumas vias em cima da mesa para o fazer — que passam por criar uma nova nota de avaliação para diferenciar mais os funcionários ou por premiar na avaliação os funcionários dos serviços com melhor performance. As quotas de avaliação (que fazem com que, por exemplo, só 5% dos trabalhadores possam ter a nota mais elevada) não acabam, mas podem vir a ser reformuladas.

A revisão do sistema de avaliação da administração pública (o SIADAP) já estava prevista no acordo pluarianual de valorização da função pública assinado no ano passado entre Governo, Fesap e STE (sem a Frente Comum). Este sistema aplica-se à maioria dos trabalhadores do Estado (deixa de fora algumas carreiras que seguem outras regras, como os professores ou os militares) e define o caminho de progressão na carreira.

Atualmente, para um trabalhador progredir (ou seja, passar para o escalão remuneratório seguinte) precisa de acumular 10 pontos, que dependem da avaliação de desempenho. Há três notas positivas: adequado (2 pontos); relevante (4 pontos) e excelente (6 pontos), que estão sujeitas a quotas. Mas o Governo está a “ponderar” alargar esta escala criando uma nova nota, entre o adequado e o relevante. Ainda está por definir a quantos pontos corresponderá e qual a respetiva quota de acesso (podendo ter de se mexer no pontos e nas quotas das outras notas).

Funcionários públicos que progridam na carreira mantêm pontos de avaliação sobrantes

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Parece-nos que as três notas positivas não traduzem adequadamente a diferença de desempenho entre os trabalhadores. Consideramos que deve ser ponderada outra menção qualitativa e quantitativa que faça essa dissociação”, explicou aos jornalistas a secretária de Estado da Administração Pública, Inês Ramires. Com isso, “teremos mais pessoas a progredir mais rápido“.

É que as regras atuais ditam que só 25% dos trabalhadores de um serviço podem ter as notas mais elevadas — sendo que apenas 5% podem ter nota “excelente” e, portanto, chegar mais cedo aos 10 pontos para progredir mais depressa. A aplicação desta regra levava a que a maior parte dos funcionários demorasse dez anos a progredir na carreira, um aspeto criticado pelos sindicatos, que têm pedido mesmo a eliminação das quotas. Mas essa hipótese o Governo não acolhe por argumentar que sem elas “não há uma efetiva diferenciação” entre trabalhadores.

Em vez disso, propõe que os ciclos de avaliação deixem de ser de dois em dois anos e passem a ser anuais. Isso faz com que os trabalhadores que estejam muito perto de progredir não tenham de esperar dois anos para dar o salto.  Com essa mudança, há uma respetiva atualização dos pontos por nota de avaliação: o ponto de partida, que pode vir a ser alterado, é que em cada ano ao adequado corresponda um ponto, ao relevante dois pontos e ao excelente três pontos. Além disso, o Governo já aprovou recentemente uma medida que faz com que quando os funcionários públicos progridem não percam os pontos que lhes sobraram (além dos 10 que ‘gastaram’ com a progressão).

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Segundo Inês Ramires, só estas duas medidas (anualizar a avaliação e manter os pontos que sobram) já ajudam a acelerar o salto remuneratório. Por exemplo, fazem com que um técnico superior que entre hoje para a segunda posição remuneratória consiga chegar ao topo da carreira (embora só com 40 anos de serviço), algo que até aqui não era possível. Só que, para isso, teria de ter sempre nota máxima — que está sujeita à tal quota de 5%.

Mas “um trabalhador não tem de ser excelente a vida toda. O que queremos é assegurar que quem tenha a distinção de muito bom consiga chegar às últimas posições”, além de encurtar os tais 40 anos de carreira necessários para um técnico superior atingir o topo, refere a secretária de Estado. E, por isso, estão em cima da mesa outras formas de acelerar as progressões.

Governo quer premiar trabalhadores de serviços com melhor desempenho

O Governo está também a estudar a possibilidade de o desempenho dos serviços se refletir na avaliação dos funcionários. Aqui a discussão não começa completamente do zero, já que essa é uma proposta que, em termos genéricos, o Governo já tinha admitido aos sindicatos — até durante a governação da anterior ministra Alexandra Leitão —, havendo já um grupo de trabalho dedicado a estudar o tema. Inês Ramires renova essa intenção: “Nos serviços que, dentro de cada área se tenham distinguido pelo seu desempenho, pretendemos analisar e trabalhar para que haja reflexo na avaliação dos trabalhadores“.

Mas há ainda uma série de questões por decidir. Desde logo, como medir o desempenho dos serviços. Uma das hipóteses já admitidas era que a avaliação dos utentes influenciasse a avaliação do trabalhador, mas isso não se poderia aplicar aos serviços sem atendimento ao público. Por isso, há um trabalho de definição de métricas que será feito com os sindicatos, mas também com dirigentes que “têm tido a prática dos últimos anos”.

