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Fumou um cigarro tranquilamente e, de olhos postos nos captores, atirou um “Glória à Ucrânia”. Foram as últimas palavras que disse antes de, no instante seguinte, ser atingido a tiro pelos militares russos que gravavam o episódio – não se sabe quando.

O vídeo de 12 segundos, alegadamente divulgado por soldados russos no início da semana, levantou uma onda de revolta na Ucrânia, que denunciou um novo crime de guerra. “Vamos encontrar os assassinos”, garantiu em resposta o Presidente VolodymyrZelensky. As Nações Unidas já se pronunciaram sobre as imagens, que dizem parecer ser “autênticas”.

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Não há, porém, uma confirmação definitiva sobre o homem que aparece nas imagens, aclamado como um herói por toda a Ucrânia. Duas famílias e dois batalhões reclamam como seu o homem que se tornou o novo símbolo da resistência ucraniana.

Tymofiy Shadura: o soldado desaparecido em Bakhmut

Palco de combates brutais há vários meses, a cidade ucraniana de Bakhmut tem sido testemunha de baixas que se estimam elevadas em ambos os lados das trincheiras. Foi neste território devastado pela guerra que desapareceu Tymofiy Shadura, um soldado da 30.ª Brigada Mecanizada Separada da Ucrânia da localidade de Mala Derevychka (região de Zhytomyr). Foi a própria unidade que, ao ver o vídeo da execução, identificou o seu combatente.

“De acordo com os dados preliminares trata-se de Tymofiy Shadura, um soldado da 30.ª Brigada Mecanizada Separada”, escrevia a unidade ucraniana numa publicação na conta de Facebook. “O comando da 30.ª Brigada e os irmãos do Herói expressam as sinceras condolências aos parentes e amigos. A vingança será inevitável. Glória à Ucrânia! Glória aos heróis!“, acrescentava.

A unidade ucraniana explicou que o soldado, de 41 anos, foi visto pela última vez no dia 3 de fevereiro, em Bakhmut. Alertavam, porém, que a confirmação da identidade não era definitiva e que era preciso recuperar o corpo, que estaria em território ocupado pelas forças russas.

A confirmação final sobre a identidade será estabelecida depois de recebido o corpo e de terem sido feitos os exames necessários”, pode lê-se na publicação.

Também o Estado-maior das Forças Armadas da Ucrânia apontou que o homem no vídeo seria Shadura. “O assassinato de um prisioneiro desarmado é um desrespeito cínico e descarado das normas do direito humanitário internacional e dos costumes de guerra (…). Os invasores russos deram uma nova prova de que o seu principal objetivo na Ucrânia é o extermínio brutal dos ucranianos“, escrevia numa publicação na conta de Facebook, em resposta à divulgação do vídeo.

Os relatos das autoridades rapidamente foram reforçados quando, em declarações à emissora BBC, Olia garantiu ter reconhecido o rosto do irmão. “Ele certamente seria capaz de enfrentar os russos assim”, reconheceu.

Confrontada com a falta de uma confirmação final, disse não estar a recolher dinheiro em nome dos familiares, uma vez que ainda permaneciam dúvidas quanto à verdadeira identidade do soldado. “Eu reconheço o meu irmão naquele vídeo. Mas se não é ele, então lamento pelos seus familiares. E nesse caso, alguém me pode ajudar a encontrar o meu irmão?”.

Oleksandr Matsievsky: o soldado que prometeu que nunca se iria render

“Mãe, nunca me vou render”. Estas foram as últimas palavras trocadas entre Oleksandr Matsievsky e a mãe, no dia 29 de dezembro, antes de desaparecer em combate na cidade de Soledar, perto de Bakhmut. O soldado, que integrou o 163.º batalhão da 119.º brigada da Defesa Territorial, foi também identificado como o homem no vídeo.

