Quando os utentes da Associação de Paralisia Cerebral de Lisboa chegaram à Ponte 25 de Abril, na manhã deste domingo, para participar na Mini Maratona de Lisboa, nunca pensaram que o maior obstáculo seria outro: os participantes — inscritos e com dorsal — foram impedidos de participar pela organização, a Maratona Clube Portugal, e pela Polícia de Segurança Pública, que foi chamada a intervir. As denúncias começaram a surgir logo após o episódio, em publicações de vários atletas nas redes sociais. Na manhã desta segunda-feira, à Rádio Observador, chegava a confirmação por parte da presidente da Associação de Paralisia Cerebral de Lisboa, numa situação resolvida em reunião durante a tarde, a pensar em futuras edições.
Na edição deste domingo, cerca de 20 associados, alguns em estreia, foram impedidos pelo diretor da prova de receberem as cadeiras de rodas desportivas — e por isso de participarem — com o pretexto de que não havia condições de segurança para o fazerem. Uma informação que chegou ali, com os paratletas já prontos, e que não estava presente no regulamento. Aliás, todos estes participantes conseguiram fazer a inscrição e levantar os dorsais respetivos. À Rádio Observador, a presidente da Associação de Paralisia Cerebral, Ivone Silva, garantia a surpresa: “Não tivemos nenhuma indicação. Os participantes fizeram a inscrição, deslocaram-se com toda a naturalidade para a prova e foram surpreendidos, até por serem já vários anos a participar”.
No total são já mais de 20 anos com presença assídua de pessoas em cadeira de rodas nas provas da Meia Maratona de Lisboa. De 1998 a 2018 não falhou nenhuma, apenas com a pandemia a meter-se pelo meio. O que mudou então, do outros anos para este? A Maratona Clube Portugal escreve em comunicado que “as regras foram comunicadas no regulamento das provas” e que lamenta “se não estiveram claras o suficiente”. Mas olhando para o regulamento das provas deste ano, não há uma única referência a “cadeira de rodas” nem a paratletas que queiram participar. A única associação é feita pela própria organização, que tanto no comunicado como no regulamento mistura “cadeiras de rodas, cadeiras de bebés e outros equipamentos”. Pode ler-se no ponto 32 que “é expressamente proibido a participação de pessoas com animais de estimação, carrinho de bebé, patins, bem como com qualquer outro acessório que não seja utilizado para este tipo de provas”.
Para Ivone Silva, não há comparação possível entre os itens proibidos e uma cadeira de rodas. “Uma cadeira de rodas não é um acessório. É como se fossem as nossas pernas. Qualquer ambulante usa as pernas numa corrida. Neste caso, os nossos utentes, não podendo usar as pernas, usam a cadeira, é parte integrante. No regulamento não fica expresso que uma cadeira de rodas não possa participar”. Para além disso, não vê alterações no regulamento face a outros anos. Tanto que, em 2022 — já com o mesmo ponto 32 no regulamento, mas com outro número — a Meia Maratona de Lisboa teve a presença de Eric Roldan, um maratonista amador espanhol que correu a empurrar a cadeira de rodas com a mãe, que tem esclerose múltipla, tendo mesmo sido essa imagem amplamente promovida em termos de marketing. Nas redes sociais, os participantes vão rejeitando o argumento da falta de segurança, muitos deles até apontando: “O que não faltavam era carrinhos de bebé durante toda a prova”.
Depois de reunião a promessa: pessoas em cadeira de rodas vão poder voltar a participar
Na tarde desta segunda-feira, a Associação de Paralisia Cerebral, os Iron Brothers — grupo de irmãos que participam nestas provas adaptadas — e o Maratona Clube Portugal estiveram reunidos e de lá saiu uma garantia: as pessoas em cadeira de rodas vão poder participar em futuras edições da Meia Maratona de Lisboa.
Em comunicado enviado à Lusa, e confirmado por fonte da Associação de Paralisia Cerebral à Rádio Observador, a situação foi resolvida, com a organização a admitir em comunicado que existiram “problemas de comunicação” e “alguma falta de sensibilidade dos responsáveis no terreno” num “incidente que nunca devia ter acontecido”. O Maratona Clube Portugal reforça novamente que a exclusão desta edição se deveu apenas a “questões de segurança decorrentes da especificidade do tabuleiro da ponte 25 de Abril, da salvaguarda da integridade física de todos os participantes”.
Também no comunicado, o Maratona Clube Portugal dirige-se diretamente aos participantes e garante ter pedido desculpas pelo “incidente em que se viram envolvidos alguns jovens da Associação”, recordando ter sido “pioneiro na inclusão de atletas com incapacidade em todas as provas.
IPDJ e INR repudiam exclusão
O Instituto Português do Desporto e Juventude (IPDJ) e o Instituto Nacional para a Reabilitação (INR) expressaram a sua indignação com o episódio, em comunicado enviado à Lusa. “O Instituto Nacional para a Reabilitação (INR) e o Instituto Português do Desporto e Juventude (IPDJ) vêm demonstrar o seu repúdio quanto aos acontecimentos relatados, que constituem não só uma violação do regulamento em si, como uma clara violação da Lei da Não Discriminação, devendo, como tal, ser punido nos termos previstos”, pode ler-se na missiva assinada por ambos os institutos.
Segundo a mesma nota, as questões alegadas relacionadas com “a salvaguarda da integridade física de todos os participantes e garantia de segurança” têm um “teor prático” que “se desconhece” e está omisso no regulamento da prova.