“Num serviço que presta uma tarefa em contacto com cidadãos é mais fácil aferir uma métrica [por exemplo] de quantos atos são praticados. Um serviço de apoio a outros serviços da administração pública tem mais dificuldade. Já não estamos a falar das mesmas métricas”, disse. É essa “afinação” que será feita nos próximos meses.

Depois, falta perceber de que forma é que o bom desempenho dos serviços se refletirá na avaliação, e progressão, dos trabalhadores. Uma possibilidade em estudo é o aumento das quotas da nota de avaliação de “excelente”. Aumentar essa percentagem “pode ser uma hipóteses”, mas também está em cima da mesa “outro género de possibilidades de recompensa de desempenho”.

Efeitos práticos só em 2026. Sindicatos criticam atraso

As propostas do Executivo são diversas e passam por alterar não só o SIADAP que se aplica aos trabalhadores mas também o SIADAP dos dirigentes e, como referido, o da avaliação dos serviços. No caso dos dirigentes, o Governo quer que os trabalhadores equiparados a dirigentes (por exemplo, gestores de projeto que assumem uma posição superior temporariamente) não sejam integrados nas tais quotas de avaliação dos restantes trabalhadores, como até aqui, e sim nas regras de avaliação dos dirigentes.

Alguns sindicatos tinham ainda sugerido que os trabalhadores pudessem avaliar os seus dirigentes: “Vamos ouvir todas essas ideias“, diz Inês Ramires, mas há uma intenção de estudar uma “avaliação 360” para que toda a organização possa avaliar um trabalhador e um dirigente.

Um aspeto a estudar será também a avaliação “por competências”, que até aqui estava restringida a algumas carreiras e a “tarefas padronizadas e repetitivas”. “Queremos avaliar se, com o reforço de garantias de transparência e imparcialidade, esta dimensão de competências pode ter uma maior prevalência”, afirma a secretária de Estado.

Trabalhadores na Administração Pública aumentaram 11% desde 2015

A proposta de calendário do Governo, apresentada aos sindicatos esta terça-feira, é que de fevereiro a maio haja reuniões técnicas mensais. Em julho, será apresentada uma proposta legislativa aos sindicatos, que será negociada com eles de setembro a novembro. No próximo ano, será a fase de desenvolvimento e de implementação da nova plataforma do SIADAP, assim como de formação específica aos trabalhadores. A ideia, por isso, é que as novas regras comecem a ser aplicadas só em 2025, o que significa que os efeitos práticos apenas se traduzem no ano seguinte, 2026.

Esse prazo é demasiado longo, criticou a Federação dos Trabalhadores da Administração Pública (Fesap), depois de reunir com a secretária de Estado. Por isso, José Abraão, líder da Fesap, diz que vai propor ao Executivo “o encurtar” dos prazos. “Não faz sentido absolutamente nenhum empurrar esta matéria tão determinante para os trabalhadores da administração pública para daqui a mais alguns anos depois de, no passado recente, ter sido anunciado que o SIADAP revisto entraria em vigor no dia 1 de janeiro de 2023″, afirmou, aos jornalistas.

José Abraão diz que a Fesap está disponível para reunir com o Executivo diariamente, nas próximas semanas, se for preciso, para acelerar o processo. “Se o Governo nos propõe reuniões mensais para tratar da alteração ao SIADAP, nós estamos disponíveis para que, em vez de as reuniões serem mensais, sejam quinzenais, semanais, sejam até todos os dias para termos um sistema de avaliação novo, mais justo e que não seja tão penalizador como aquele que temos hoje“, indicou.

Maria Helena Rodrigues, líder do Sindicato dos Quadros Técnicos do Estado (STE), concorda que é demasiado o tempo de espera para a produção de efeitos do novo sistema. “Queríamos que coisas se fizessem o mais rapidamente possível. O novo sistema de avaliação entrará em vigor só em 2025, isto penaliza”, disse. O STE fará “tudo” para que “esta situação se altere, tornando efetiva a sua aplicação no próximo ano”.

Inês Ramires também revelou, como a ministra Mariana Vieira da Silva já tinha feito, que será criada a carreira de técnico auxiliar de saúde, com a expectativa de que esteja concluída em 2023. Também este ano serão revistas as carreiras de informática — que são vistas como prioritárias para o Governo, que assume não conseguir competir com o setor privado nos salários —, de polícia municipal, oficiais de justiça, vigilantes de natureza, carreira de investigação científica e carreiras do Tribunal de Contas.

Mas o STE queria que este leque fosse mais abrangente. “Temos de trabalhar mais durante este processo em que vamos negociar para abranger mais grupos profissionais“, sublinhou Maria Helena Rodrigues.

Artigo atualizado com declarações da Fesap e do STE