Trabalhadores, regra geral, satisfeitos, a relatar menores níveis de stress e ansiedade, menos demissões e uma produtividade que se manteve praticamente inalterada, apesar da redução em quatro horas da jornada semanal de trabalho. Os primeiros três meses dos dois anos da experiência-piloto da tecnológica portuguesa 360imprimir com a semana de quatro dias chegaram ao fim e o balanço geral é “bastante satisfatório”, diz ao Observador o CEO, Sérgio Vieira. Mas há indicadores que a empresa vai manter debaixo de olho nos próximos barómetros: as ausências, que não só não diminuíram como o esperado, como até subiram; a quebra do volume de trabalho; ou o facto de 13% dos trabalhadores e 36% das chefias indicar que ainda não conseguiram usufruir do dia extra de folga na totalidade.

“Queremos ter algum cuidado quando olhamos para estes indicadores. Existe ainda uma volatilidade normal. Mesmo apesar de as saídas terem diminuído 35%, sou bastante cauteloso a tirar conclusões sobre este impacto. É importante deixar correr alguns trimestres para conseguir olhar para os indicadores de forma mais cuidadosa”, refere Sérgio Vieira.

Desde outubro que praticamente todos os 200 trabalhadores da empresa aderiram, de forma voluntária, ao novo modelo de trabalho que implica passar de 40 horas semanais para 36 horas, sem qualquer corte salarial: ou seja, os trabalhadores têm de fazer mais uma hora por dia em troca de um dia extra de descanso, que é fixo para a maioria e rotativo nas áreas de operações e atendimento ao cliente (para garantir a cobertura de funções essenciais em todos os dias da semana). Menos de cinco trabalhadores preferiram ficar de fora, um valor baixo que não preocupa a organização.

As primeiras semanas de implementação do novo modelo “foram bastante complicadas“, conta Sérgio Vieira. “Não foi uma questão de concentrarmos todo o trabalho de segunda a quinta-feira. Nota-se a quebra do quinto dia”, afirma. As chefias foram “muito importantes nesta transição”, mas, para elas, não foi tão fácil reduzir as horas de trabalho como para os restantes trabalhadores: enquanto 87% dos funcionários afirmam conseguir usufruir do dia dia extra “regularmente”, nas chefias este número baixa para 64%. Ou seja, 36% das chefias indica “não usufruir ainda do dia off na totalidade”.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Trabalhadores em 6 países testaram semana de 4 dias: produtividade melhorou, mas para um terço ritmo de trabalho subiu

Um “período de habituação”

Segundo Sérgio Vieira, estes valores explicam-se com a adaptação ao modelo e à necessidade em garantir que a empresa não falha aos clientes e investidores. “Quando discutimos avançar com o modelo, colocámos em cima da mesa a necessidade absoluta de mantermos o output, até porque somos uma empresa em elevado crescimento, temos investidores nacionais e internacionais com expectativas muito elevadas sobre a nossa empresa”, diz.

Isso levou a que, em alguma semanas, não fosse possível não trabalhar ao quinto dia, ainda que apenas algumas horas, para responder às solicitações da procura. Aconteceu, por exemplo, na semana da “Black Friday”, em que a empresa pediu para os funcionários trabalharem cinco dias, sendo o quinto dia pago como se fosse feriado. Nas chefias, as exceções são mais frequentes, tal como anteriormente. “Verificámos nas chefias que algum do trabalho que faziam fora de horas, ao sábado de manhã ou ao domingo, deixaram de fazer e têm o fim de semana totalmente livre.” Quando existe, esse trabalho extra que era feito ao fim de semana passou a ser feito à sexta-feira.

Ainda assim, os números vão “ao encontro” da expectativa da empresa e da consultora que apoiou a 360imprimir na adoção do modelo, a Deloitte. Mas serão monitorizados nos próximos barómetros, também para perceber como “uma melhor organização e adaptação” podem permitir melhores resultados. Um eventual reforço das equipas também será equacionado. “É preciso não esquecer que todos estávamos habituados a trabalhar cinco dias por semana. As atividades não reduziram, a empresa não deixou de crescer e, por isso, não é tão fácil assim, de um dia para o outro, desligar e dizer que agora não trabalhamos à sexta-feira. É normal que haja algum período de habituação“, aponta Sérgio Vieira.

Absentismo aumentou. Efeito do inverno?

