A companhia de teatro O Bando vai estrear “Nómadas”, na próxima quinta-feira, em Vale de Barris, Palmela, uma peça inspirada numa das histórias de “Viagens”, da escritora polaca Olga Tokarczuk, Nobel da Literatura em 2019.

Com encenação e dramaturgia de João Neca, “Nómadas” cruza duas atrizes e público em palco, mais um robot criado especificamente para esta produção pelo departamento de Robótica do Instituto Politécnico da Guarda, para abordar o uso das novas tecnologias e os riscos que transportam em termos de individualidade e liberdade.

O impacto dessas tecnologias na alteração da narrativa cénica e do rumo do teatro, a possibilidade desse impacto e como pode processar-se foram igualmente interrogações que deram mote a “Nómadas”, a primeira criação de O Bando em 2023, segundo o encenador, que define a sua conceção como uma paragem na estação onde público e personagens “suspendem a ligação maltrapilha de dias e noites”.

O espetáculo faz parte do projeto internacional “Play-On”, uma plataforma tutelada pela Comissão Europeia através da European Culture Funding Stream Creative Europe que, além de O Bando, integra mais oito companhias de teatro da Estónia, Alemanha, Polónia, Noruega, Hungria, Grã-Bretanha, Áustria e Itália.

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Depois de, em 2021, a companhia ter estreado “Futebol”, peça em que o público decidia quem fazia cada cena, O Bando regressa agora ao “Pay On” com uma criação que contou com a parceria do departamento de Robótica do Instituto Politécnico da Guarda, cabendo a Carlos Carreto, responsável deste departamento, programar e pôr em prática os interfaces tecnológicos do espetáculo.

“Nómadas” conta ainda com desenho vídeo e tecnologia da italiana Elena Tilli, e música e desenho de som do colombiano Nico Yurgaki.

Partindo dos princípios de liberdade e segurança, que norteiam a relação da companhia de teatro com a tecnologia – e que coincidem com os do filósofo e sociólogo polaco Zygmunt Bauman (1925-2017), para quem “liberdade sem segurança é caos, e segurança sem liberdade é escravidão” – O Bando convoca a tecnologia para palco para refletir sobre o seu uso quotidiano das tecnologias e as formas de comunicação entre seres humanos e máquinas.

E cita o exemplo dos GPS “usados diariamente em prol da segurança”, que conjugam noções de vigilância e identidade. Os GPS também estão sempre presentes em “Nómadas”.

“Neste momento, os dados [informação] são o objeto mais caro, e quando nós pagamos por um produto quer dizer que o produto somos nós”, sublinha o encenador a propósito da peça, voltando a invocar o autor da obra “O mal-estar da pós-modernidade – Modernidade líquida”.

Duas mulheres, uma com uma vida “dita normal” e outra sem poiso, que deambula pela cidade, de que fala Olga Tokarczuk num dos contos do romance fragmentário que é “Viagens”, são a “cola” que cimenta peça, através da relação confessional que ambas estabelecem.

Ana Lúcia Palminha e Rita Brito são as intérpretes de “Nómadas” e dão corpo a Annuszka, a mulher convencional, que se apresenta de vermelho, e Galina, a nómada, em azul.

Ao longo da peça, Annuszka é convocada a ser nómada, optando por uma maior liberdade em detrimento da segurança, mostrando “como a máquina, enquanto estrutura que nos rodeia, vigia e transforma”, também pode, “de certa maneira, organizar o ser humano”, indicou João Neca.

Num cenário mutante, composto por cacifos que ao longo do tempo vão rodando pelos espaços criando novas configurações, Annuszka e Galina protagonizam uma peça que João Neca define como “uma paragem no tempo da nossa vida”.

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“Uma paragem num tempo em que a velocidade e instantaneidade digital permitem que o teatro possa fugir ao Cronos [o deus do tempo, na mitologia grega], ao mesmo tempo que nos permite dedicar a vida à ficção”, sublinhou.

“O teatro continua a ser esse último reduto da curiosidade”, disse o encenador. Por isso “Nómadas” é um “encontro improvável entre teatro e tecnologia, entre duas mulheres em cena e a robótica”.

Com récitas de quinta-feira a sábado, às 21h00, e ao domingo, às 17h00, “Nómadas” está em cena até 14 de maio, sendo representando cinco dias depois nas Olimpíadas de Teatro, a decorrer em Budapeste, no âmbito do projeto “Play-on”.

No final das récitas de sábado, há possibilidade de o público conversar com a equipa artística.

A peça tem cenografia de Rui Francisco, figurinos e adereços de Catarina Fernandes, desenho de luz de Rita Louzeiro e João Neca, e desenho de som de Miguel Lima.

A assistir à direção artística está Raul Atalaia e, no apoio à corporalidade, Catarina Câmara.

Além de O Bando, fazem parte do projeto “Pay on” as companhias AT Teater, da Estónia, que coordena, Teatro Elsinor (Itália), Teatro Dortmund e Diálogos Urbanos (Alemanha), Teatr Ludowy (Polónia), Teatret Vårt (Noruega), Szinhaz Kolibri (Hungria), Companhia Piloto de Teatro e Universidade de York (Grã-Bretanha) e Landestheater Linz (Áustria).

A obra de Olga Tokarczuk é editada em Portugal pela Cavalo de Ferro.