Um ex-comandante da base aérea de Maceda é suspeito de ter gastado indevidamente mais de 30 mil euros com o fornecimento de refeições à sua mulher e filho, além da aquisição de géneros alimentícios e bebidas alcoólicas diferenciadas.

O coronel, atualmente na reforma, foi acusado pelo Ministério Público (MP) de Aveiro de 19 crimes de recebimento indevido de vantagem, 14 crimes de abuso de poder, quatro crimes de peculato de uso e um crime de denegação de justiça e prevaricação.

A acusação do MP, divulgada pela Procuradoria-Geral Regional do Porto a 20 de março e consultada esta quinta-feira pela Lusa, refere que o ex-comandante, de 59 anos, terá obtido benefícios ilegítimos para si e para a sua família e recebido ou proporcionado vantagens indevidas a outros militares e trabalhadores civis da unidade, causando um prejuízo ao Estado de quase 200 mil euros.

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O processo inclui ainda mais seis arguidos com vínculo à Força Aérea Portuguesa (militares de diversas patentes, incluindo oficiais e assistente operacionais) que estão acusados dos crimes de abuso de poder, peculato e recebimento indevido de vantagem.

A mulher do antigo comandante também está acusada no mesmo processo do crime de usurpação de funções.

Os factos criminosos remontam ao período entre outubro de 2018 e abril de 2021, quando o coronel desempenhou as funções de comandante do Aeródromo de Manobra n.º 1 (AM1) em Ovar, no distrito de Aveiro.

A acusação, datada de 13 de fevereiro, refere que o arguido autorizou e justificou indevidamente ajustamentos a inventários de balanço de géneros alimentares da messe do AM1, a que correspondeu um “desvio absoluto” de cerca de 120 mil euros.

Segundo a investigação, estes “desvios absolutos” resultaram de “práticas sistemáticas e generalizadas de aquisição desproporcional de bens e suportada com recurso ao esgotamento das dotações orçamentais nas rubricas correspondentes, com contraprestação desadequada e desproporcional à prossecução das atribuições do AM1”.

A acusação refere que o antigo comandante não comia na messe, tendo dado indicações para que as suas refeições fossem transportadas diariamente para sua casa, assim como as da mulher e do filho, que não tinham direito a alimentação por conta da Força Aérea, o que se traduziu numa vantagem patrimonial indevida de cerca de 17 mil euros.

Durante o período em causa, o ex-comandante terá ainda recebido na sua casa géneros alimentares e artigos diferenciados, normalmente não consumidos na messe, incluindo vinho da marca “Papa Figos”e bebidas espirituosas, fruta diferenciada, como papaia e manga, bolos, chocolates, sumos, água com gás, queijos, manteiga, molhos, temperos e vegetais, num valor de quase 14 mil euros.

O oficial também terá solicitado e recebido leitões nas festas de Natal de 2019 e 2020 e na festa de aniversário de um dos seus filhos, tendo ainda proporcionado trabalho suplementar a trabalhadores civis da messe em atividades e festas pessoais, cujo custo foi suportado pelo AM1.

Os gastos indevidos e que foram suportados por aquela unidade militar da Força Aérea Portuguesa incluem ainda a colocação na casa de função, onde residia com a mulher e um filho, de novos trens de cozinha, cortinas e dois colchões, bem como o pagamento de despesas relativas a água, luz, telecomunicações e serviço de televisão.

Na lista de despesas aparecem ainda a reparação de móveis particulares do ex-comandante na carpintaria do AM1 e a revisão e manutenção das suas viaturas particulares nas oficinas do AM1, além de trabalhos de limpeza do jardim e de pintura da sua residência particular.

O antigo comandante terá ainda dado indicações para que ele e o respetivo agregado familiar usufruíssem indevidamente dos serviços de lavandaria do AM1 e para que uma passadeira elétrica e uma máquina de remo, que estavam afetas à utilização dos militares no ginásio, fossem desviadas e colocadas na sua casa de função.

O MP requereu que os arguidos sejam condenados a pagar ao Estado cerca de 238 mil euros, correspondente ao prejuízo total causado, tendo ainda ordenado a extração de uma certidão para remeter ao Tribunal de Contas para eventual apuramento de responsabilidade financeira.

Em resposta à Lusa a 20 de março, a Força Aérea esclareceu que os oficiais acusados neste processo não se encontram atualmente ao serviço ativo daquele ramo das forças armadas, acrescentando que apurados todos os factos, “agirá em conformidade com a lei, sem prejuízo da ação disciplinar que ao caso compete”.

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