O presidente da Comissão de Mercado de Valores Mobiliários, que foi esta quinta-feira ouvido na comissão de inquérito à gestão da TAP, revelou que antes de ter sido nomeado para o cargo — em novembro do ano passado — comprou obrigações (títulos de dívida) emitidas pela transportadora. Por essa razão, não vai poder participar em decisões do conselho de administração sobre o processo de contraordenação instaurado à TAP e que pode resultar na aplicação de coimas à empresa. Apesar de estar solidário com as mesmas.
O presidente da CMVM (Comissão de Mercado de Valores Mobiliários) confirmou a existência de um processo de contraordenação à TAP para apuramento de eventual responsabilidades relativas à qualidade e tempestividade da informação prestada ao mercado, a propósito da renúncia de administradores. A TAP foi notificada a está a decorrer o prazo para se pronunciar, adiantou Luís Laginha de Sousa.
A TAP fez duas emissões de obrigações em 2019, uma destinada aos investidores de retalho em Portugal no valor de 200 milhões de euros e outra colocada no mercado irlandês. Os primeiros títulos são negociáveis e vencem este ano. Foi devido à emissão destes títulos que a TAP passou a estar sujeita à supervisão financeira da CMVM.
Durante a intervenção inicial, Laginha de Sousa explicou ainda que a informação que pode prestar sobre o processo de contraordenação está limitada pelo sigilo de supervisão e segredo de justiça. Nas respostas à primeira deputada a colocar perguntas, Mariana Mortágua, o presidente da CMVM diz que não pode dar mais informação sobre a natureza do processo (cuja abertura foi anunciada pelo ex-chairman da TAP, Manuel Beja). Nem em resposta na audição aberta, nem à porta fechada (sem cobertura de jornalistas), esclarece. O presidente da comissão de inquérito, Jorge Seguro Sanches, indica que os deputados terão de avaliar um pedido de levantamento de sigilo junto dos tribunais.
Apesar de indicar que não pode entrar em mais detalhes, Laginha de Sousa indica que o processo tem a ver com a qualidade e tempestividade da comunicação de renúncias de administradores da TAP, sem esclarecer se o âmbito da investigação abrange mais casos para além do da saída de Alexandra Reis. E confirma ainda que o quadro teórico das coimas aplicáveis a contraordenações vai até aos cinco milhões de euros. Não pode entrar em mais detalhe.
O presidente da CMVM esclarece que a responsabilidade pela veracidade e adequação da informação prestada ao mercado é da empresa emitente, da TAP, e que o responsável pelas relações com o mercado é o administrador financeiro, Gonçalo Pires.
Ex-diretora jurídica Stéphanie Sá Silva enviou rascunho de comunicado para validação às Infraestruturas
A ex-diretora jurídica da TAP, Stéphanie Sá Silva, pediu instruções a vários membros do gabinete do Ministério das Infraestruturas sobre um rascunho de um comunicado a enviar à Comissão de Mercado de Valores Mobiliários. O mail remetido pela então diretora da TAP (casada com o ministro das Finanças, Fernando Medina) e revelado pelo deputado do PSD, João Paulo Barbosa e Melo, está endereçado ao secretário de Estado Adjunto e das Infraestruturas (Hugo Mendes) e nele é enviado em anexo “para consideração e comentários um rascunho da comunicação ao mercado e ao público em geral, para divulgação na CMVM e no site da TAP”. O anexo não está na posse do deputado.
O mail data de 16 de julho de 2021, data em que a TAP comunicou decisões da Comissão Europeia sobre o plano de reestruturação, nomeadamente a abertura de uma investigação aprofundada à ajuda pública que estava ainda a ser negociada e a reaprovação do empréstimo de 1.200 milhões de euros dado pelo Estado em 2020 e que tinha sido posto em causa por ação da Ryanair no Tribunal de Justiça da União Europeia.
Este mail tem como destinatários vários membros do gabinete de Hugo Mendes, incluindo a assessoria de comunicação, e segue com o conhecimento dos administradores da TAP, Christine-Ourmières Widener, Ramiro Sequeira e Alexandra Reis e João Gameiro (o CFO que renunciou em setembro de 2021).
