O diretor do centro de traumatologia integrado do Hospital São José avisou este domingo que o Serviço Nacional de Saúde (SNS) enfrenta “sérios riscos de colapso” no verão se não houver soluções para as urgências, alertando para a sobrecarga dos profissionais.

Se não forem encontradas soluções de base sólidas e consensuais, penso que vai haver sérios riscos de colapso durante este período de verão. Podem ser colapsos maiores ou menores, mas vai haver sérios riscos em termos de funcionamento“, afirmou João Varandas Fernandes, que realçou o aumento de afluência às urgências do Centro Hospitalar Universitário Lisboa Central (CHULC) com o encerramento de outras urgências e unidades de internamento.

Em declarações à Lusa, o responsável clínico enumerou os casos de Santarém, Loures, Hospital de Santa Maria (Lisboa) e Garcia de Orta (Almada) para explicar a realidade que se vive atualmente no CHULC — Hospital de São José, argumentando que “não é possível continuar assim” e que não há equipas em número suficiente para acudir a todos os encerramentos.

“Os profissionais de São José têm garantido a resposta a doentes fora da sua área de influência nestes serviços de urgência e isso tem vindo a acelerar”, referiu, continuando:

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Em média temos entre 52% a 60% de doentes assistidos nas urgências do CHULC provenientes de fora da área. Estamos na primeira linha para evitar essas falhas e as equipas de urgência não se têm poupado a esforços, mas, se não é encontrada uma solução, as ameaças são concretas”.

Reiterando um “enfraquecimento do SNS com sérios riscos de colapso”, Varandas Fernandes lembrou que os profissionais de saúde também têm direito a descanso com as famílias no verão e que a situação pode então agravar-se com um previsível aumento da afluência. “Sabemos que não é fácil, mas têm de ser encontradas soluções rápidas”, observou.

“Isto já se anda a arrastar há imenso tempo e era previsível acontecer há vários anos. Não foram tomadas as medidas necessárias. Temos tido nos últimos anos um sistema de saúde muito amarrado ideologicamente e é necessário encontrar novas formas de organização e de gestão clínica”, esclareceu, considerando que “encerrar urgências por falta de recursos humanos é uma coisa óbvia” e que importa ir “mais longe” na busca de soluções.

Entre as possíveis respostas para os problemas, o médico recorreu ao exemplo dos centros de responsabilidade integrada como um caminho para a defesa do SNS, algo que disse ser “fundamental e imprescindível” para a sociedade portuguesa.

Os profissionais — todos, sem exceção — são remunerados na sua base, mas depois têm um sistema complementar de incentivos perante os indicadores que são cumpridos e a produção que têm e a qualidade assistencial que demonstram. Isso é uma das formas: desenvolver cada vez mais no país os centros de responsabilidade integrado, centralizando as patologias. É uma coisa fundamental”, frisou.

Varandas Fernandes deixou ainda um repto ao poder político e à Direção Executiva do SNS, liderada por Fernando Araújo, para que algo seja feito “de forma rápida e sustentável” a fim de evitar uma quebra na resposta assistencial à população.

É necessário ir mais longe, mais fundo, ter uma grande articulação e fazer escolhas por patologia e diferenciação. Não é possível termos tudo em todo o lado e tem de ser posta em prática uma visão mais moderna do SNS, se é que o queremos manter”, notou, concluindo: “A Direção Executiva do SNS tem de ir mais longe e ouvir os profissionais. Atuar em cima da crise não é bom conselheiro”.

Diretor de pediatria de Loures também teme encerramento da urgência no verão

Na quinta-feira, Paulo Oom, diretor do serviço de pediatria do Hospital Beatriz Ângelo, alertou em entrevista ao Observador que a urgência pediátrica em Loures pode ter mesmo de encerrar definitivamente durante o verão, caso não se contratem pelo menos mais oito profissionais de saúde para render os médicos que vão de férias entre junho e setembro.

Estou preocupado, porque a urgência está a funcionar à custa de um grande esforço dos profissionais de saúde do serviço. Não sabemos se podemos garantir o mesmo esforço durante o verão, quando os médicos estarão de férias, porque não posso sobrecarregar mais os que ficam”, confessou Paulo Oom em entrevista ao Observador.

Em Loures, os oito médicos no serviço estão disponíveis para fazer 24 horas semanais na urgência pediátrica — mas contratualmente só teriam de fazer 12 a 18 horas. Só que nem o“espírito de sacrifício” destes profissionais de saúde basta para garantir o funcionamento pleno do serviço de urgência pediátrica — nem mesmo agora, muito menos na altura do verão.

Se não entrarem profissionais, a urgência de pediatria do Beatriz Ângelo no verão vai ter de encerrar mesmo. Mesmo aos dias de semana. Não tem qualquer hipótese de funcionamento porque não tem gente”, avisa Paulo Oom.

Na deliberação publicada na segunda-feira pela Direção Executiva do SNS, relativa à reorganização das urgências pediátricas na região de Lisboa e Vale do Tejo, Fernando Araújo admite a “necessidade de captação e fixação de especialistas e internos de formação especifica de pediatria, criando condições de diferenciação e valorização do desempenho, bem como de equilíbrio com a vida familiar, o que se traduz, na redução do recurso exagerado ao trabalho suplementar”.

Urgência pediátrica do Hospital de Loures em risco de fechar portas no verão, alerta diretor de serviço

E menciona o “desenvolvimento de projetos que visam criar equipas dedicadas ao serviço de urgência de pediatria, nomeadamente através de Centros de Responsabilidade Integrados”. Mas o risco de encerramento em Loures não se diluiu com o novo plano para as urgências pediátricas apresentado pela Direção Executiva do SNS esta segunda-feira.

Com um serviço de urgência pediátrica a funcionar no limite e com as dificuldades que se adivinham para preencher as escalas no verão, a “grande esperança” de Paulo Oom é que o Ministério da Saúde, a Direção Executiva do SNS e a administração do hospital consigam atrair “rapidamente” — e “tem mesmo de ser de um dia para o outro”, sublinha — mais clínicos para trabalharem no hospital. Nem que seja para manter o esquema atual com fechos à noite e aos fins de semana.