No PS parece dividir-se a teoria sobre a relevância de reuniões preparatórias de uma audição parlamentar a envolver deputados da maioria e representantes de empresas públicas, como aconteceu com a CEO da TAP, a pedido do grupo parlamentar do PS. Se Augusto Santos Silva veio dar a entender que a condena, o presidente do PS Carlos César considera a reunião normal e diz que a própria Christine Ourmières-Widener não se sentiu condicionada com esse encontro. E defende a gestão política da TAP exercida por Pedro Nuno Santos, enquanto teve a tutela da companhia.

“O primeiro embuste é que isso [a reunião] seria algo de inédito, como se não tivesse sempre acontecido com todos os partidos e não fosse mesmo tido como integrando o exercício informado da função parlamentar de cada”, escreve César na sua conta oficial no Facebook sobre a existência de uma reunião onde esteve o deputado do PS Carlos Pereira — que o presidente do PS elogia, dizendo que “vale, sozinho, em trabalho e em qualidade, mais do que muitos atuais deputados da oposição juntos”.

O Governo poderá sobreviver à turbulência na TAP e qual o futuro político de Pedro Nuno Santos? São perguntas que fazemos no novo episódio do podcast “A História do Dia”. Ouça aqui.

Para César, “sempre foi prática fazer essas reuniões informativas e ou preparatórias, com governantes, com gestores de empresas ou institutos públicos, ou simplesmente com outros organismos, associações, entidades e empresas privadas, líderes de opinião ou especialistas nas matérias em apreço”.

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Ao mesmo tempo que este socialista o escrevia, outro socialista de relevo, Augusto Santos Silva, fazia declarações em sinal contrário: “A minha recomendação é que se distinga sempre com clareza aquilo que é uma reunião a nível político e a nível técnico. Essas reuniões de natureza mais política não devem envolver outras personalidades que têm um perfil mais técnico ou responsabilidades institucionais”.

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Mas o entendimento do presidente do PS é outro e até recorre a declarações de sociais-democratas, para atirar à oposição que veio criticar a referida reunião. Cita o antigo secretário-geral do PSD, José Ribau Esteves, hoje presidente da Câmara de Aveiro, dizendo que este evidenciou “a brutal hipocrisia de Montenegro” ao dizer à TSF que também já foi  deputado e quando o seu partido estava no poder acontecia reuniões do género:  “São normais, fazem-se com normalidade e não vejo questão nenhuma.”

Aliás, também assume que “legislaturas anteriores foram inúmeras essas ocasiões em que isso ocorreu, inclusive com partidos como os agora na oposição à esquerda do PS”. Uma declaração que já mereceu reparo do Bloco de Esquerda, com o líder parlamentar Pedro Filipe Soares a negar que tal tenha acontecido. “O grupo parlamentar do Bloco de Esquerda não realiza, nem realizou, reuniões preparatórias de audições parlamentares com membros do Governo nem com pessoas exteriores ao Governo”, escreveu o deputado do BE no Twitter.

Para César há ainda um “segundo embuste” neste caso: a eventual tentativa de condicionamento da CEO pelo PS com esta conversa prévia à audição. Isso para concluir que “a própria gestora, da qual não se pode dizer que seja especialmente amiga do Governo, já desmentiu qualquer condicionamento ou tentativa de a condicionar, e isso, sim, é realmente importante.”

César só não iliba o seu partido e o Executivo numa questão concreta: Hugo Mendes e o mail que escreveu à CEO da TAP sobre a mudança de datas de um voo regular da companhia onde viajava o Presidente da República. Trata-se, escreve o presidente do PS, de “uma conduta perniciosa” e “estúpida” —juntando-se à expressão usada nesta mesma tarde pelo Presidente da República. E que ao Governo “só resta pedir desculpas ao Presidente e às pessoas em geral”. A Mendes refere-se sempre sem ser pelo nome, chamando-lhe mesmo “ex-governante sem juízo”.

Apesar do tom defensivo do seu partido, César reconhece existirem “episódios colaterais” que “não abonam muito a uma relação límpida e eficiente envolvendo a empresa [a TAP], quer aquando da sua privatização quer no tempo mais recente”. Embora também classifique, ao mesmo tempo, de “grotesca” a “omissão” que “se faz ou procura fazer do facto da TAP ter dado lucro, antecipando esse objetivo que estava previsto no seu plano de reestruturação, a que não é estranha nem a sua gestão nem a sua tutela, nesse período, recorde-se, exercida por Pedro Nuno Santos“.

Um elogio que surge numa altura em que no Governo se conta a degradação que tudo isto (incluindo o entendimento sobre qual deve ser a relação entre a tutela e empresas públicas, nomeadamente a TAP)  trouxe à relação entre António Costa e Pedro Nuno Santos. Tal como o Observador escreveu esta segunda-feira, o primeiro-ministro “está furioso” com o seu ex-ministro que fica mais isolado na sua própria defesa.

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Seguindo esta mesma linha de uma no cravo outra na ferradura, o presidente do PS também reconhece que o inquérito parlamentar sobre a TAP não ajuda “ao bom desfecho do dossier TAP, no sentido dos interesses nacionais envolvidos e do desenvolvimento estratégico da empresa”, acusando a “oposição, sobretudo à direita” de andar “à procura dos enredos e dos lapsos, por mais ou menos relevantes que sejam, que entretenham narrativas contra o Governo.”

Sobre a ação do Governo, Carlos César aproveita a deixa para avisar que é preciso acudir aos pensionistas. Quando aponta as “várias medidas, nos âmbitos salariais, sociais e de apoio às empresas já foram tomadas”, o presidente dos socialistas diz esperar ” brevemente” que “outras, a somar às já assumidas, sejam aprovadas incluindo mais diretamente os reformados e pensionistas“.