Horas depois de o comando militar ucraniano ter alegado que o homem executado no vídeo era Tymofiy Shadura, o jornalista ucraniano Yurii Butusov contava outra historia. Numa longa publicação publicada no Facebook, o repórter sugeria que se tratava na verdade de Matsievsky, um soldado de 42 anos desaparecido durante confrontos com as forças russas.

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Segundo Butusov, o soldado vivia na cidade de Nizhyn, na região de Chernihiv, onde trabalhava como eletricista. Não tinha experiência militar, mas acabou por se voluntariar para integrar o exército ucraniano após o início da invasão russa. Serviu durante vários meses na 119.º brigada da Defesa Territorial, sendo transferido para Bakhmut em novembro do ano passado e para a cidade de Soledar no mês seguinte.

Um pormenor em particular dava força à história que partilhava: uma fotografia tirada dez dias antes da captura de Matsievsky. Na imagem, era possível ver que o soldado tinha um penso por cima da sobrancelha esquerda, tal como o homem do vídeo.

“Os russos que publicaram o vídeo queriam humilhá-lo, mas o mundo inteiro acabou por ver o crime horrível dos militares russos contra um combatente desarmado”, escreveu o jornalista.

No dia seguinte um comunicado da Administração Regional das Forças do Distrito Militar do Norte das Forças Armadas da Ucrânia alegava que o soldado era de facto Oleksandr Matsievsky. Agora, a mãe do soldado veio a público garantir que tinha reconhecido o filho.

“É o meu Sasha”, garantiu Praskovyia em entrevista ao jornal alemão Bild. A mulher recordou como, através das redes sociais, se apercebeu que era o seu filho. “Foi de noite. Abri o Facebook, estava a ver um vídeo … Era o Sasha. Era um vídeo horrível de uma execução. Estava a ver e percebi que era o meu filho. Gritei: Sasha. Foi um choque”. E voltou a ver o vídeo.

Também o neto, Mykhailo, de 19 anos, reconheceu o pai nas imagens. “No dia seguinte ligou-me e disse: ‘É o nosso pai, eu reconheço-o, a maneira como fuma, a maneira de estar, é o nosso pai'”, relatou Praskovyia ao Bild, já depois de ter confirmado o mesmo numa entrevista ao canal Suspilne Chernihiv.

Tymofiy Shadura ou Oleksandr Matsievsky? Quem é, então, o homem das imagens?

Se Tymofiy Shadura ou Oleksandr Matsievsky, para já não há certezas. “Temos que esperar que o Estado-maior das Forças Armadas da Ucrânia anuncie uma conclusão oficial”, resumiu ao The Guardian Oleksandr Kodola, presidente da câmara de Nizhyn, onde residia Matsievsky.

“Acho que poderá tornar-se outro símbolo da resistência da Ucrânia. Para comemorar o herói vai haver várias iniciativas. Podemos instalar um monumento ou, talvez, nomear uma rua em seu nome”, sugeriu, ressalvando que é necessário identificá-lo primeiro.

Ao contrário do caso de Shadura, cujo corpo continua desaparecido, a família de Matsievsky já tinha enterrado o seu familiar. O corpo do soldado foi devolvido em fevereiro, juntamente com o de dois irmãos, após uma troca com a Rússia.

As autoridades estão, segundo Kodola, a iniciar uma investigação, existindo a possibilidade de avançarem como uma exumação dos restos mortais. “Claro que podem vir a descobrir que este herói não é Matsievskyi, mas uma pessoa completamente diferente”, explicou.

Em Mala Derevychka, os residentes permanecem convencidos de que o homem no vídeo é Shadura. Ao The Guardian, os residentes que o conheciam disseram que o reconheceram não só pelo aspeto físico, mas também pela maneira de estar e até pela forma como fumava. “Todos estão chocados, a chorar. Eu digo-o: os atos de Shadura são heroicos, porque ele, como um herói, disse ‘Glória à Ucrânia’“, disse ao jornal britânico Serhiy Melnyk.