À semelhança do que tinha feito no último mercado, e por forma a explicar todas as operações feitas pelo Benfica nesta janela de transferências, Rui Costa, presidente dos encarnados, voltou à BTV para abordar as apostas, as renovações, as cedências e as rescisões da SAD no derradeiro mês. No entanto, e como seria de esperar, foi a segunda venda acima dos 120 milhões de euros em menos de quatro anos que acabou por centrar atenções no discurso do líder do conjunto da Luz. E, entre recados para jogadores mais novos e da formação, o número 1 das águias não deixou de fazer críticas ao comportamento do argentino no período depois do Campeonato do Mundo, quando se tornou campeão e o Melhor Jogador Jovem da prova.

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“Fizemos de tudo para que a venda do Enzo [Fernández] não se efetuasse. Estou triste por ele ter saído mas de consciência tranquila e que fiz o melhor para o Benfica. Procurámos não vendê-lo a meio do ano mas ele mostrou vontade em não ficar. O valor da cláusula é a verba que está na cláusula mas que significa o acordo entre clube e jogador que permite ao jogador decidir se quer continuar ou não. Desde o princípio que tememos esse valor, que algum clube, neste caso o Chelsea, trouxesse o valor da cláusula. Voltou a dois dias e meio do final do mercado. Desde o princípio tememos que alguém trouxesse o valor da cláusula. Sempre que o Chelsea se aproximou, ele demonstrou que não queria ficar. O aumento salarial foi falado, a proposta foi feita. Metade da proposta do Chelsea era inviável para nós”, começou por contextualizar.

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“Tentámos explicar tudo junto dele. É um jogador extraordinário. Se iria perder valor no Benfica até final da temporada? De todo. Iriam aparecer muitos Chelseas, não tenho a menor dúvida. Mas também compreendo que o jogador queira resolver de imediato, com medo de perder uma proposta que consideraria enorme. Nunca conseguimos chegar a ele para convencê-lo. Sempre que o Chelsea se aproximava do valor da cláusula, praticamente não houve chance de alterar a cabeça dele. Foi muito incisivo a querer sair do Benfica, foi intransigente. Respeito a decisão dele, ainda assim. Mostrámos-lhe todas as possibilidades mas ele nunca mostrou abertura para continuar. Criámos a solução de ele ficar até ao final sem perder um tostão”, apontou Rui Costa ainda a esse propósito, detalhando as movimentações no último dia de mercado.

“À hora do almoço de dia 31, meto em cima da mesa a proposta de o Chelsea comprar já e levá-lo apenas no verão. Mesmo assim, ele mostrou-se negativo a ficar. Aqui a coisa muda. Respeito o receio de perder um grande contrato, outra é ele não perder um euro e não querer ficar. E é aqui que eu mudo. Não mostrou compromisso com o Benfica. Aqui pensei que ele não poderia jogar mais no Benfica. Eu como adepto não queria mais este jogador, como gestão também não era solução e não poderia entrar mais no balneário. Não é bater no peito quando interessa. Foi ali que tomei a decisão de vender. Perdemos um grande jogador mas não vou chorar por um jogador que não quer representar o Benfica. Não chorem por jogadores que não querem estar cá. Fui criado neste clube e educaram-me a honrar a camisola, caso contrário onde fica a frase ‘Só queremos jogadores que honrem a camisola?’”, explicou o presidente dos encarnados entre “recados”.

“O Enzo foi bem tratado por todos desde que chegou até sair. Tive a esperança de que desse prazer ao Enzo lutar pelo título. Quando ficou muito claro que ele não estava comprometido, não quero que vista mais a camisola do Benfica. Queremos uma equipa com compromisso com os adeptos. Apesar de os jogadores saberem do que se estava a passar, em Arouca, deram tudo. É esse compromisso que eu quero em todos os campos. Perdemos um grande jogador, sim, mas não vamos ficar a chorar por um jogador que não quer estar no Benfica. O nosso caminho é para a frente, não para trás. Respeito o Enzo mas a escolha dele foi não ficar e só queremos jogadores que queiram respeitar o Benfica. Aqui só estarão jogadores, vale também para a formação, só estão jogadores que têm orgulho em representar o Benfica”, destacou.

