Afinal, não são anos, mas meses. Os proprietários de casas devolutas com condições de habitabilidade terão 100 dias (menos de 3 meses e meio) para dar uso ao imóvel depois de o município lhes apresentarem uma proposta de arrendamento. Caso contrário serão obrigados a colocá-lo no arrendamento. António Costa, em entrevista à TVI, tinha chegado a falar de um prazo de “anos” — “x anos”, foi a expressão que usou — para que a posse administrativa fosse desencadeada. A medida consta na proposta de diploma que o Governo colocou em consulta pública, e que também traz novidades no que toca às offshores e às rendas mais antigas.

O Governo colocou esta sexta-feira em consulta pública, até ao próximo dia 13 de março, a proposta de diploma para o pacote “Mais Habitação”, que inclui outras novidades que vão do alojamento local às offshores, passando pelo mecanismo de atualização das rendas antigas cujos contratos vão permanecer congelados.

Proprietários têm 10 dias para responder às câmaras e 90 dias para dar uso a imóvel devoluto

No artigo do diploma dedicado ao polémico “procedimento de arrendamento forçado de habitações devolutas”, o Executivo determina que os imóveis de uso habitacional classificados como devolutos “podem ser objeto de arrendamento forçado pelos municípios, para posterior subarrendamento no âmbito de programas públicos da habitação”.

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Caberá aos municípios apresentar ao proprietário uma proposta de arrendamento quando identifiquem esses imóveis devolutos. Recebida a proposta, o proprietário terá de responder no prazo de 10 dias a contar da sua receção. Se o proprietário recusar a proposta ou se não responder, e se mantiver o imóvel sem uso no prazo de 90 dias, “os municípios procedem ao arrendamento forçado do imóvel”.

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O arrendamento forçado é realizado “preferencialmente sobre imóveis que reúnem condições de habitabilidade que possibilitem o seu imediato arrendamento”. A proposta exclui do arrendamento forçado as casas que se dediquem a segunda habitação, casas de emigrantes ou habitações de pessoas deslocadas por razões profissionais, de formação ou de saúde”, as casas que estejam a ser alvo de obras ou de ações judiciais, os imóveis que sejam adquiridos para revenda por pessoas singulares ou coletivas ou que integrem um empreendimento turístico ou sejam alojamento local.

Quando o imóvel não tem condições de habitabilidade os municípios podem realizar obras “coercivamente” que sejam necessárias “à correção de más condições de segurança ou de salubridade, bem como das condições de habitabilidade”, sendo o “ressarcimento realizado por conta das rendas devidas”. Ou seja, o custo das obras é descontado da renda que o proprietário vier a receber do inquilino, como já tinha sido anunciado.

Governo “quer entrar nas casas a dentro”

A proposta de arrendamento é apresentada nos termos do que já está previsto na lei de bases da habitação para imóveis devolutos que estão em zonas de pressão urbanística. Considera-se devoluto o prédio que durante um ano se encontre desocupado. São  indícios dessa desocupação a inexistência de contratos em vigor com empresas de telecomunicações, fornecimento de água, gás e eletricidade, ou a inexistência de faturação, ou faturação baixa, relativa a consumos de água, gás, eletricidade e telecomunicações. Para a declaração de um imóvel como devoluto, os municípios têm de notificar o proprietário para que exerça o direito de audição prévia.

Fornecedoras de luz e água devem avisar câmaras de ausências de consumo

O diploma vem também propor que as empresas de telecomunicações e as empresas distribuidoras de gás, eletricidade e água enviem “obrigatoriamente” — e não apenas mediante pedido escrito — aos municípios, até 1 de outubro de cada ano, uma “lista atualizada da ausência de consumos ou de consumos baixos, por cada prédio urbano ou fração autónoma e, através de comunicação eletrónica ou outro suporte informático”. Nessa informação têm de incluir a identificação matricial de cada prédio.

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Rendas antigas atualizadas em função da inflação

Os contratos anteriores a 1990 ficarão congelados. Isto acontece porque muitos inquilinos não vão transitar para o Novo Regime do Arrendamento Urbano (NRAU) (por exemplo, se tiveram idade igual ou superior a 65 anos, deficiência com grau comprovado de incapacidade igual ou superior a 60 % ou cônjuge numa dessas situações). Mas as rendas vão passar a ser atualizadas com base na inflação e não no rendimento anual bruto dos inquilinos, como até aqui. Em concreto, com base nos coeficientes de atualização anuais que são definidos com base na taxa de inflação. O Governo já tinha adiantado que os senhorios serão compensados por travões ao aumento da renda destes inquilinos, propondo que fiquem isentos em sede de IRS sobre os rendimentos prediais e em sede de IMT. Mas também serão compensados monetariamente pelas rendas não cobradas aos inquilinos, mas ainda não está definida a fórmula de cálculo.

Mais de metade dos condóminos pode travar alojamento local

A assembleia de condóminos pode determinar o encerramento de um alojamento local numa “fração autónoma de edifício ou parte de prédio urbano suscetível de utilização independente” se mais de metade concordar, mas há duas exceções: “salvo quando o título constitutivo expressamente preveja a utilização da fração para fins de alojamento local ou tiver havido deliberação expressa da assembleia de condóminos a autorizar a utilização da fração para aquele fim”. Para que o cancelamento se efetive, a assembleia de condóminos tem de dar conhecimento da sua deliberação ao Presidente da Câmara Municipal territorialmente competente.

Offshores sem isenção de mais-valias na venda de imóveis ao Estado

As entidades sediadas em paraísos fiscais não vão, afinal, ficar isentas de tributação sobre mais-valias nas vendas de imóveis ao Estado. “Ficam isentos de tributação em IRS as mais-valias decorrentes da alienação ao Estado ou às autarquias locais de imóveis para habitação, com exceção das mais-valias auferidas por residentes com domicílio fiscal em país, território ou região sujeito a um regime fiscal mais favorável, constante de lista aprovada por portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças”, lê-se na proposta.

Ficam excluídas do apoio à bonificação de juros as famílias com poupanças acima de 29.786 euros

As famílias que sejam titulares de “património mobiliário, que inclua, nomeadamente, depósitos, instrumentos financeiros, seguros de capitalização, planos poupanças reforma (PPR) ou certificados de aforro ou tesouro, com valor total superior a 62 vezes o Indexante de Apoios Sociais (IAS)”, ficam excluídas da bonificação temporária do encargo com juros nos créditos à habitação. Essa bonificação, como já anunciado, terá um limite anual de 1,5 IAS (720 euros) que será calculado em função da taxa de esforço.

Sobrelotação? Senhorios têm de realojar inquilinos

Os senhorios que promovam arrendamento em condições de sobrelotação vão ficar responsáveis por encontrar uma “alternativa habitacional” para os seus arrendatários, caso essa situação seja detetada pelas câmaras municipais. Sempre que a fiscalização “identificar situações irregulares, a câmara municipal íntima o proprietário para a reposição da utilização nos termos autorizados”, isto “sem prejuízo da instauração do competente procedimento contraordenacional”. Mas não fica por aí: o senhorio fica com a “responsabilidade (…) pela salvaguarda de alternativa habitacional dos respetivos arrendatários”.

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