Durante seis meses, a 360imprimir estudou “novas tendências de modelos de trabalho”. A semana de quatro dias assumiu-se como uma estratégia para atrair trabalhadores mais qualificados na área tecnológica, pelos quais as empresas portuguesas concorrem com as estrangeiras, que muitas vezes oferecem salários mais atrativos. No desenho do teste, a tecnológica procurou seguir duas linhas para ter um modelo “equilibrado” para empresa e trabalhadores: por um lado, reduzir as horas de trabalho semanal libertando um dia para descanso — sendo que, se numa semana há um feriado, não há direito ao dia extra, garantindo-se sempre um descanso de três dias — e “minimizar a redução do output“. Houve um reforço do número de trabalhadores — nas áreas operacionais — para responder às necessidades do modelo.

Como é que as empresas vão poder testar a semana de quatro dias em 18 respostas

Essa estratégia levou a uma redução de 7% do número de horas trabalhadas. Menos horas de trabalho significou menos trabalho realizado, mas não exatamente na mesma proporção: se as horas caíram 7%, o volume de trabalho diminuiu 6,4%, o que faz com que a produtividade tenha subido muito ligeiramente, 0,6% face ao trimestre anterior. O volume de trabalho é medido de forma aproximada, junto de uma amostra de 30 a 40 trabalhadores das áreas operacionais, onde as métricas são mais objetivas — por exemplo, número de chamadas atendidas, de pedidos satisfeitos, mas também da qualidade destes processos.

Esse indicador continuará a ser monitorizado, assim como o do absentismo. É que, ao contrário do que a empresa esperava, as ausências ao trabalho subiram, e 16% face ao trimestre anterior, passando de 0,19% para 0,22%. Sérgio Vieira evita tirar grandes conclusões dessa evolução e fala numa “volatilidade normal” quando se compara trimestres consecutivos.

“Estamos a ter um inverno particularmente frio e pós-Covid, com muitas doenças que podem estar a explicar essa taxa de ausências para assistência à família, por exemplo”, sublinha. Além disso, a empresa também esperava que os trabalhadores tendencialmente procurassem fazer agendamentos pessoais, como consultas, para o dia extra. Mas isso não aconteceu necessariamente: “Não houve uma migração total das consultas programadas de segunda a quinta-feira para sexta-feira“. Ainda assim, pela baixa expressão que tem (0,22%, o que equivale a cerca de 26 dias de ausência, em três meses, para 200 trabalhadores) o absentismo não traz preocupação.

A empresa procurou também saber como é que as chefias percecionavam a evolução da produtividade.: 88% dizem estar satisfeitos com o desempenho das equipas, logo, 30% assumem que a equipa não produz o mesmo do que na semana de cinco dias. Um resultado melhor do que o esperado, diz Sérgio Vieira. “Até me surpreende por ser uma percentagem baixa. Ou seja, na verdade até estranho que 70% indiquem que não houve redução do volume de output. O que os dados nos dizem é que de forma generalizada, o output caiu, embora abaixo da quebra de 7% das horas trabalhadas, a produtividade ficou estável ou aumentou ligeiramente. A minha expectativa seria que as chefias dessem essa resposta [de que houve uma quebra face à semana de cinco dias]”, afirma.

Há 90 empresas interessadas na semana de quatro dias de trabalho

Os níveis de stress relatados pelos trabalhadores diminuíram. Para evitar um enviesamento da perceção, os trabalhadores foram chamados a preencher um inquérito antes de a experiência ter sido anunciada na empresa, e outro para avaliarem o trimestre. Comparando esses dois inquéritos, o stress, a fadiga e a ansiedade caíram 4%. Segundo o inquérito, a semana de quatro dias é atualmente “o principal fator de motivação dos colaboradores” e 83% dos inquiridos dizem que o modelo lhes permite passar mais tempo com a família e os amigos.

Sérgio Vieira salienta também como as saídas da empresa caíram 35% face ao trimestre homólogo de 2021, sendo que 75% diz que precisaria de um aumento salarial de, pelo menos, 30% para considerar voltar à semana de cinco dias. E que dispararam as candidaturas para a empresa (297% em comparação com o trimestre homólogo), que atribui, pelo menos em parte, à publicidade que a empresa recebeu quando anunciou o modelo dos quatro dias e a mudança para o trabalho remoto como regra, com o encerramento dos escritórios em Lisboa e em Braga. “É o impacto de tudo um pouco. Recebemos 14.500 candidaturas num trimestre para funções especializadas. Sem dúvida que a exposição mediática teve um impacto grande”, refere.

A empresa parte otimista para o novo trimestre com a semana de quatro dias, que terá sempre uma avaliação trimestral. O piloto, implementado de forma independente ao projeto que o Governo vai ajudar a aplicar no privado, estará em vigor ao longo de dois anos, mas, refere Sérgio Vieira, “a ideia é que possa viver além desse período”.