A tutela da ANI (Agência Nacional de Inovação) é partilhada pelos ministérios da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior e da Economia. Elvira Fortunato e António Costa Silva, respetivamente, receberam uma carta da presidente deste organismo público a demitir-se, dizendo não ter apoio político.
A carta, divulgada pelo Eco e depois noticiada pela Lusa, explicava que a renúncia, avançada pelo Negócios, era apresentada “por considerar já não estarem reunidas as condições para exercer o meu cargo e as suas funções”. Joana Mendonça entrou na ANI em maio de 2021. E denunciava “uma crescente dificuldade em receber orientações da tutela, designadamente em matérias de crucial importância para a Agência”, nomeadamente não tendo recebido a aprovação da proposta para o Plano de Atividades e Orçamento (PAO) da ANI para 2023.
Joana Mendonça escrevia ainda que tinha solicitado uma reunião de trabalho com a ministra da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior “e não teve qualquer resposta até ao momento”. Contactado pelo Observador, o ministério tutelado por Elvira Fortunato diz apenas que “o Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior não comenta esta matéria”. A mesma abordagem foi feita pelo ministério de Costa Silva: “O Ministério da Economia e do Mar não tem, nesta altura, nenhuma comentário a fazer”.
Com os dois ministérios em silêncio, o caso já passou para o Parlamento e a Iniciativa Liberal vai tentar que os ministros sejam ouvidos.
Em requerimento apresentado esta terça-feira, a que o Observador teve acesso, o grupo parlamentar da IL considera que “o que é dito na carta é grave e, para a Iniciativa Liberal, carece de explicações aprofundadas”. Por isso, “solicitamos as audições, com carácter de urgência, da presidente demissionária da Agência Nacional de Inovação – independentemente da sua manutenção no cargo ou da sua substituição, à data da audição –, bem como da ministra da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior e do ministro da Economia e do Mar”. Pelo que diz ser “a importância das acusações feitas para as duas tutelas”, a IL requer a audição conjunta na Comissão de Economia, Obras Públicas, Planeamento e Habitação e da Comissão de Educação e Ciência.
A reunião de Joana Mendonça foi pedida à ministra da Ciência e Tecnologia, mas as críticas estendem-se aos dois ministérios. Segundo a carta, há “uma série de questões de interesse crítico para o futuro da ANI”, para as quais diz não ter conseguido “qualquer interação com as (…) tutelas”. Nessas questões de interesse crítico refere as agendas mobilizadoras no âmbito do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) — “formulei e enviei uma proposta sobre o modelo de acompanhamento das “agendas mobilizadoras para a Inovação”, ao qual nunca obtive qualquer resposta, não sabendo até hoje se existe já um modelo de acompanhamento”. Diz também ter enviado propostas de “dinamização das ações em curso no âmbito da “Missão interface” do PRR”, sem resposta, não tendo, ainda, qualquer orientação da tutela sobre o papel da ANI no PT 2030. E, por fim, ainda refere que as mudanças legislativas ao SIFIDE, benefícios fiscais à inovação cujo processo de decisão está na ANI, foram feitas à margem da agência. Estas alterações estão em discussão no Parlamento.
As mudanças ao SIFIDE estão a ser realizadas depois de uma auditoria da Inspeção-Geral das Finanças (IGF) a qual detetou irregularidades e deficiente fiscalização por parte da ANI.
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Joana Mendonça pediu a sua substituição até 31 de março. O Governo não deu respostas sobre a sua substituição ao Observador. Da parte do Ministério da Economia tem havido mudanças nos organismos por si tutelados. Ainda recentemente foi mudado o presidente do IAPMEI, isto depois de também ter havido a demissão de dois secretários de Estado. João Neves, que era secretário de Estado da Economia, foi um deles e já comentou, no Linkedin, esta demissão na ANI.
“As notícias que dão conta do pedido de exoneração de Joana Mendonça como presidente da ANI são preocupantes. A história desta importante organização tem sido de grandes vicissitudes, incluindo uma tentativa de destruição através de um incompreensível despedimento coletivo nos tempos da troika. Nos anos mais recentes foi sendo possível, mesmo que de forma limitada e contraditória, construir uma política virada para a valorização económica do conhecimento, reforçando o ecossistema de inovação”. Para o ex-governante, há cinco marcos “estruturantes em que a ANI e Joana Mendonça tiveram um papel relevante: Programa Interface, por iniciativa dos ministros Manuel Heitor e Caldeira Cabral; lançamento dos Laboratórios Colaborativos, também por iniciativa de Manuel Heitor; revisão legislativa dos Centros de Tecnologia e Inovação, por minha iniciativa, e criação no âmbito do PRR da Missão Interface para financiar de forma adequado o conjunto das entidades de interface, com base num modelo de avaliação de resultados; e, lançamento das Zonas Livres Tecnológicas (a primeira da Marinha em Tróia), na sequência de iniciativas anteriores de várias entidades com destaque para o CEIIA”.
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João Neves não tem dúvidas de que o “mandato de Joana Mendonça foi de recuperação do papel central da ANI”. E conclui:
“Se as notícias são preocupantes espero sinceramente que elas não signifiquem voltar atrás na história e que o ecossistema afirme a importância de uma ANI ao serviço do país e de empresas que inovam e querem um futuro melhor”.
(notícia atualizada às 14h50 com resposta do Ministério da Economia)