O advogado dos 13 militares da Marinha Portuguesa que recusaram embarcar no navio Mondego para uma missão de acompanhamento de um navio russo no último fim de semana acusa Henrique Gouveia e Melo, chefe do Estado Maior da Armada (CEMA), de ter violado a lei ao acusar publicamente os 13 militares de insubordinação e diz que o almirante está a ignorar factos com “relevo” para a compreensão da história.

Em entrevista este sábado à Rádio Observador, o advogado Paulo Graça indignou-se depois de ter ouvido Gouveia e Melo dizer, na SIC, que não tinha dado qualquer raspanete público aos militares.

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“Ouvi as explicações do senhor almirante, Chefe de Estado Maior da Armada, e não retiro uma vírgula àquilo que disse. Aliás, todos nós vimos, o país viu, o senhor almirante de dedo espetado, com a postura corporal que toda a gente viu, invectivar os militares, perguntando-lhes que interesses tinham servido”, disse Paulo Graça.

“Os militares foram ofendidos na sua honra por este tipo de afirmações”, acrescentou o advogado que defende os 13 militares, que vão ser ouvidos pela Polícia Judiciária Militar na segunda-feira.

No entender do advogado, o almirante violou o princípio básico de que “quaisquer sanções que qualquer militar deva sofrer devem sempre ser aplicadas com o recato necessário à preservação da dignidade das pessoas”.

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“Assinalo também que o senhor almirante mantém as condenações, as adjetivações. Para o senhor almirante, houve ali uma insubordinação. Veremos se houve ou não houve insubordinação. Há factos, que não são ainda conhecidos do público, mas que serão a seu tempo, que farão uma luz diversa relativamente àquilo que se passou no dia 11 de março”, acrescentou ainda, recusando avançar para já os argumentos que a defesa dos militares pretende desenvolver no desenrolar do processo.

“Até agora, temos ouvido apenas a versão que a marinha quis que nós ouvíssemos”, critica o advogado. “Se estivéssemos a ver um jogo de futebol, estamos a ver apenas por uma única câmara. Não tivemos oportunidade de ver este lance através de uma outra câmara.”

Segundo Paulo Graça, a defesa dos 13 militares apresentará factos que permitirão ver “certamente uma história diferente daquela que está a ser veiculada para a comunicação social e para o país”. O advogado insiste que, com esses dados, “as pessoas farão o seu juízo” e, em princípio, não chegarão “às conclusões precipitadas que neste momento estão a ser tiradas”.

“Gouveia e Melo apresenta uma versão da história baseada em dois ou três factos, esquecendo muitos outros, e esquecendo o relevo que esses muitos factos têm”, adianta. “Aquilo que o senhor almirante refere são qualificativos relativamente a determinadas situações, que ele conta de determinada maneira. Aquela maneira que a Marinha está a desenvolver desde há dias a esta parte.”

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Paulo Graça voltou a dizer que “ninguém até agora ouviu estes militares” e acusa Gouveia e Melo de atropelar o processo disciplinar da Marinha.

“A mais alta instância disciplinar da Armada já concluiu aquilo que entendeu por bem concluir e estes militares não foram ainda ouvidos. E têm de ser ouvidos no âmbito dos respetivos processos disciplinares e criminais. Aí se verá então se eles praticaram ou não atos condizentes com a qualificação de insubordinação”, disse, rejeitando “totalmente” a acusação.

“Não considero que houve um desrespeito pela hierarquia militar. Com muita surpresa minha, ouvi ontem o senhor almirante referir, se bem entendi, que parece que haveria uma certa forma de recurso, ao arrepio da linha de comando, que seria um telefonema para o gabinete dele. Se o senhor almirante CEMA defende a disciplina, e defende a disciplina hierarquizada, conforme eu julgo ser o pressuposto de que parte, aquilo que ontem disse foi uma coisa totalmente diferente. Se eu bem ouvi, o senhor CEMA disse que os militares até poderiam passar a linha de comando, ultrapassá-la, passar por linha dela, e vir diretamente ao seu gabinete”, afirma o advogado. “Fiquei surpreso, mas anotei esta nova versão das possibilidades de entendimento da hierarquia da Marinha de Guerra Portuguesa.”

Segundo Paulo Graça, este problema “deveria estar a ser tratado por uma hierarquia inferior”.

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“De acordo com o que consta do Regulamento de Disciplina Militar, o senhor CEMA apenas interviria no fim do processo. Teria de haver uma acusação, uma defesa, uma produção de prova. Tudo isto tem de ser sopesado e avaliado por uma instância intermédia. Da decisão dessa instância intermédia, caberia recurso final necessário para o senhor CEMA. Então, aí sim, na posse de todos os elementos, daqueles que a Marinha entendesse por bem levar ao processo e aqueles que os visados levarão ao processo, então aí o senhor CEMA interviria e aí teria uma legitimidade diferente para falar”, diz Paulo Graça.

“O senhor CEMA violou completamente a lei. Antecipou-se, fez um pronunciamento público”, diz ainda. “Os meus constituintes foram humilhados em público.”

Questionado sobre se poderá avançar com um processo contra Gouveia e Melo, o advogado não confirmou nem desmentiu. “Não posso estar a adiantar aquilo que vai ocorrer”, respondeu. “Todos nós sabemos como é que os assuntos começam, não sabemos como é que eles acabam.”