“Comissões? O pagamento é parcelado. Exigimos para além dos 120 milhões de euros [que era a cláusula de rescisão, quando exercida a pronto] uma verba de cinco milhões. Não se consegue trazer um jogador que tenha muito mercado sem dar ao agente um mandato de venda. Não se consegue uma transação destas sem isto. Esses 10% têm de ser pagos. Não é só no Benfica, é uma situação global. Nesta transação, reduzimos essa verba em 3,5%. Não há como fugir a isto. Quando vamos buscar um Enzo da vida, nenhum agente aceita ter isso garantido porque tem isso de todos os outros clubes. Isto não é do Benfica, é do futebol mundial e venha o primeiro contrariar-me sobre jogadores desta envergadura. Quando se faz a aquisição do jogador, não se assina sem que o agente assine também”, rematou ainda sobre a transferência.

“Um jogador que valia dez ou 20 milhões passou a valer 50 ou a cláusula de rescisão”

À boleia da saída do argentino, Rui Costa fez também questão de explicar o porquê de não ter chegado mais nenhum médio ao plantel, ao contrário do que aconteceu por exemplo em relação ao ataque. E a ideia do presidente dos encarnados quase fez lembrar a certa altura o fenómeno “crítico” vivido pelo Barcelona no ano em que o PSG pagou 222 milhões de euros por Neymar: a inflação atinge valores inimagináveis (sendo que no caso dos catalães só as chegadas de Dembelé e Coutinho custaram mais do que o brasileiro).

“A situação do Enzo parte desde a última semana de dezembro. Estivemos sempre prontos para todas as posições do campo sem prescindirmos de nenhum titular, dos jogadores mais utilizados. Não estava equacionado nenhum médio centro. Quando se percebe que o Enzo podia sair, estávamos mais do que prontos. A dez horas de fecho ele ainda podia ficar no Benfica. Tomámos a posição de lutar por ele até ao fim. Não valeu de nada. Todos os alvos que tínhamos no último dia de mercado era de extraordinária dificuldade trazer. Não só os clubes não os libertavam, como um jogador que valia dez ou 20 milhões passou a valer 50 ou mesmo o valor da cláusula”, admitiu o líder do conjunto da Luz, não enjeitando assim essa realidade de terem existido contactos para encontrar um sucessor que acabaria por não chegar em janeiro.

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“Não ia trazer nenhum jogador só para mostrar que trouxe alguém para o lugar do Enzo e temos toda a confiança nos jogadores do plantel. Completar por completar, temos os nossos jogadores da equipa B. É nestes jogadores que temos hoje que temos de acreditar. Uma das mais-valias é os jogadores que estão no plantel estarem comprometidos. Às vezes com a saída de uns nascem outros. De lembrar o caso de António Silva, que face às lesões é titular e já esteve no Mundial. Temos de acreditar nos que nos querem representar e não nos que não querem. Estou bastante triste pela forma como acabou o mercado. Os dois dias finais trocaram a perfeição que nós queríamos, mas não vamos olhar mais para trás, e é isso que eu peço aos benfiquistas”, prosseguiu a esse propósito, antes de falar de Gonçalo Guedes e da dupla nórdica.

“O Guedes não estava inicialmente na equação, depois aparece a solução. Esta transferência foi feita em dia e meio. Ele estava em negociações com outros clubes, candidatos até mais valorizados, e a partir do momento que soube da nossa vontade de o termos cá, não hesitou, não pensou duas vezes. Quando aparece o Guedes, que é uma mais-valia em várias posições, é um jogador português e da casa, que conhece o nosso Campeonato, não pensámos também nós duas vezes e trouxemo-lo para casa”, contou sobre o avançado que chegou por empréstimo de seis meses dos ingleses do Wolverhampton após passagens por PSG e Valencia.