Questionado sobre se acha estranho esta intervenção do Governo, Laginha de Sousa responde que não cabe à CMVM pronunciar-se sobre a forma como os emitentes organizam o seu processo interno. À data, o Estado tinha a maioria do capital da TAP.
TAP não tinha de comunicar a investidores valor pago a Alexandra Reis
Luís Laginha de Sousa explicou o diferente grau de intervenção da supervisão da CMVM e dos deveres exigidos em termos de reporte das empresas em função dos instrumentos que emitem. E no caso da TAP está em causa a emissão de obrigações, títulos de dívida, e não ações. Os deveres de reporte no caso das entidades que emitem dívida são menos exigentes do que os das empresas que emitem ações, sublinha, e estão centrados na situação financeira da empresa e nos riscos para os detentores de títulos de dívida que são credores. No caso dos detentores de ações, há mais exigências sobre o governo de sociedade porque estes também são acionistas.
No caso de emitentes como a TAP, a cessação de funções de administradores deve ser comunicada, mas no caso do pagamentos a ex-gestores só há exigência de divulgação de indemnizações se estas forem de tal forma elevadas que possam influenciar de forma sensível o preço das obrigações emitidas. O que não será o caso dos 500 mil euros da indemnização de Alexandra Reis. Por isso, diz, o legislador não exige que emitentes reportem o valor de indemnizações pagas a gestores.
Empresa pública tem dever anual de reportar e CMVM detetou falhas nos relatórios anuais da TAP
No entanto, assinala Laginha de Sousa, a TAP passou a ser uma empresa pública (em 2020), o que implica uma camada normativa adicional que fica fora dos poderes da CMVM. E nessas obrigações está a divulgação de um relatório anual de governo da sociedade com todas as remunerações pagas aos gestores e cuja fiscalização cabe à UTAM (Unidade Técnica de Acompanhamento e Monitorização do Setor Empresarial). Na resposta dada à deputada do Bloco de Esquerda sobre falhas de reporte nestes relatórios — nomeadamente o de 2020 que não revela o pagamento de indemnização por saída antecipada a Antonoaldo Neves — o presidente da CMVM indica que já houve interações com a UTAM, que funciona na dependência do Ministério das Finanças. Isto depois de a supervisora da bolsa ter solicitado à TAP que corrigisse o relatório de governo de sociedade de 2020 para incluir a indemnização paga ao presidente executivo que Pedro Nuno Santos demitiu quando o Estado tomou o controlo da empresa.
O presidente da CMVM assinala que qualquer informação divulgada pela TAP e com relevância para o mercado de capitais tem de cumprir os critérios de qualidade previstos na lei — veracidade, completude, clareza, licitude e a atualidade. E perante as dúvidas geradas pelo comunicado de fevereiro de 2022 que divulga a renúncia de Alexandra Reis, a CMVM solicitou esclarecimentos ao emitente sobre a informação inicial dada sobre o contexto inicial de saída da gestora e determinou a clarificação do mesmo no sentido de esclarecer que a iniciativa partiu da empresa e não da administradora. Ao contrário do que a leitura do comunicado inicial indica, diz. Foi na sequência desta iniciativa que a TAP corrigiu o comunicado ao mercado, confirmando que Alexandra Reis saiu na sequência de um acordo de rescisão e por iniciativa da empresa e não por renúncia para se dedicar a outros desafios profissionais.
Laginha de Sousa referiu também que a TAP tem cumprido as obrigações de reporte financeiro enquanto emitente de dívida e que a CMVM não recebeu pedidos de informação ou queixas de investidores em dívida da TAP. “Tanto quanto sei, da parte obrigacionistas, se não forem lesados no compromisso e dentro do compromissos especifico das obrigações, não sou jurista mas creio que não há matéria”, respondeu ao deputado Bernardo Blanco, da IL, que quis saber se a TAP pode ter de vir a pagar aos investidores por informação incorreta ao mercado. “Qualquer um é livre de recorrer à Justiça se entender que existe matéria sobre a qual tem um direito que foi, de alguma forma, lesado”, concluiu.