“Considerámos algumas lacunas, num trabalho que é feito em consonância com a equipa técnica. Precisávamos de mais um extremo e de mais um homem de área. Daí estes dois nomes, para colmatar algumas lacunas. São dois jogadores de enorme qualidade, de presente e de futuro. O Schjelderup merece enorme confiança de futuro. Se estamos a recuperar filão nórdico? Foi sempre um mercado que resultou no Benfica, que tem muito talento e gerações extraordinárias. Acreditamos que sejam uma mais-valia. Tivemos o exemplo do Fredrik [Aursnes] que chegou e em muito pouco tempo se integrou. Estes são mais jovens. Podem perguntar por que ainda não foram utilizados. Eles estavam em pausa de Campeonato, daí a estarem a demorar mais a entrar na equipa. Tivemos o cuidado de fazerem uma mini pré-temporada. Estamos cada vez mais convencidos do que acabámos por fazer”, frisou sobre Tengstedt e Schjelderup.

“Começámos a época com 65 ativos, temos 37. Queríamos reduzir encargos do passado”

Rui Costa falou também das saídas neste mercado de inverno, a título definitivo ou por empréstimo, antes de ter uma palavra especial para André Almeida, que rescindiu contrato após 12 anos no conjunto da Luz. Em paralelo, o presidente dos encarnados falou ainda das renovações que podem ser anunciadas em breve.

“Os jogadores que saíram eram jogadores que não estavam a ter a utilização que tanto eles como o clube desejavam. O Brooks chegou no último dia do mercado passado, numa altura em que Morato se magoou, quanto António Silva ainda não era António Silva e com o João Victor e o Lucas [Veríssimo] estavam aleijados. Teve muito poucos minutos. Quando fomos buscá-lo foi porque entraríamos na Champions apenas com Otamendi e António, que ainda não estava neste patamar. Precisávamos de nos precaver. Estou muito grato pela disponibilidade que mostrou neste tempo. Não teve a utilização que o próprio esperava e trabalhar com seis centrais não seria fácil. De resto, uns foram substituídos e outros ultrapassavam naquela posição o número desejável. Helton tinha muita vontade de jogar, entendemos que deveria fazê-lo e acreditámos nos dois miúdos, Samuel e André, acreditamos neles e houve essa substituição”, destacou.

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“O André [Almeida] é um dos nossos, são muitos anos a servir o clube, um jogador que esteve nos últimos 15 títulos do clube. Merece o respeito de todos nós. Chegámos a esta conclusão porque o André depois da lesão dele teve pouca utilização. Acabava contrato no fim da época e dando-lhe a rescisão no último dia de mercado dá-lhe a possibilidade de escolher já outro destino, caso contrário podia ficar sem minutos e sem escolha de outro projeto. Assim pode escolher outro projeto. Mas será sempre um dos nossos, deu muito ao Benfica. Nem sempre foi compreendido mas teve sempre de extrema importância”, realçou, antes de anunciar que a renovação de Vlachodimos está “praticamente feita”, tal como a de André Gomes.

“Sobre os emprestados, para o Henrique Araújo, escolhemos um Campeonato que vai dar o que um ponta de lança precisa. Vai ter um crescimento enorme. O Paulo Bernardo também. João Victor vai para França, tínhamos seis centrais, vai jogar para se adaptar à Europa. São três jogadores que fizemos empréstimo não porque estavam em excesso mas pelo futuro deles. O Seferovic é uma situação diferente, na Turquia não tinha utilização que queria então foi para Espanha, para jogar mais. A ideia era continuar o projeto que iniciámos este ano, reduzir número de ativos que tínhamos nos últimos anos com encargos e até outros emprestados. Começámos este época com 65 ativos, entre os que sobem para a equipa A. Era um número exagerado e o projeto passa por reduzir esse número. Agora estamos com 37. Sempre disse que o ideal no plantel seria entre 24 e 27 jogadores”, explicou ainda sobre as outras operações de mercado.

“Saldo positivo? Não eram estes números que queríamos estar aqui a ver, quero ver daqui a uns meses o que foi conquistado esta época. Esta parte é importante para a vida do clube. A mensagem que deixo é: temos tudo para continuar a fazer uma bela época e vamos olhar para a nossa equipa como sempre olhámos. Estamos com a equipa certa, o treinador certo e jogadores certos. Se tirarmos o valor do Enzo não gastámos de forma exagerada no mercado. Estamos a usar todos os critérios para termos o equilíbrio financeiro mas sempre olhando para o plano desportivo. Se algum benfiquista estiver preocupado com a parte financeira, digo que nada tem sido feito sem o máximo de critério”, concluiu Rui Costa na entrevista à BTV.